"Catolicismo" Nº 151 - Julho de 1963

 

... E sobre ti está edificada a Igreja

 

A SUA SANTIDADE O PAPA PAULO VI - Bispo de Roma, Vigário de Jesus Cristo, Sucessor do Príncipe dos Apóstolos, Sumo Pontífice da Igreja Universal, o acendrado amor filial, a veneração profunda, a obediência irrestrita, a fidelidade inteira do corpo redatorial, dos colaboradores, dos funcionários, dos propagandistas e dos leitores, de todos enfim que constituem a vasta família de almas de "Catolcismo"Não há no Brasil coração católico que não se tenha alegrado com o enorme realce dado pela imprensa diária de todos os matizes, não só à enfermidade e à morte do Santo Padre João XXIII, como à eleição e coroação do novo Sucessor de São Pedro, o Papa Paulo VI. Sem exceção, os jornais se interessaram por todos os pormenores desses grandes acontecimentos, e os registraram com todo o destaque devido. E, assim como se deu com os fatos, deu-se com os comentários. Todas as conseqüências do falecimento do pranteado Pontífice João XXIII, e da eleição do insigne Cardeal-Arcebispo de Milão, foram analisadas e esquadrinhadas pela imprensa do modo mais meticuloso. Com uma meticulosidade que chegou por vezes até o exagero e a franca fantasia. De sorte que sobre a matéria foi dito mais ou menos tudo quanto havia que dizer... e até mais do que a objetividade poderia permitir.

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A respeito dessa atitude da grande imprensa, toda ela laica, um primeiro comentário cabe fazer. Se os grandes arautos do laicismo, de há cem anos atrás, que profetizavam com alarde para o século XX o desaparecimento da Igreja Católica, pudessem ver até que ponto o mundo de hoje se interessa pela morte de um Papa e pela ascensão de outro, o que diriam? O que diriam principalmente ao ver a imprensa leiga, o rádio e a televisão – com que há cem anos nem sonhavam – igualmente aconfessionais, dedicarem seus melhores horários e seus mais audaciosos recursos técnicos a noticiar esses fatos!

Os jornais, o rádio, a televisão, influenciam sem dúvida a opinião pública. Mas, de seu lado, também são influenciados a fundo por ela. É na medida em que os assuntos interessam ao público, que são noticiados. E se órgãos de difusão laicos tanto se estendem sobre a substituição do 261º Sucessor de São Pedro pelo 262º, deve-se isto fundamentalmente, não tanto à simpatia e ao interesse dos dirigentes, colaboradores e redatores desses órgãos, quanto à veneração, à admiração, à filial confiança do público para com a Cátedra Romana e seus imortais ocupantes.

Essa atitude da opinião pública significa a vitória do Papado sobre toda a imensa ofensiva propagandística que contra ele se desencadeou no século XIX e em grande parte do século XX. Os que lhe haviam profetizado a morte jazem nos cemitérios, à espera da Ressurreição e do Juízo. A nau de São Pedro continua a sulcar gloriosamente os mares ora pacíficos ora revoltos da História, e seus timoneiros – ontem João XXIII e hoje Paulo VI – longe de representarem uma força espiritual decrépita e moribunda, são reconhecidos como figuras-chave na determinação dos rumos da humanidade. Radiosa e sobrenatural imortalidade do Papado, na qual desponta gloriosamente para a História o pontificado de Paulo VI. Comprazemo-nos em a registrar aqui, num preito de admiração e entusiasmo à invencível Cátedra de Pedro.

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E passemos a outro comentário.

Se o desenvolvimento prodigiosa da imprensa diária de nenhum modo tira aos hebdomadários ou mensários a sua razão de ser, é certo que lhes cria entretanto alguns problemas complexos.

Assim, se tanta coisa boa e até ótima foi dita a propósito dos grandes acontecimentos com que nos ocupamos, o que dizer ainda agora, que o público já não haja lido?

Como vê o leitor, o problema é embaraçoso.

Sim, talvez, para folhas de outro gênero. Não porém para "Catolicismo". Não somos porventura o jornal das "verdades esquecidas"? Não é nossa missão tomar respeitosamente pela mão essas irmãs obscuras das grandes verdades ilustres de que todos se lembram, e colocá-las ao lado destas últimas, no lugar a que fazem jus, ao grande sol da notoriedade e da veneração universais?

Assim, cabe-nos simplesmente lembrar o que não foi lembrado, afirmar o que não foi afirmado, e por esta forma tornar completo o concerto de louvores que desde a moléstia de João XXIII até a gloriosa coroação de Paulo VI vai subindo ao trono de São Pedro.

O cumprimento desse dever nos é hoje particularmente grato. Pois, como se verá, teremos, ao desempenhá-lo, ótima oportunidade para manifestar nossa adesão incondicional, nosso amor sem limites, nossa obediência inteira, não só à Cátedra Apostólica, mas também às Pessoas augustas do seu Ocupante de ontem e de seu Ocupante de hoje.

