Catolicismo Nº 218 - Fevereiro de 1969

 

O Arcebispo vermelho abre as portas da América e do mundo para o comunismo

Plinio Corrêa de Oliveira

 

A propósito de afirmações extremamente graves, atribuídas pela imprensa a D. Helder Câmara, Arcebispo de Olinda e Recife – e não desmentidas – a TFP fez publicar em jornais de grande circulação das principais cidades do País o seguinte comunicado, subordinado ao título acima e datado de 1º do corrente:

"A Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade esperou até agora que D. Helder Câmara, Arcebispo de Olinda e Recife, desmentisse as afirmações que a imprensa nacional lhe atribuiu como pronunciadas no domingo, dia 27, em Nova York, em discurso de encerramento da sexta Conferência Anual do Programa Católico de Cooperação Interamericana ( CICOP ).

Até o presente, tal desmentido não veio. E, à vista dos antecedentes, é muito de duvidar que ele venha, pelo menos com a precisão e a franqueza indispensáveis.

Dada a extrema gravidade das declarações do referido Prelado, a TFP julga cumprir um dever para com a Pátria, exprimindo desde logo seu inteiro desacordo com as sugestões desconcertantes a ele atribuídas.

Comunismo, anticomunismo: questão secundária

Entre outras coisas, asseverou D. Helder que "o primeiro problema da humanidade não é o choque entre o Oriente e o Ocidente, mas sim entre o Norte e o Sul – ou seja, entre o mundo desenvolvido e o mundo sub-desenvolvido".

Esta afirmação sibilina é de molde a adormecer a vigilância dos anticomunistas, ao mesmo tempo que relega para um nível secundário a grande controvérsia religiosa, filosófica e cultural entre o mundo cristão e o mundo ateu, para pôr em primeira plana o problema econômico do subdesenvolvimento. Inversão de valores inteiramente conforme à doutrina de Marx.

Estados Unidos, potência anticomunista a neutralizar

Acrescentou D. Helder que o norte-americano médio deveria convencer-se da insensatez de uma nova guerra mundial, e que "isso não será fácil, porque enormes interesses econômicos estão às vezes interessados em promover a guerra, ou com freqüência esses interesses controlam os meios de comunicação e seu enorme efeito na formação da opinião pública". Esse longo fraseado importa em afirmar que o norte-americano médio, intoxicado com uma propaganda insincera, financiada por misteriosas potências econômicas, deveria recusar apoio a todos os esforços empreendidos pelos estadistas anticomunistas de seu país e pelo Pentágono para levar avante a defesa dos Estados Unidos e do mundo livre.

Com efeito, no próprio momento em que a Rússia multiplica o número e seus navios de guerra no Mediterrâneo, e, com o tacão da bota posto sobre a infeliz Checoslováquia, ameaça a Europa, eis o conselho ultrapacifista que D. Helder oferece às Forças Armadas norte-americanas: "Quem sabe se um dia o Pentágono se disporá a dar um exemplo a todo o mundo, organizando uma estratégia global para liquidar o sofrimento". E D. Helder acrescenta: "não digais que tal estratégia colocaria o mundo na mão dos comunistas"... Assim, o que D. Helder deseja é que as Forças Armadas dos Estados Unidos se transformem em um inocente e tolo Exército da Salvação. E garante tranqüilamente que, mesmo assim, soviéticos armados até os dentes não saltariam para a conquista do mundo indefeso! Seria impossível advogar mais claramente a causa do entreguismo em favor de Moscou.

Advogando a causa da Mao Tsé-tung

Sempre nesta orientação, D. Helder pede que a China comunista seja admitida nas nações Unidas. Isso constituiria uma imensa vitória diplomática para o regime de Pequim, e favoreceria largamente, por via de conseqüência, a expansão do prestígio comunista no Extremo Oriente, bem como ao longo de todas as fronteiras chinesas no coração da Ásia. Tanto mais quanto, em princípio, o ingresso da China comunista na ONU importaria na exclusão da China Nacionalista, cujo governo, sediado em Formosa, se reputa, a justo título, o representante legítimo do povo chinês naquele organismo internacional.

Abalando a ONU em favor do comunismo

Vão ainda mais longe as conseqüências da medida propugnada por D. Helder.

Como a China ocupa um dos cinco lugares permanentes e com direito de veto no órgão supremo da ONU, isto é, no Conselho de Segurança, a admissão do governo de Pequim importaria forçosamente em que ao representante de Chang Cai-Chek nesse órgão se substituísse o de Mao Tsé-tung. Em outros termos, o Conselho de Segurança, entre cujos membros permanentes há atualmente só um voto comunista, o da Rússia, contra quatro do mundo ocidental, passaria a ter dois votos comunistas permanentes – Rússia e China – contra três ocidentais, a saber, os dos EUA, Inglaterra e França... da França de de Gaulle, tão dúbia e incerta.

É isto o que deseja D. Helder.

Em favor de Fidel Castro

O regime cubano constitui a mais férrea ditadura da América, uma das mais férreas do mundo. Nega ele inteiramente, por exemplo, a propriedade privada, um dos princípios morais básicos da civilização cristã, promulgado em dois mandamentos da Lei de Deus, "Não furtarás" e "Não cobiçarás as coisas alheias". Para quem não se conforma com essa bárbara eliminação de um dos mais importantes direitos naturais do homem, a receita de Fidel Castro é simples e drástica: o paredón, a agonia da reclusão nos cárceres de La Cabaña, etc.

