Catolicismo Nº 235 - Julho de 1970

 

Uma festa ao mesmo tempo nobre e popular

 

Prorrogadas até 7 de setembro as vigílias de orações da TFP

 


Uma festa ao mesmo tempo recolhida e pública, nobre e popular, assinalou no dia 2 de junho o encerramento do mês de vigílias promovido pela TFP junto ao oratório de Nossa Senhora da Conceição, vítima dos terroristas, instalado em sua sede da Rua Martim Francisco, em São Paulo. Centenas de pessoas uniram-se aos sócios e militantes da entidade, rezando com eles, cantando com eles e aplaudindo com eles. Enquanto era feita a incineração dos pedidos deixados pelos fiéis aos pés da imagem da Senhora da Conceição, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira anunciou a prorrogação das vigílias até a noite de 6 para 7 de setembro. Nessa noite a imagem será levada ao monumento do Ipiranga, onde se fará uma vigília de preces pelo Brasil até o raiar do dia da Independência.

 

Dos pronunciamentos feitos durante a solenidade transcrevemos abaixo as palavras do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira e do estudante Valdir Trivelatto, a partir de registro em gravador.  Nós as reproduzimos aqui, na íntegra, sem revisão dos oradores.

 

Discurso do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira

 

"No momento em que se procede à incineração dos pedidos endereçados por tantos fiéis a Nossa Senhora da Conceição, neste momento em que simbolicamente sobem aos Céus sob a forma de labaredas e de fumaça os anelos de tantas almas fiéis, neste momento a Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade, pela voz do Presidente do seu Conselho Nacional, não poderia deixar de dizer uma palavra. Esta palavra é sugerida pela natureza mesma do quadro que vemos diante de nós.

Incineração dos pedidos feitos a Nossa Senhora

Uma imagem coroada de espinhos, uma imagem mutilada, uma imagem trazendo em si todos os sinais da devastação, - uma imagem coroada de ouro, uma imagem com resplendor de prata, uma imagem cercada de flores, uma imagem tendo aos pés flores de prata e uma flor áurea, uma imagem adornada com tudo aquilo que a piedade dos fiéis costuma usar para exprimir sua veneração, seu amor e sua gratidão. Esta antítese entre a devastação de um lado e a glorificação de outro lado, é bem a história deste oratório que aqui está diante de vossos olhos. Uma bomba o inaugurou, porém mais possante do que a bomba que destrói, que representa o ódio que arrasa, que nega, que procura calcar aos pés tudo quanto há de mais sagrado, muito mais possante do que a bomba, e do que o poder da destruição, é a fé e o poder da construção. Onde espinhos fizeram sangrar o Coração Imaculado de Maria, onde o ódio danificou a sagrada imagem que aqui está, onde o estampido derrubou uma pequena coroa de prata que cingia a fronte desta imagem e que não se encontrou mais no meio dos escombros e das ruínas, aí mesmo se abriu um rio de graças.

Nossa Senhora figurada pela sua imagem aí está presente. Uma coroa de ouro substituiu a coroa de prata. Uma coroa de ouro que representa tanto, como afirmação da convicção da realeza de Nossa Senhora sobre todo o universo. Rainha dos Anjos, Rainha dos Santos, Rainha dos Patriarcas, Rainha dos Profetas, Rainha da Igreja Gloriosa, Rainha da Igreja Militante, Rainha da Igreja Padecente, Nossa Senhora tem em Si todas as realezas, que Deus Nosso Senhor pôs em suas mãos. As mãos de Nossa Senhora, as mãos da imagem estão mutiladas, mas se é verdade que as mãos mutiladas podem dar idéia de impotência, de incapacidade de agir, de incapacidade de distribuir graças, é verdade também que essas mãos feitas para a prece e para carregar o rosário nos lembram pela sua própria ausência, o quanto é inútil atentar contra o poder de Nossa Senhora. Sua realeza negada foi reafirmada, suas mãos, canais de graças, decepadas, abrem-se num fluxo enorme de graças para tantas pessoas que aqui acorrem. Neste oratório, a imagem não tem mais as mãos para segurar o rosário, mas uma alma piedosa colocou-lhe um rosário em torno do pescoço, como para indicar que nada faz cessar de rezar a alma verdadeiramente fiel.

