"Folha de S. Paulo", 26 de dezembro de 1976

Esquerda Católica: Expansões e Silêncios

Em todo colégio, os funcionários encarregados de vigiar e punir são mal vistos pela maioria dos alunos. É que, entre esses, como em todas as coletividades, o grande número é constituído de pessoas medianas. E o mediano, embora habitualmente não transgrida o regulamento, sente em si que, em dada eventualidade, talvez pratique alguma transgressão. De onde ver, nos mantenedores da disciplina, agressores eventuais.

Tal estado de espírito acompanha a pirralhada pela vida a fora. E concorre notavelmente para que considerável — ou considerabilíssimo — número de adultos, principalmente nos grandes centros urbanos, veja com antipatia os mantenedores da lei.

O cel. Erasmo Dias, secretário da Segurança Pública de São Paulo, soube escapar brilhantemente a esta regra. Pela firmeza com que tem agido contra o crime — tanto comum como político — deu ele ao povo a sensação reconfortante de estar sendo protegido com eficácia contra os perigos que a toda hora o espreitam.

Ademais, o cel. Erasmo usa linguagem franca, forte e direta, e uma verve despretensiosa mas autêntica, para se pôr em contato com a população. Não espanta, pois, que ele seja hoje um homem público largamente popular.

E o povo coincide assim com os observadores imparciais que lhe reconhecem os autênticos serviços prestados a São Paulo na direção de sua Secretaria.

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Nada disso foi tomado em consideração pela esquerda católica, na furiosa zoeira publicitária que vem promovendo contra o secretário da Segurança por haver este asseverado que d. Tomás Balduino, bispo de Goiás, e frei Domingos Maia Leite O.P. mantêm contatos suspeitos com subversivos, e por ter publicado uma troca de cartas de ambos os eclesiásticos com sentenciados políticos.

Nunca estive pessoalmente com o cel. Erasmo. Nem conheço suficientemente as múltiplas disposições legais relativas ao sigilo da correspondência de presos políticos. Conheço bem, entretanto, a esquerda católica e suas zoeiras. O que me habilita a fazer uma observação sobre o caso.

Ainda que o cel. Erasmo não tenha tido o direito de publicar tais cartas — e acho improvável que ele não tenha tal direito — faço notar ao leitor a unilateralidade da zoeira.

Esta foi desencadeada em nome dos direitos humanos. Mas procede como se estes direitos fossem só dos subversivos e não dos defensores da lei. Pois não usa, para com o secretário da Segurança, da imparcialidade que empenhadamente reclama — e a justo título — em favor dos acusados de subversão.

Com efeito, a zoeira, se quisesse respeitar os direitos humanos, deveria reconhecer os méritos do cel. Erasmo no próprio momento em que lhe ataca a falta real ou suposta. É o que mandaria a imparcialidade, a que, como todo homem, o cel. Erasmo faz jus. Mas isto falta inteiramente nas declarações e comunicados dos que estão atacando o secretário.

Mais uma vez: parece que, segundo os autores da zoeira, para ser homem é preciso ser subversivo...

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Mas — alegar-se-à — a zanga do d. Tomás Balduino, de frei Domingos e de toda a esquerda católica tem fundamento. Pois o secretário da Segurança tachou ambos os eclesiásticos de pró-comunistas, ou coisa mais ou menos equivalente. Ora, contra tal acusação têm estes o direito, e mais do que isto o dever, de se defenderem.

Estou inteiramente certo de que um eclesiástico acusado de comunismo ou comunistizante tenha o dever de se defender. A esquerda católica é que não me parece igualmente persuadida de tal.

Pois ela parece achar inteiramente natural que d. Pedro Casaldáliga, tão clara e documentadamente por mim visado no livro "A Igreja ante a escalada da ameaça comunista", até agora não se tenha defendido.

Pergunto: por que os mesmos esquerdistas católicos, clérigos ou leigos, que acham tão necessário que d. Tomás Balduino se defenda, consideram perfeitamente supérfluo que se defenda d. Casaldáliga? Pode algum esquerdista católico explicar-me essa contradição?

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E não se diga que o prelado de São Felix do Araguaia não se defendeu por julgar insignificante o acusador. Ainda que ele assim o pense, está muito longe de ser insignificante a acusação...

De mais a mais, não são insignificantes os leitores dos trinta mil exemplares do livro, já vendidos entre nós.

E se tão insignificante é este, por que o cardeal Arns e seus oito bispos auxiliares: d. Ivo Lorscheiter, secretário-geral da CNBB; "L’Osservatore Romano", edição em português; o Secretário Geral da CNBB e a Cúria Metropolitana de Recife publicaram contra ele, açodadamente, comunicados acrimoniosos, se bem que inteiramente vazios de argumentação?

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Esse vazio se nota também no recente comentário da assessoria de imprensa da CNBB. Numa alusão ao livro que recentemente publiquei, o pe. José Dias, assessor da CNBB, procurou um jeito de inocentar d. Casaldáliga. Para isto, recorreu a um grande vulto literário do século XIX. E disse que encontrar comunismo nas poesias de d. Casaldáliga é o mesmo que encontrar pornografia na obra de Castro Alves (cfr. "Folha de S. Paulo", 19-12-76).

Saída fácil. Pois desvia a controvérsia para Castro Alves, de sorte que só depois de demonstrado que há, ou não, imoralidades na obra deste, se pode deduzir — por não sei que estranha analogia — que há comunismo nas poesias de d. Casaldáliga. E enquanto se discutisse Castro Alves, o público iria esquecendo d. Casaldáliga.

Por mim, diria que a simpatia ao comunismo é tão evidente em d. Pedro Casaldáliga, que se auto intitula "monsenhor martelo e foice", quanto a falta de perspicácia o é na assessoria de imprensa da CNBB.

Aliás, não foi só d. Casaldáliga posto em xeque por meu livro, mas também a Regional Sul II da CNBB, do Paraná. Por que dela não fala o assessor de imprensa da CNBB?

E por que o organismo episcopal paranaense não se defende a si próprio, já que, no caso das cartas publicadas pelo cel. Erasmo, considera-se direito e dever dos bispos defenderem-se?