"Folha de S. Paulo", 27 de novembro de 1976

Imensa Orfandade sobre o Brasil

E’ bem verdade o que, em entrevista a um jornal do Pará, disse o pe. Maboni sobre o sentido subversivo da orientação, recebida de seu bispo, D. Estevão Cardoso de Avelar, e da cúpula da CNBB?

O problema interessa, sem dúvida, à defesa dos direitos, reais ou não (exprimo-me assim porque não dispus de um só minuto para estudar o mérito do rumoroso caso), dos ocupantes das terras da região em litígio. — Mas, interessa só a eles?

Para a quase totalidade dos brasileiros, o ponto mais vivo, o que mais imediatamente se relaciona com sua existência cotidiana, está em saber se o bispo de Conceição do Araguaia e a própria cúpula da CNBB têm realmente tendências, idéias ou atividades esquerdistas e subversivas. Os brasileiros, que na imensa maioria dos casos rejeitam formalmente o comunismo - se sentem ameaçados em uma segurança inestimável, que fazem questão de ter continuamente ao seu alcance. É a certeza de poder, a qualquer momento, ajoelharem-se junto a qualquer confessionário e exporem a qualquer padre, sem reservas nem restrições, todos os problemas que lhes atormentam a alma.

Se um certo número de missionários do Pará, os bispos sob cuja égide trabalham, e a própria cúpula da CNBB estão infiltrados de comunismo, uma dúvida assalta no mais fundo todo católico desejoso de abrir sua alma a um sacerdote, se por, miséria humana as condições da Igreja hoje são tais que comunistas ou comunistóides podem ser ordenados padres, ou padres podem ser pervertidos pela doutrina comunista, e um ou outro pode ser mandado para "evangelizar" não sei que pobres colonos em não sei que rincões deste imenso Brasil... qual a garantia de que o sacerdote da igreja mais próxima, a quem quero abrir-me, não seja um subversivo também?

Aquele que é, talvez, o mais sagrado dos direitos do católico, isto é, o de confiar no sacerdote a quem acusa suas faltas ou pede um conselho, esse direito fica dessa maneira lesado.

Por mais que eu me condoa das injustiças eventualmente sofridas pelos colonos de Conceição do Araguaia, uma coisa é bem certa. Condói-me incomparavelmente mais a situação de alma dos milhões de católicos brasileiros assim lesados. Primeiro, porque os bens do Céu e da alma valem mais do que os do corpo e da vida terrena. Em segundo lugar, porque o número de brasileiros lesados em seus direitos espirituais é incomparavelmente maior que o dos pobres e simpáticos patrícios nossos da prelazia de Conceição do Araguaia, possivelmente lesados em seus direitos a bens materiais.

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— Mas — redargüir-me-á pressuroso algum leitor progressista — a culpa dessa desconfiança em relação a sacerdotes progressistas ou comunistas cabe sobretudo às autoridades militares ou policiais que os denunciam, e aos senhores da TFP, como a outros católicos, que continuamente estão a apontar, aqui e ali, sintomas de subversão nas fileiras eclesiásticas. Se tantos acusadores se calassem, Dr. Plinio, o público ignoraria a subversão no Clero, e se confessaria tranqüilamente a qualquer padre.

É — responderíamos. O público confiaria em todo e qualquer padre. Inclusive nos que são comunistas ou criptocomunistas. E sorveria assim, a largos haustos, o veneno que estes difundem sempre que podem.

Segundo o nosso objetante, o remédio para o mal não consiste em prevenir contra ele o público, e em bradar aos responsáveis para que o erradiquem. Consiste simplesmente em escondê-lo. Ainda que com a certeza de que ele assim propagará impunemente...

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A grande responsabilidade pela terrível insegurança espiritual que o comunismo, e pior que ele, o criptocomunismo religioso vai espalhando pelo Brasil, é precisamente a grande maioria das autoridades eclesiásticas.

Com efeito, ou o comunismo existe nas fileiras do Clero, nas obras e associações católicas, ou não existe.

Se existe, por que tantos bispos — entre outros, ainda há meses atrás, o cardeal D. Scherer, arcebispo de Porto Alegre — timbram em dizer que não há comunismo no Clero brasileiro? Por que tantos outros ficam calados, diante do incêndio esquerdista que aos olhos de todos os fiéis vai ganhando aqui e acolá o vasto e venerável edifício eclesiástico? como explicará a História a ausência de qualquer investigação, de qualquer punição canônica eficaz contra os culpados?

Se, pelo contrário, o incêndio é irreal, e são alguns intrigantes que caluniam tantos eclesiásticos aos olhos do povo de Deus, por que razão os que sofrem esta injustiça não defendem a própria reputação, não exigem as provas do que acerca deles se afirma, e não pulverizam as calúnias que estariam a sofrer?

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Volto ao caso. No Pará, um obscuro pe. Maboni acusa seu bispo de tê-lo induzido a atividades subversivas. Eis que no Brasil inteiro os filamentos da contextura progressista se contorcem de indignação. "Não pode ser" — zumbe ou exclama a furiosa grei. "É absurdo que um bispo seja comunista. O depoimento do pe. Maboni só tem uma explicação. O sacerdote está sendo torturado"...