Na cerimônia de encerramento das vigílias de orações levadas a efeito pela TFP durante o mês de maio, uma multidão calculada em 800 pessoas lotou inteiramente a pequena praça improvisada diante da sede da entidade, num trecho de 30 metros da Rua Martim Francisco que fora interditado para o transito de automóveis. Ao término da cerimônia os fiéis se aproximaram para oscular as fitas azuis que pendiam da imagem de Nossa Senhora da Conceição; numerosas pessoas permaneceram ainda durante muito tempo junto ao oratório, ajoelhadas na calçada, rezando o terço com os sócios e colaboradores da TFP. Estes compareceram com suas capas rubras e levando um grande número de estandartes.

Por outro lado, temos diante de nós um mês inteiro de orações, de vigílias feitas por jovens admiráveis, - e dou graças a Nossa Senhora pelo valor desses jovens que Ela mobilizou nas lutas cívicas pela causa da Tradição, da Família e da Propriedade, princípios básicos do direito natural e da ordem cristã. Esses jovens se revezaram noites a fio, com grande sacrifício, continuando a estudar, continuando a trabalhar como sempre, apesar das longas vigílias, noites a fora. Esses jovens foram testemunhas de tantos dramas de alma, de tantas pessoas com a consciência vibrátil e dolorida por mil peripécias da vida, que vinham aqui rezar a horas caladas da noite e que vinham pedir a eles o auxílio de uma oração para obterem alguma graça muito desejada. Diante desta imagem, o amor se manifestou maravilhoso. Durante o dia tantos dos que aqui estão presentes pararam para rezar; tornou-se tão freqüente aos pés deste oratório ver essa cena completamente inusitada na Paulicéia modernizada de nossos dias, tornou-se freqüente ver pessoas dos dois sexos, de todas as idades, de todas as classes sociais, ajoelhadas diretamente na calçada, apresentando a Nossa Senhora os seus votos, os seus anelos, as suas aflições e as suas esperanças. E o atendimento foi copioso; foi tão copioso, que as flores que cobrem este oratório representam as graças recebidas. Não há uma flor aqui adquirida pela TFP; todas foram mandadas por pessoas que têm rezado neste oratório. Todos os objetos valiosos que aqui estão representam atos de piedade ou de agradecimento de devotos de Nossa Senhora. É preciso que o reconhecimento da TFP mencione especialmente dois dons de grande significação: uma rosa dourada, enviada pela Revda. Irmã Ana Eugênia, da Congregação do Sion, e uma auréola de prata, trazida por uma Religiosa que tinha suas razões para querer ficar anônima. Esta devoção de duas Religiosas de Congregações diferentes, que, sem se conhecerem, contribuíram para nimbar de glória a cabeça veneranda desta imagem, esta devoção é bem a afirmação de que o vendaval das idéias progressistas nada pode contra a Igreja, firme como uma rocha, que o comuno-progressismo nada alcança, porque nada vence as causas que têm o apoio das almas verdadeiramente generosas, piedosas, cristãs. A TFP menciona com especial emoção o gesto de D. Graziela Galvão Brasil, que foi a doadora espontânea – como espontâneos foram todos os outros doadores – da coroa de ouro que cinge a fronte de Nossa Senhora. A Sra. Fanny Partika, que deu o terço de prata que está ao pescoço de Nossa Senhora. Uma rosa de prata muito formosa oferecida pelo Sr. e Sra. Edmundo Iório. Uma rosa de prata também formosa, oferecida em condições muito significativas pela Sra. Laurentina Paradinha. Um anel de pérola, um outro anel de ouro, uma pena de ouro, oferecidos por anônimos; um crucifixo de madrepérola, com indulgências da Via Sacra, oferecido também por um anônimo. Flores que vieram de tais latitudes, que umas são do Ceará, e outras são de Buenos Aires. Esta foi a amplitude do raio de ação das graças de Nossa Senhora neste oratório.

Uma palavra sobre o ódio. O amor e o ódio se acompanham como a luz e a sombra. E onde há muito amor há muito ódio. Nas horas caladas da noite, por vezes passavam automóveis com pessoas gritando ultrajes. Pessoas confortavelmente situadas na vida, em carros de luxo, blasfemando contra a ordem de coisas cujas vantagens elas fruem. Passavam automóveis fazendo um barulho estrepitoso, para indicar rancor e protesto, apóstolos sinistros da cacofonia, aos pés de um oratório em que todas as harmonias se reúnem. Mas tudo isso passou e, ó minha Mãe Santíssima, ó Virgem da Conceição, uma coisa só ficou, e esta coisa é a firme vontade vossa de continuar neste oratório a dispensar torrentes de graças para todos aqueles que aqui acorrem.

