À
procura de almas com alma
Excertos do pensamento de
Plinio Corrêa de Oliveira
recolhidos por
SEGUNDA SÉRIE
Edições Brasil de Amanhã
São Paulo, 1998
Seleção, apresentação e notas:
Revisão:
Francisco Leôncio Cerqueira
Helio Dias Viana
Edições Brasil de Amanhã
Rua Javaés 681 – CEP
01130-010
São Paulo – SP
Impressão:
Artpress Indústria Gráfica e
Editora Ltda.
Rua Javaés 681 – CEP
01130-010
São Paulo – SP
* * *
[Texto da contra-capa]
“Estou sozinho dentro
de uma multidão”. É assim que muitos têm
resumido seu próprio drama, ao se sentirem envolvidos e torturados pelas estridências do mundo moderno, em particular nas grandes
cidades. O fato era profundamente deplorado pelo Prof.
Plinio Corrêa de Oliveira.
Mas, como deve ser o convívio ideal? É
a pergunta que surge espontaneamente.
Incomparável psicólogo e mestre da boa
conversa, o ilustre líder católico nos dá a resposta. Arguto conhecedor das
psicologias individuais, ele via as relações humanas como uma espécie de
música, na qual cada pessoa entrava com seu timbre, suas melodias e sua
vitalidade.
Neste volume encontrará o Leitor o que
procura, na forma de comentários nascidos da fina observação feita por uma alma
com alma e dirigida a pessoas de escol. Pois, como dizia o Prof.
Plinio Corrêa de Oliveira, “por mais bonita que seja a natureza, todas as
suas belezas são menos belas do que a alma humana”. [fim do texto da
contra-capa]
* * *
Ao Leitor
“Estou sozinho dentro de
uma multidão". É assim que muitos têm resumido seu próprio drama, ao se
sentirem devorados pelas estridências do mundo
moderno, em particular nas grandes cidades.
As relações
humanas foram dulçurosas e sentimentais no século
passado. Depois, tornaram-se metálicas e secas, pois o egoísmo-a-dois do
sentimentalismo foi substituído por um feroz egoísmo-individualista que se
resume em dois itens: utilidades e sensualidade. E nisto estamos.
Em
conseqüência, há cada vez menos pessoas na face da Terra capazes de entender,
por exemplo, a obra-prima da Criação que é um simples olhar humano. E outros
elementos que dignificam o convívio, como uma amizade elevada e uma conversa distinta e entretida.
*
Este
estado de coisas era profundamente deplorado pelo Prof.
Plinio Corrêa de Oliveira. Incomparável mestre da boa conversa, ele via nas relações
humanas uma espécie de música, na qual cada pessoa entra com seu ônus, seu
timbre e suas melodias.
Como dizia o
ilustre líder católico, “por mais bonita que seja a natureza, todas as suas
belezas são menos belas que a alma humana”.
Da mútua
admiração deve brotar o respeito, e de ambos, um teor de relações
verdadeiramente harmônico e cristão.
Ao mesmo
tempo, o senso da realidade deve levar à análise meticulosa da maldade humana,
pois quem ama, detesta, e é impossível admirar verdadeiramente, sem abominar o
contrário do que se admira.
*
Esta
interessante concepção das coisas é a que o Leitor encontrará em todas as
páginas da presente obra, parte integrante da coleção “Canticum
Novum”.
A figura
legendária que foi a de Plinio Corrêa de Oliveira, pensador com obras
traduzidas para as principais línguas do planeta, homem de ação com irradiação
nos cinco continentes, mostra neste livro seus dotes de psicólogo penetrante.
Ele, que
tantas vezes, através de uma simples fotografia, adivinhava os meandros da alma
de alguém, neste livro comenta para os leitores o semblante enrugado mas expressivo de uma velha, o sorriso anônimo mas
representativo de uma criança, e assim por diante.
Como fecho,
foram selecionados textos em que enuncia ele uma
teoria palpitante de vida e de verdade sobre o convívio e a sociedade humana: é
a música das almas.
*
Cumpre
advertir que a palavra almas, que figura no
título da obra e é muito encontradiça em toda sua extensão, não deve levar a
pensar que se está diante de um livro de pensamentos exclusiva ou principalmente
de teor espiritual ou moral. A tônica principal do livro é dada por seu aspecto
simbólico. Ou seja, os homens são analisados em sua possibilidade de simbolizar
realidades mais altas, individualmente ou em conjuntos. O que ficará mais claro
ao longo da leitura.
Leitores de “O
Universo é uma Catedral”, em número expressivo, viram na maneira com que neste
livro foram selecionados e apresentados os pensamentos do Prof.
Plinio Corrêa de Oliveira certo flou, ao modo do estilo impressionista
de pintura, no qual uma imprecisão propositada convida o observador a que entre
com sua parte e complete a criação artística.
Há
sem dúvida algo de verdadeiro nessa apreciação.
Embora
o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira tenha escrito
tratados como por exemplo “Revolução e Contra-Revolução” e “Reforma Agrária —
Questão de Consciência”, merecidamente célebres por seu estilo solidamente
travado, por sua penetração e sua lógica de ferro, não nos parece que ele
consideraria o qualificativo de impressionista como depreciativo para sua
maneira de conversar, arte na qual era mestre e da qual nos dá preciosas
achegas neste volume. Pois mesmo quando escrevia livros ou artigos, o Prof. Plinio conversava. E neste livro procuramos, sempre
que possível, fazê-lo conversar com quem lê.