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É preciso reconhecer que, se a imprensa de outrora tinha certa tendência a negar as qualidades pessoais dos Papas, a imprensa hodierna não tem este vezo.

Causava alegria ver com que calor, mais ou menos em todos os países do Oeste, os jornais exaltaram os predicados que fizeram tão pranteado o Papa João XXIII: sua simplicidade tão afável e atraente, à qual uma pequena ponta de malícia ao mesmo tempo diplomática e paterna acrescentava um encanto particular; o feitio característico de sua luminosa inteligência, voltada com sutileza peculiar e inconfundível para os grandes problemas hodiernos; aquele misto inesquecível de estabilidade e arrojo, de serenidade e atividade, que marcavam todo o ritmo de suas atividades; aquela fisionomia inalteravelmente plácida e despretensiosa com que se apresentava, quer nos episódios comuns da vida cotidiana, quer no esplendor do exercício de suas excelsas funções, inaugurando e encerrando por entre pompas a primeira fase do II Concílio do Vaticano, ou recebendo de todos os quadrantes homenagens de louvor pela "Mater et Magistra" ou pela "Pacem in Terris".

Eram igualmente de chamar a atenção os encômios com que, ao ensejo da morte de João XXIII, os grandes órgãos da imprensa lembravam a figura ainda tão recente de seu Antecessor.

O tônus aristocrático de Pio XII, a vastidão enciclopédica dos conhecimentos que deixava transparecer, o prestígio que tinha sobre as multidões, sua excepcional atuação durante a guerra, tudo enfim quanto caracterizava o Augusto Pontífice foi rememorado com veneração e saudade.

Eleito para a Sé Apostólica o Cardeal Montini, a acolhida universal não poderia ser mais entusiástica. E desde logo se pôs em evidencia que o Conclave escolhera um Pontífice de uma personalidade inteiramente excepcional. À uma se celebraram sua inteligência penetrante, seu descortino diplomático que lhe assegura posição de relevo entre os grandes estadistas contemporâneos, sua personalidade definida, intimorata e dinâmica. A cooperação intima que teve com Pio XII como Pró-Secretário de Estado, e com João XXIII como conselheiro querido e influente.

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Como é natural, a imprensa se empenhou em acentuar as legítimas diversidades existentes entre personalidades tão ricas em aspectos típicos. Ao Papa aristocrata e profundamente interessado em questões doutrinárias comparou o Papa de honrada e humilde extração popular, todo voltado para a ação pastoral prática, e por fim o Papa diplomata, homem de governo, culto e clarividente, que empunhará com particular firmeza o timão da Nave no mar cada vez mais revolto do século XX.

Da análise dessas diversidades, certos órgãos passaram insensivelmente para a afirmação de uma tal ou qual contradição entre os três Papas. Um teria sido tão doutrinário, que teria sacrificado algum tanto a realização prática. O segundo teria sido tão prático, que não teria dado verdadeira importância à doutrina. O último corrigiria os dois anteriores, mais ou menos corno a síntese corrige a tese e a antítese. É o que ficava insinuado em mais de uma notícia ou comentário.

O gosto pela exploração das diversidades ou das pretensas contradições entre os três Pontífices chegou por vezes até o infantil: não faltou quem acentuasse que a um Papa esbelto sucedera outro, muito corpulento, ao qual por sua vez vinha suceder um esbelto...

Isto, quando outra contraposição, que não é isenta de algumas gotas de veneno do espírito de luta de classes, não contrapunha o Papa nobre e suposto portanto reacionário, a um Papa filho do povo e, ipso facto, considerado como de matiz progressista!

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Estas observações eram indispensáveis para que se compreendesse a nobreza, a importância transcendental, a fulgurante beleza da verdade esquecida - ou melhor, semi-esquecida - que queremos pôr em foco.

"É coisa verdadeiramente digna e justa, razoável e salutar", salientar os predicados pessoais dos diversos Pontífices a que acabamos de nos referir. É legítimo acentuar entre ales a harmoniosa e rica diversidade. Mas esta diversidade não deve ser exagerada até imaginar uma contradição que não existiu. Doutrinador ao qual a Igreja deve documentos de uma importância inexcedível, Pio XII foi entretanto, e inegavelmente, um -Papa de ação profunda e universal. Papa de ação, João XXIII esteve muito longe de desprezar os temas doutrinários. Pois não tratam amplamente de doutrina as duas célebres e tão festejadas Encíclicas que escreveu?

Sem dúvida, Pio XII nasceu de uma família ilustre, e João XXIII era filho de camponeses. Mas como é ridículo ver no primeiro um Sila e no segundo um Mário, sucessivamente colocados à testa da Igreja!

E, sobretudo, estes aspectos pessoais postos em relevo a propósito do grande acontecimento que acaba de se dar na suprema direção da Igreja de Cristo, por mais legítimos e dignos que sejam, não são senão aspectos secundários.