É preciso lembrar mais uma vez as intenções pelas quais este mês de vigílias foi feito; é preciso lembrar que os jovens da TFP rezaram e que nós daqui a pouco rezaremos ainda nesta hora derradeira deste mês de vigílias:

Estas são as derradeiras palavras do Presidente do Conselho Nacional da TFP: ó minha Mãe, são as súplicas supremas, o desejo imenso de que sobre todos eles a vossa misericórdia se estenda. Assim seja!" [ Aplausos prolongados ].

 

 Alocução do estudante Valdir Trivelatto

 

"Os militantes da Tradição, Família e Propriedade pedem para dizer uma palavra.

[...] numerosas pessoas permaneceram ainda durante muito tempo junto ao oratório, ajoelhadas na calçada, rezando o terço com os sócios e colaboradores da TFP [...]

Nós, militantes da Tradição, família e Propriedade que durante este mês de maio, diante deste oratório de nossa Senhora da Conceição estivemos ajoelhados todas as noites, não poderíamos permitir que terminasse esta cerimônia sem externar de público nossa alegria e gratidão por tudo o que Nossa Senhora debaixo de nossas vistas realizou. Nós, os militantes, presenciamos o quanto este oratório foi uma torrente de graças no mês de Maria.

Uma senhora entre soluços e com voz suplicante dizia: "Minha Mãe, minha Mãe", e voltando-se para um de nós, continuou: "O Sr. poderia rezar uma Ave Maria por mim? Preciso muito de uma graça". À noite, um caminhão de lixo passa pelo oratório; três lixeiros coletam o lixo das casas. Um deles, inteiramente absorto pela imagem, ainda com o lixo nas mãos, parou a rezar. Somente se deu conta de que o caminhão havia dobrado a esquina da Rua Jaguaribe quando seus dois companheiros voltaram para chamá-lo. Esses são apenas alguns casos entre tantos outros que aqui se sucederam. Um testemunho visual convincente e emocionante, do contentamento popular pelas graças recebidas, é a quantidade de flores aqui depositadas; nenhuma flor sequer foi comprada pela TFP.

É grande a alegria do povo, mas não se pode dizer que nossa alegria seja menor. Que dizer dos benefícios em que redundou para nós a vigília do mês de maio? Nenhum de nós teria palavras para exprimir o que lhe vai na alma. Só podemos dizer que nossa alegria é enorme.

Mas no meio de tanto entusiasmo, no meio de tanta alegria, se mistura uma gota de apreensão. O Dr. Plinio declarou encerradas as vigílias. Fica em nossas almas a sensação angustiante de que o jorro das graças que aqui se vêm difundindo ficará enfraquecido, senão extinto. – Dr. Plinio, eu vos faço uma pergunta, diante do povo, diante de nós mesmos e até diante de Nossa Senhora da Conceição: nós temos o direito de encerrar esta vigília? Dr. Plinio, o Sr. atendeu à sugestão do zelador desta casa, nosso estimado Manoel, montando este oratório; o Sr. aquiesceu aos rogos dos militantes e colaboradores da TFP, concordou em que fizéssemos a vigília no mês de Maria; durante a semana que passou, o Sr. recebeu inúmeros pedidos de núcleos centrais e distritais de sócios e colaboradores da TFP, no sentido de que jamais terminem as vigílias desse oratório. Agora, Dr. Plinio, não é somente o Manoel que vos pede, nem somente os sócios e militantes. Dr. Plinio, os sócios, os militantes, o Manoel e todo o povo, é que vos imploram: não permitais que se encerrem as vigílias diárias no oratório de Nossa Senhora da Conceição!" [ Aplausos prolongados ].

 

Resposta do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira

 

"Quem diz jovens da TFP diz epopéia, diz desinteresse, diz abnegação, diz coragem, diz resolução de enfrentar todos os sacrifícios pela mais nobre das causas. Absolutamente não me espanta um pedido de tal maneira generoso; não me espanta também a verdadeira ovação com que tantas pessoas aqui reunidas, manifestando sua adesão ao pedido que foi feito por um dos nossos militantes, manifestam também o seu desejo de continuar a se associar a estas vigílias. Entretanto, mesmo os mais belos e mais nobres pedidos não podem escapar à análise fria, metódica a atenta da prudência. E, eu vos digo francamente, o pedido vai além do que, ao menos pelo momento e sem maior experiência, parece cabível. Vós, meus caros jovens, apesar de vossa juventude e de vossa fortaleza, tendes uma saúde para proteger, tendes obrigações para cumprir – e as cumpris tão eximiamente – tendes obrigações que verdadeiramente pesam. Não tenho no ânimo a resolução suficiente para declarar perpétua esta vigília, que vossa generosidade jamais quisera encerrar. Entretanto, para não vos frustrar e para dar a Nossa Senhora algo que corresponda à generosidade de vosso ideal, eu anuncio, em nome da TFP a seguinte deliberação: até os primeiros dias de setembro a vigília continuará. [ Aplausos prolongados ].