Se causa tanto incômodo à grei progressista que se diga que o bispo do pe. Maboni, e por cima dele a cúpula da CNBB, é criptocomunista, então deve causar-lhe um incomodo ainda maior um livro que está circulando em todo o Brasil e cuja tiragem já anda pelos 35 mil exemplares. Transcreve ele poesias escandalosamente pró-comunistas de outro bispo, d. Pedro Casaldáliga, prelado de São Félix no Araguaia. Entretanto, por que essa acusação superdocumentada circula no silêncio geral da grei progressista, que finge não ter dela tido conhecimento?

O mesmo livro transcreve um documento em que a Regional Sul II da CNBB, constituída por bispos paranaenses, já antevê a tomada do Brasil pelos comunistas, e recomenda a seus colegas a capitulação e até a colaboração com o invasor. O que é o modesto pe. Maboni em comparação com um órgão episcopal da importância da Regional Sul II da CNBB? E por que, se em todo o Brasil os progressistas estremecem diante das afirmações do pe. Maboni, e formulam contras as autoridades policiais as mais graves acusações, se calam diante do documento mais do que comprometedor daqueles bispos do Paraná?

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Mais ainda. Se se molesta tanto a certos setores católicos que se diga quanto vai longe o incêndio esquerdista na Igreja, por que, sem o menor protesto deles, circula pelo Brasil a "Comunicação Pastoral ao Povo de Deus", emitida pela Comissão Representativa da CNBB, da qual publicamos sábado passado alguns trechos? Não percebem esses círculos progressistas que o Brasil inteiro está traumatizado com o documento?

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Estas são perguntas que o procedimento sinuoso e enigmático de numerosos eclesiásticos esquerdistas ou progressistas necessariamente impõe.

E enquanto assim eles devastam as imensas extensões que Nosso Senhor Jesus Cristo confiou aos seus cuidados pastorais, eles parecem só ter alma e coração para alguns colonos, filhos de Deus por certo, mas enfim alguns colonos que não é razoável tratar como se fossem os únicos filhos de Deus deste imenso País.

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Não se espantem, Srs. cardeais, Srs. arcebispos, Srs. bispos, monsenhores, Srs. cônegos e Srs. sacerdotes, que se mantêm em silêncio ou em meio silêncio diante de tantas aberrações. Dizemos "meio silêncio" intencionalmente. Depois de ter asseverado, meses atrás, que não existem padres comunistas no Brasil, o cardeal Scherer sai agora a público para afirmar que o panorama brasileiro, como está descrito no recente documento da CNBB, está distorcido. É bem verdade. E aplaudimos o prelado pela coragem da afirmação. Mas por que fica ele nessa meia afirmação? Por que não indaga a causa dessa distorção, que seria impossível sem a ação de eclesiásticos infiltrados?

O provo brasileiro continua a ter Fé. Não porém naqueles que pregam o evangelho de Marx, de Lenine ou de Brejnev. E também não nos que se calam ante a pregação "marxista-cristã".

O Brasil continua católico apostólico romano, como sempre. Mas uma imensa sensação de orfandade espiritual se vai estendendo sobre ele.

Pedimos a Maria Santíssima, Rainha do Brasil, Mãe de todos os brasileiros, que vele por nós, os brasileiros de todas as latitudes. Os colonos, por certo. Mas também os não-colonos...

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RESUMO

I - Aonde conduz a infiltração comunista no Clero

O mais sagrado dos direitos do católico, que é o de confiar no sacerdote a quem acusa suas faltas ou pede um conselho, fica lesado quando se deixa de ter a certeza de que o Padre da Igreja mais próxima não é um subversivo também.

II - É indispensável denunciar essa infiltração

Se os que denunciam essa infiltração se calassem, o público confiaria nos Padres comunistas ou criptocomunistas e sorveria o veneno que estes difundem.

III - Alternativa: existe ou não existe comunismo no Clero?

Se existe, por que não é punido? Se não existe, e as acusações levantadas são falsas, por que não exigem os que estariam sendo assim caluniados, as provas do que acerca deles se afirma?

IV - Olhos aparentemente fechados para uma acusação super-documentada

No livro "A Igreja ante a escalada da ameaça comunista", o Autor apresenta provas irrefutáveis de influência comunista na Hierarquia eclesiástica. Os progressistas fingem não tomar disso conhecimento, mas se contorcem de indignação quando idêntica denúncia é feita por um obscuro Padre detido pelas forças de segurança.

V - O último documento da CNBB traumatizou o Brasil

Os mesmos setores que se molestam com a denúncia de infiltração comunista na Igreja, deixam circular sem protesto a recente "Comunicação Pastoral ao Povo de Deus", da Comissão Representativa da CNBB.

VI - Responsabilidade dos Bispos Silenciosos

Diante desse enorme incêndio esquerdista que lavra nas fileiras do Clero, a grande maioria das autoridades eclesiásticas se mantém em silêncio, ou em meio silêncio.

O Brasil continua católico, mas uma imensa sensação de orfandade espiritual se vai estendendo sobre ele.

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