A grande realidade primordial que não se focalizou suficientemente, a grande e suprema realidade, gloriosa e indestrutível, que há subjacente em toda mudança de Papas, não é que o Papa mudou, mas precisamente que o Papa não muda nunca. Pode morrer Pio XI e suceder-Lhe Pio XII; pode morrer Pio XII e ser substituído por João XXIII; pode João XXIII deixar de pertencer ao número dos vivos, e ascender depois d’Ele ao trono de São Pedro, Paulo VI, - em qualquer caso, os homens passam mas o Papa fica. É São Pedro que fica, sempre o mesmo, sempre fiel a Jesus Cristo, desde os primórdios da Igreja até hoje, e de hoje até a consumação dos séculos: "Tu és Pedro, e sobre essa pedra está edificada a Igreja, e as portas do inferno contra Ela não prevalecerão", eis o que Jesus Cristo diz a cada Papa que O tem representado, ao que O representa, aos que O representarão até a consumação dos séculos.

E, quando um novo Papa ascende ao sólio de São Pedro, nossa alegria pelos dotes novos do Papa novo nunca pode igualar nosso júbilo intenso e, por assim dizer, supereminente a todo outro júbilo, que tem como razão profunda, não o que muda, mas precisamente o que não muda. A indefectível fidelidade do Papa a Jesus Cristo, O qual ao longo dos séculos não muda - "Christus heri et hodie, ipse et in saecula" ( Heb. 13, 8 ) - eis a razão principal de nossa intensa, de nossa profunda, de nossa radiosa alegria.

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Assim formulada a grande verdade semi-esquecida que convinha pôr em todo seu esplendido realce, ser-me-á lícito descer a uma ordem de idéias mais modesta e mais íntima, que comunica em relação a Sua Santidade o Papa Paulo VI, a nota do sentimento pessoal aos motivos de veneração, de obediência e de amor que decorrem do princípio básico que acabo de recordar?

Quis "Catolicismo" consagrar todo um número ao vigésimo aniversário de meu livro "Em Defesa da Ação Católica" ( "Catolicismo", nº 150, de junho de 1963 ). E nesse número mencionou com natural realce a carta de louvor que se dignou enviar-me a propósito daquela obra o Santo Padre Pio XII. Os paternais sentimentos do Augusto Pontífice me foram expressos por intermédio do Substituto da Secretaria de Estado de Sua Santidade, que era então Monsenhor João Batista Montini. Monsenhor Montini é hoje o Papa Paulo VI.

Estando em Roma em 1950, tive oportunidade de comprovar com quanta atenção e quanto interesse o já insigne Prelado acompanhava os assuntos atinentes ao Brasil. É evidentemente com essas disposições que Ele sobe agora ao mais alto dos tronos.

Encontrava-se também na Cidade Eterna, na mesma ocasião em que eu lá estava, o grande Bispo de Campos. Como era natural, competia-lhe fazer urna visita ao Substituto da Secretaria de Estado. Havendo sido objeto da então recente carta deste Prelado, a polidez me obrigava a idêntica visita. O Exmo. Revmo. Sr. D. Antônio de Castro Mayer e eu nos dirigimos pois ao Vaticano.

Tendo entregue nossos cartões ao secretário de Monsenhor Montini, ele nos reapareceu depois de pequena espera, dizendo que S. Excia. nos receberia dentro de pouco, e que, dada a amizade que nos unia, ao Sr. Bispo e a mim, nos receberia juntos! Tal o conhecimento dos assuntos do Brasil no espírito daquele Prelado, em cuja mente estavam presentes problemas numerosos e complexos do mundo inteiro!

Introduzidos no gabinete de Monsenhor Montini, fomos alvos de acolhida encantadora. Depois de cumprimentar o Sr. bispo, voltou-se para mim: "Professor, quero que saiba que a carta que lhe escrevi não foi mero documento de civilidade.Cada um de seus termos foi pesado atentamente. Tenho prazer de o declarar aqui, em presença do Sr. Dom Mayer". A conversa se entabulou, em seguida, viva e animada. O tema foi o Brasil, e sobre instituições e coisas de nosso País o egrégio Prelado discorreu com um calor e uma afeto que nos encheram a alma. O relógio deu 13 horas. É o momento em que se encerra o trabalho no Vaticano. Quisemos retirar-nos, ma Monsenhor Montini nos reteve por algum tempo. POor fim, cessada a audiência, deu-nos medalhas comemorativas do jubileu episcopal de Pio XII. No dia seguinte – especial atenção de s. Excia. Revma. – recebia eu convite para ir com um amigo, o Eng. Adolpho Lindenberg, à tribuna diplomática da Basílica de São Pedro, assistir à canonização de São Vicente Maria Strambi.

Pequenas recordações de interesse principalmente individual, mas que me enchem o coração, e que consigno aqui como pequena flor, ao pé da grande verdade semi-esquecida que, com amor entusiástico e veneração profunda para com o Vigário de Cristo, julguei dever pôr em foco neste artigo.