[...] com os sócios e colaboradores da TFP. Estes compareceram com suas capas rubras e levando um grande número de estandartes.

Mas ela continuará com vistas a um encerramento que – disto estou certo – oferece completa satisfação a vossos mais nobres ideais. Nós não nos podemos esquecer de que o primeiro fato da História brasileira foi a proclamação da Independência. O Brasil independente teve o primeiro momento de sua existência na colina do Ipiranga, em território paulista. Vamos fazer a vigília diária até a noite de 6 para 7 de setembro na colina histórica do Ipiranga, rezando pelo Brasil... [ Aplausos. Ouve-se o brado de campanha da TFP: "Pelo Brasil: Tradição! Família! Propriedade! Tradição! Família! Propriedade! Tradição! Família! Propriedade! – Brasil! Brasil! Brasil!" - Aplausos ]. Alegra-me ouvir de vossos peitos juvenis esse brado "Brasil! Brasil! Brasil!" que tanto se coaduna com o caráter cívico de nossa Sociedade. No Monumento do Ipiranga, na Colina histórica, nós vamos rezar para que o Brasil realize a vocação maravilhosa que lhe foi marcada desde o primeiro dia de sua existência. Com efeito, desde a proclamação da Independência, desde os primeiros tempos da História brasileira, Nossa Senhora da Conceição foi considerada Padroeira do Brasil. Levemos ao Ipiranga a Imagem de Nossa Senhora da Conceição! [ Ouve-se novamente o brado de campanha da TFP. Aplausos prolongados].

Quis a Providência Divina que, neste território imenso onde Ela depositou toda espécie de riquezas, uma riqueza maior do que todas as outras fosse posta. Foi ela trazida pelos nossos ancestrais quando em memoráveis navegações implantaram aqui a Fé Católica Apostólica Romana, fundamento sacrossanto da civilização cristã, de toda ordem verdadeiramente perfeita, de toda ordem verdadeiramente digna do nome de ordem. Esse imenso País, povoado por um povo imenso, tão homogeneamente dotado de uma fé imensa, foi constituído para a imensidade dos grandes ideais. Proclamemos esses ideais, proclamemo-los não de pé, mas de joelhos, na colina histórica do Ipiranga, pedindo a Nossa Senhora que o Brasil realize a favor da civilização cristã tudo aquilo que estava nas vias da Providência, nas intenções da Providência que ele realizasse, quando a voz de D. Pedro I bradou: "Independência ou morte!", e do alto do Céu, Vós minha Mãe, destes ao Brasil novo o vosso primeiro sorriso materno. [ Aplausos prolongados ].

Harmoniosamente coexistentes com as nações da América Latina, formamos o bloco do futuro, o bloco imenso de nações sempre fiéis – com fraquezas talvez, que Nossa Senhora perdoará, porque Ela é Mãe de toda a misericórdia – formamos o bloco imenso que, estou certo disso, será, para a glória da civilização cristã, a grande potência do século XXI. É carregando os tesouros da tradição do passado e com olhos voltados no futuro, com o coração dilatado por toda a América Latina, que nós rezaremos para que se realizem os desígnios de Maria Santíssima, da Imaculada Conceição, nesta terra que d’Ela foi desde o primeiro momento em que começou a existir! Tenho Dito". [ Aplausos prolongados. Ouve-se o brado de campanha da TFP. Novos aplausos ].

 

Nossa Senhora sorria

 

Em nosso último número referimos alguns dos fatos mais significativos ocorridos junto ao oratório da TFP, durante as vigílias de orações que a entidade levou ali a efeito no mês de maio. Em seu artigo semanal para um matutino paulista, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira apresentou o registro de mais alguns desses casos. Transcrevemo-lo para conhecimento dos leitores:

 

  • "A prece do lixeiro. Passa um carro de lixo. Dele salta um jovem coletor, recolhe o lixo e se dirige de volta ao carro. Em frente ao oratório, olha e se detém enlevado, com a lata cheia em uma das mãos. Reza. O carro de lixo, enquanto isto, vai descendo. De longe, os companheiros o chamam aos brados. Ele interrompe a prece, cumprimenta com afeto os jovens da TFP, e desata na corrida, até alcançar o carro. Do alto do Céu, a Rainha Imaculada sorri enternecida.