O regime comunista de Havana representa uma nódoa na América, e Fidel Castro, com sua coorte de carrascos e capangas a soldo de Moscou e Pequim, não é menos um intruso em seu país do que as tropas soviéticas o são na Checoslováquia.

O anseio de todo verdadeiro americano, de todo bom brasileiro, deve consistir na retirada dos "quislings" de Cuba.

Pareceria natural que D. Helder Câmara afinasse por estes sentimentos, e propusesse aos seus ouvintes a mais tímida e pacífica das medidas para a libertação da pérola das Antilhas: um plebiscito fiscalizado pela Organização dos Estados Americanos, para saber se realmente os cubanos querem a permanência do comunismo em sua pátria. Plebiscito este que, naturalmente, deveria ser precedido da volta dos exilados a Cuba, e do restabelecimento de todas as liberdades civis e políticas.

Em vez disso, o que pede D. Helder? Uma série de medidas que importam na consolidação do regime castrista. Fingindo confundir a Cuba autêntica, martirizada e inconformada, com a Cuba de Fidel Castro, a qual não é senão uma mentira oficial, D. Helder pede "a reintegração de Cuba na comunidade latino-americana". Argumentos? Simplesmente estes: 1º) "Nossa irmã Cuba deve ser reintegrada na nossa comunidade, com o devido respeito às suas opiniões políticas"... Pelo contexto é bem evidente que se trata das "opiniões políticas" dos comunistas cubanos. Por esta forma, D. Helder se sente irmão da Cuba marxista, e pede o respeito de todo o continente pela ideologia política desta, toda baseada no materialismo e no ateísmo. 2º) Conservando Cuba isolada, afirma D. Helder, estaremos contribuindo para manter a divisão no continente: assim, a união do continente, para D. Helder, não exige que seja expulso o comunismo, senão que, ao invés, se abram as portas a este. E por fim mais este argumento do labioso Prelado: "depois de tudo, não olvidemos que os cubanos são também filhos de Deus e não podemos condenar toda uma nação a viver em um gueto". Em conseqüência, para D. Helder, quem combate Fidel Castro, em vez de estar libertando Cuba de uma masmorra, pelo contrário a circunscreve em um gueto. De tal maneira o Arcebispo de Olinda e Recife confunde o ditador comunista com Cuba, e quer reportar ao primeiro todos os benefícios do afeto fraterno que temos para com a segunda.

Vista de conjunto: um entreguismo total

De princípio ao fim, essas declarações contidas no discurso de D. Helder delineiam toda uma política de entrega do mundo, e mais particularmente da América, ao comunismo.

Estamos assim diante desta realidade estarrecedora: um Bispo da Santa Igreja Católica Apostólica Romana empenha o prestígio que lhe vem da excelsa dignidade de sucessor dos Apóstolos ( e, colateralmente, de uma nababesca cobertura publicitária nacional e internacional, mais ampla do que jamais teve outro brasileiro, nem sequer Getúlio Vargas ), para tentar a demolição de bastiões dos mais preciosos da defesa militar e política do mundo livre contra o comunismo. Contra o comunismo, sim, que é o mais radical, o mais implacável, o mais cruel e o mais insidioso dos inimigos que jamais investiram contra a Igreja e a civilização cristã.

A política internacional preconizada por D. Helder é inteiramente afim com a política nacional proposta pelo agitador belga Pe. Comblin ( hoje aprazivelmente reinstalado em Recife ), há pouco denunciado pela TFP em vitoriosa campanha contra a infiltração comunista em meios católicos.

À vista dessa significativa afinidade, é impossível não recear que em Recife se esteja constituindo um dispositivo eclesiástico – amparado por importantes simpatias em outros lugares – no sentido de, explorando a Fé dos brasileiros, obter o apoio destes para uma política que importa na ruína do País e do mundo.

Este fato, a TFP, como entidade cívica votada á defesa dos princípios básicos da ordem natural, o vê com uma tristeza profunda, nascida da veneração indizível que tem para com a Igreja Católica.

Mas, em hora de tanto perigo, não é legítimo que fiquemos nesta tristeza. É necessário apelar para as figuras respeitáveis que, na Hierarquia Eclesiástica, representam o pensamento católico, para o Poder Público, ao qual incumbe a preservação da ordem natural, para a opinião nacional, enfim, tão insofismável e compactamente anticomunista, para que, de concerto, ponham paradeiro a um perigo cujo alcance seria pueril ignorar.

Se alguém, contra toda a evidência, quisesse fechar os olhos a esse perigo, bastaria a aprovação publicamente dada por aquele que é um dos mais altos hierarcas temporais da terra – isto é, por U Thant, Secretário Geral da ONU ( entrevista à imprensa de 28 de janeiro ) – às presentes palavras de quem a opinião pública se vai habituando a qualificar de Arcebispo Vermelho do Nordeste.

São Paulo, 1º de fevereiro de 1969

Plinio Corrêa de Oliveira,

Presidente do Conselho Nacional