Plinio Corrêa de Oliveira

 

Digressões sobre música:

entretenimentos que repousam da rotina

 

"Santo do Dia" – 23 de março 1970

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A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro "Revolução e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de "Catolicismo", em abril de 1959.

 

Jesu dulcis memoria (São Bernardo de Claraval)

 Schola Gregoriana Mediolanensis - Milão - Itália

 

[Ouve-se o canto do Jesu dulcis memoria]

Os senhores tomem essa música que foi cantada. Se os senhores prestarem atenção no canto notarão que há uma analogia entre o falar humano e esse cântico, porque cada nota que é posta aqui é como uma inflexão da voz humana quando o homem afirma alguma coisa.

Quando digo por exemplo: "quando o homem afirma alguma coisa", sem querer eu carreguei na palavra "afirma" para indicar o afirmativo do "afirma". E como eu carreguei no "afirma" eu fui muito rápido no resto, nas palavras "alguma coisa". Porque o "alguma coisa" é vago, é rápido, é uma pincelada apenas no pensamento.

De maneira que no pronunciar a frase, fiz o que todo mundo faz, quer dizer, martelei a voz de acordo com o que me vai no temperamento e na alma a respeito daquilo que estou dizendo.

Ainda agora eu disse: "o que vai no temperamento e na 'alma'”. Quer dizer, é a ênfase do meu pensamento, agora vem o resto: "a respeito daquilo que eu estou dizendo", é a cauda, passa depressa.

Bem, então há um modo de pronunciar as coisas, por onde a pronúncia como que, discretamente, canta o que está sendo dito e o cantar indica o meu estado temperamental e o sabor que eu estou encontrando, bom ou mau, agradável ou repelente, daquilo que eu estou dizendo. Isto é como os homens falam, nós falamos assim.

Essa música é uma música que tem, e em geral todos os cânticos do nosso coro, tanto no cantochão quanto no polifônico, têm isto de próprio: cada nota é uma meditação sobre o sentido da palavra que está sendo dita. É uma tomada de posição piedosa, ora triste, ora alegre, ora afetuosa, ora adorativa, ora reparadora, ora eucarística a respeito daquilo que está sendo dito. E o bonito é acompanhar exatamente assim a música, palavra por palavra.

Essa que foi cantada agora, é uma verdadeira beleza e ela tem todas essas inflexões de que nós acabamos de falar.

* "A música é uma arquitetura de sons"

Porém podemos ver na música uma outra coisa. Nós tomamos a música clássica, por exemplo, e a música é uma magnífica arquitetura de sons. Pode ser comparada, de algum modo, a um prédio com as suas massas distribuídas, suas colunas, seus corpos de edifícios, seus desdobramentos, etc., etc., em que entra uma coisa mais abstrata do que a expressão de um pensamento humano, mas entra uma pura idéia de harmonia. Não sei se eu exprimo bem a segunda concepção.

Eu pergunto, qual dessas é a verdadeira concepção da música e se ambas são verdadeiras, qual a mais alta? Não vou pedir razões a ninguém, eu peço apenas opiniões a título da curiosidade, para esboçar um problema.

(Sr. "X": A mim me parece que as duas são verdadeiras. Mas a mais alta é a que exprime um estado de espírito, porque na outra há, digamos, uma idéia de uma coisa material, enquanto que a outra sempre reflete um estado de espírito, e como o espírito é superior à matéria, essa música é superior.)

Eu ouço, eu não vou opinar; eu ouço, não tem dúvida. Bem, eu queria saber o seguinte: os que acham que é a pura abstração e harmonia, levantem o braço. Deixa ver um pouquinho... um, dois...  Arquitetura musical, a mera arquitetura, como se olha para um palácio, por exemplo. Os que acham isto, levantem o braço..., eram dois.

Bem, os que acham que o aspecto mais alto é a expressão da voz humana, levantem o braço. Deixa eu ver... Bem, eu encontro aqui a oportunidade de dizer uma coisa de passagem, nunca tive ocasião de dizer isto, também não tenho conhecimentos suficientes para me permitir de aprofundar isso.