  • Também o engraxate. É um menino. Traz às costas sua caixa de trabalho. Recolhe-se em silêncio, oferece à virgem o que lhe vai na alma. Ao sair, oscula uma das flores do oratório. E ela do alto do Céu, também sorri...

  • O entregadorzinho se recolhe. Chega com o carrinho trazendo mercadoria a distribuir. Pára e reza. Tão recolhido está que uma senhora, a qual também rezava diante do oratório, comovida, lhe afaga a cabeça. Ele abre um instante os olhos, e os fecha de novo. O recolhimento continua. Nossa Senhora, do alto do Céu, sorri...

  • Passa a rádio-patrulha, dois guardas se descobrem dentro do carro, rezam rapidamente, e continuam em sua arriscada e nobre faina. E Nossa Senhora sorri.

  • Reza a TV. Atores de uma TV fazem uma novena. Todos os dias trazem dois botões de rosas. E Nossa Senhora também sorri.

  • Uma Rolls Royce imponente também pára. Dela desce uma senhora distinta e coloca um botão de rosa no vaso de flores. Depois desfia com piedade as contas de seu terço. Nossa Senhora sorri.

  • Galaxies, Impalas, outros carros de categoria também param, e deles descem os abastados ou os ricos. Vêm dizer à Virgem as aflições que não faltam nem a pobres nem a ricos. Rezam. E a Mãe de Deus sorri...

  • Os aflitos, sim, os especialmente aflitos fazem preces que são, mais do que gemidos, verdadeiros gritos de dor. Menciono apenas o de uma mãe: "Nossa Senhora, que eu veja meu filho!" Quanto de aflição estas simples palavras exprimem! Outra senhora chora. Depois volta-se para os militantes e lhes diz: "Como é bom ver rapazes rezando assim. Isso reforça minha Fé." Seria intérmino narrar todos os fatos congêneres ali ocorridos. O certo, pois a Fé no-lo ensina, é que, para cada uma destas lágrimas, Nossa Senhora tem um maternal sorriso de compaixão.

  • Ouro, incenso e mirra, foi o que trouxeram os Reis Magos para o Menino Deus. Também os dons não faltaram junto ao oratório. Uma coroa de ouro em filigrana. Uma auréola em metal prateado. Três flores de prata. Mais um ramo de prata com duas flores do mesmo metal. Dois anéis. Uma pena de ouro. Um terço de prata. Tudo exprimindo amor, reverência, esperança e contrição: isto é, as disposições de alma que o ouro, o incenso e a mirra simbolizam. Como não haveria de sorrir a isto a Virgem?

  • O comentário do Iscariotes. Judas rosnou. Como na ocasião em que protestou contra a Madalena, que derramava perfumes sobre os pés divinos: "O dinheiro gasto com isto não seria preferível que fosse dado em esmolas?" Mas ninguém, junto ao oratório, deu atenção ao murmúrio soez.

  • Os Anjos cantam. Sim. Os anjos cantaram e a Virgem sorriu com ternura particular quando Sacerdotes e Religiosas se acercaram do oratório para rezar. E especialmente quando uma Religiosa ofereceu uma rosa dourada para reparar o insulto que fizera outra Freira, esta do gênero "prá frente" e "no vento". Ou quando outra Religiosa ofereceu o resplendor de que falei. E quando, enfim, em um delicado gesto de Mãe, uma Religiosa nos ofereceu dois genuflexórios bem estofados para mitigar o cansaço dos nossos jovens durante a vigília. Quem será capaz de exprimir o sorriso especialíssimo da Virgem para as almas eleitas que se consagraram a seu Divino Filho, e se mantêm fiéis à sua consagração?

  • Os "corajosos". A coragem do ímpio é fanfarrônica e covarde. Por vezes passavam pessoas de automóvel, acelerando o motor justamente diante do oratório, a fim de produzir barulho. Uma delas estourou junto ao povo um projétil junino de grande estampido. Outra atirou no meio do povo uma bomba junina, das de maior potência, que felizmente não atingiu o alvo e explodiu uns metros adiante. Algumas davam em coro gargalhadas estrepitosas. Outras gritavam blasfêmias ou ultrajes. É fácil ter coragem assim quando se passa em alta velocidade. O povo chama este tipo de "coragem", de covardia. Mas ninguém — nem povo, nem sócios ou militantes da TFP — dava atenção. Continuavam todos a rezar. E Nossa Senhora sorria a este sobranceiro e cavalheiresco desdém".

 

"Folha de S. Paulo", 14.6.1970