Por
isso, se o leitor, agradavelmente envolvido nessa boa prosa, em vez de ler o
livro como em ordem de batalha, se puser a flanar ao
sabor das cintilações que de cá e de lá reluzem, não serão os organizadores que
lhe atirarão a primeira pedra.
O próximo volume desta coleção “Canticum Novum” vai abordar o tema da luta. Fica no presente livro
assentado um indispensável pressuposto para a verdadeira combatividade, que é o
espírito de apostolado, pois o verdadeiro espírito de luta nasce do amor.
Dedicamos este despretensioso trabalho a Nossa
Senhora, “alma com alma” por excelência e mãe especialmente afetuosa de todas
as almas sedentas de admirar, augurando que, com Sua elevada proteção, nada
possam contra os livros desta coleção as tristemente célebres “patrulhas
ideológicas”, nem seus inteligentes e eficientes sucedâneos, as patrulhas anti-ideológicas,
geralmente a serviço de ideologias que não ousam dizer seu nome, e que assolam e monopolizam o mundo globalizado
de hoje em dia.
* * *
Advertência
Se o Prof. Plinio Corrêa de
Oliveira estivesse entre nós, com certeza ordenaria que se colocasse explícita
menção a sua enlevada disposição de retificar qualquer discrepância em relação
ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar com suas próprias
palavras, como homenagem a tão belo e constante estado
de espírito do Autor dos pensamentos contidos neste livro, cuja ilibada ortodoxia, aliás, nunca foi
contestada por quem quer que seja:
"Católico apostólico romano,
o autor deste texto se submete
com filial ardor ao ensinamento
tradicional da Santa Igreja.
Se, no entanto, por
lapso,
algo nele ocorra que não esteja conforme
àquele ensinamento, desde já e
categoricamente o rejeita".
* * *
Introdução
Analisando
as almas
Do alto
da Cruz, Nosso Senhor disse:
“Sitio” — Tenho sede1.
Ele tinha sede. E todos os intérpretes
concordam em que essa sede não era apenas física, causada pela efusão abundante
de sangue, mas sobretudo a sede das almas, que Ele
tinha.
Ouvimos
também falar de sede em outras passagens do Evangelho. Noutra ocasião Nosso Senhor fala daqueles que
têm fome e sede de justiça. Foi quando
enumerou as bem-aventuranças: “Bem-aventurados os que têm fome e sede de
justiça, porque eles serão saciados”2.
Podemos
dizer, também, que a alma tem sede de Nosso Senhor, como no Salmo: “Assim como
o cervo suspira pelas fontes das águas, assim minha alma suspira por ti, ó Deus”3. É até freqüente, em símbolos
eucarísticos, vermos dois cervos se dessedentando numa fonte. Essa sede é, evidentemente, a que a alma tem
de Deus.
Há três
espécies de sede: a que Deus tem das almas; a que temos de Deus; e a que
devemos ter, uns das almas dos outros.
Todas as
três sedes têm de comum que são apetências, atrações puramente espirituais, de
alma para alma, em que o corpo não interfere; é a alma que deseja uma outra
alma.
Naturalmente,
uma sede inexprimível da parte de Deus, que não precisa de ninguém, que é
perfeito, que Se basta a Si próprio, e que quer condescender em ter sede de
nós; uma sede muito menor — mas nos Santos ardentíssima
— dos homens para
com Deus; e uma sede que o apóstolo tem das almas junto às quais vai fazer
apostolado4.
* * *
Eu
gostava de observar alguns mendigos que havia na Rua Martim Francisco5,
porque, apesar de serem extremamente miseráveis, percebia no fundo dos olhos
deles uma centelha.
E essa
centelha da alma humana no fundo do lodo e da sujeira, continha um particular
elemento de realce.
Se é verdade que o Universo inteiro foi criado para que o homem o
conhecesse e, através dele, subisse a Deus6, a obra-prima do
Universo sensível que temos diante de nós
é o homem.
O
homem contemporâneo não sabe compreender a beleza de uma alma, não sabe
entender quão bela é qualquer alma, a alma do último maltrapilho que se
encontra bêbado na rua.
Em toda
alma humana essa centelha existe, e toda alma, qualquer que seja — desfigurada
pelo pecado original, pelos pecados atuais —, tem pelo menos uma beleza
potencial, que deveríamos saber entender.
Enquanto se ficar em considerações a respeito de
graminha, de florzinha, ou de uma queda d’água majestosa, ou dos pinheiros do
Báltico, estaremos num nível baixo.
Por mais altas que sejam as considerações a que tudo
isso se presta, qualquer alma humana vale ainda mais.
Quem não
é capaz de perceber a beleza espiritual que existe por cima da beleza material,
nada compreendeu do Universo.
É
preciso conhecer o valor de cada alma para ter a noção exata do valor do
Universo7.
Notas:
1. Jo.
XIX, 28.
2. Mt. V, 6.
3. Ps. XLI, 2.
4. Apostolado
é a ação pela qual um católico procura fazer bem a outra pessoa, aconselhando-a
ou ajudando-a na prática da virtude.
5. No bairro de Santa Cecília, São Paulo.
6. Esta é tese central do livro “O Universo é uma Catedral”, o
primeiro desta coleção "Canticum Novum" com pensamentos e frases de Plinio Corrêa de
Oliveira (Artpress, São Paulo, 1997).
7. O texto desta Introdução foi integralmente
extraído das conferências intituladas "A sede de almas", proferidas
pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em 1972, e
publicadas na "Circular aos Sócios e Militantes", ano VII, números
5/6, de 13 de maio de 1972.