* Como seria a música ideal?

Anjo tocando trompete

Fra Angélico - Linaioli Tabernacle ( detalhe )

Museo di San Marco, Florence

 

É o seguinte: eu me pergunto se não haveria um estilo de música que reunisse ambas as perfeições, se isso não seria possível. Porque são manifestamente ambas as coisas tão nobres e ambas as coisas tão altas, que um certo sentido da unidade faz a gente desconfiar de que houvesse a possibilidade de reunir as duas coisas numa visualização só.

Mas eu ainda não encontrei uma fórmula e nem sei se isso é possível, eu indico apenas aqui uma idéia para esboçar um pouco aquilo que provavelmente é a musica dos anjos no céu. Porque, que os anjos tem uma música no céu, se bem que não seja a música material, isto é positivo.

Que esta música tem que ter uma arquitetura sonora magnífica é fora de dúvida; que tem que ser a expressão da alma deles, é fora de dúvida. Haverá dentro do homem a possibilidade de uma música assim? Com as limitações do homem, para a criatura humana, haverá a possibilidade de uma música assim?

Eu também não sei, mas é uma coisa que se pode cogitar, a respeito da qual se pode cogitar. Eu vejo vários dos senhores sorrirem um pouco quando eu falo isto, entretidos com a idéia. Exatamente estas são as coisas que valem a pena a gente ter como entretenimento, quando a rotina está maçante. (risos)

É pensar a respeito de problemas desses. Os senhores não calculam como isto é agradável; há outras formas de a gente se entreter [que não as que o mundo nos apresenta]!

* A leveza de Viena e a música universal das esferas de cristal de Platão

Eu estou - talvez esta semana eu ainda faça isto, na Semana Santa não é conveniente, mas depois da Semana Santa - para trazer aos senhores o livro a respeito de Viena no tempo de Metternich, e de como eram os entretenimentos da cidade mais leve do mundo - talvez mais leve do que Paris -, para compreenderem o quanto havia de inocente nesses entretenimentos e o quanto eles deixavam a alma leve.

Exatamente um certo cultivo da leveza de alma vai bem para quebrar esses estados um pouco depressivos a que o homem contemporâneo pode estar sujeito.

Sobre a música digo só mais uma coisa: Platão imaginava - já disse isso aqui - os corpos celestes como esferas de cristal, girando umas sobre as outras eternamente. E ele tinha a idéia de que cada uma dessas esferas produzia um som e que esses sons todos se encontravam no Universo, produzindo uma música universal que era resultante dos movimentos do universo.

Não sei se os senhores vêem quanta coisa esse homem colocou dentro disso. Esferas de cristal que giram já é uma verdadeira beleza. O som que se depreende dessas esferas, som correlato com a cor desses cristais, com a densidade desses cristais, com a rotação desses cristais, uma policromia que dá ao mesmo tempo uma polifonia, ou uma harmonia: que coisa bonita!

Esta música não exprime o sentir do homem, é uma pura arquitetura universal, quase que uma meditação filosófica sonora, mas que produz no homem um reflexo humano. Então se poderia imaginar um ponto de encontro que seria a expressão da reação humana diante dessa harmonia universal, musicá-la, por exemplo. Quem sabe se não haveria um ponto de encontro para isso, alguém com um talento musical para compor isto.

Bem, é com coisas dessas que, quando a vida está muito pesada, a gente corta e pensa um pouco no céu. Porque como ficam estúpidas essas lindíssimas esferas de cristal, quando a gente tem anjos, espíritos perfeitíssimos, puríssimos, virtuosíssimos, fidelíssimos, continuamente contemplando a Deus, vendo em Deus coisas sempre as mesmas e sempre novas, e exclamando em tons sonoros o seu sentir. É uma coisa maravilhosa.

De vez em quando uma meditação sobre o céu alivia um pouco a vida e [a leva] toda para a frente. Não sei se dou a entender um pouco como é o repouso ultramontano.


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