"Folha de S. Paulo", 7 de fevereiro de 1977

O fim dos três "shows"

Encerro hoje a série sobre os três shows que quase levaram o Uruguai à ruína.

Como sabem os leitores, comentei nos dois últimos artigos o livro "Izquierdismo en la Iglesia, "compañero de ruta" del comunismo en la larga aventura de los fracasos y de las metamorfosis", de autoria da comissão de estudos da TFP uruguaia.

No momento em que escrevo, tenho em mãos um expressivo reconhecimento da repercussão alcançada por essa obra. Trata-se de um anúncio da conhecidíssima livraria A. Monteverdi de Montevidéu, apresentando os best-sellers da semana; o de maior saída é uma novela da editora de porte internacional Berlitz; e o segundo é "Izquierdismo en la Iglesia, "companero de ruta" del comunismo".

Limito-me a condensar hoje os fatos narrados pelo livro da TFP uruguaia. Servem eles de fulgurante ilustração dos meus anteriores artigos.

1964 - 1970

Neste período, o tríplice show - eclesiástico, tupamaro e publicitário - prepara o país para que se pronuncie em favor de um regime socialista "avançado", o qual precederia de pouco a implantação oficial do comunismo.

1. Aglutinando intelectuais, publicitários, universitários, estudantes e trabalhadores manuais, todos de esquerda, forma-se uma minoria de propagandistas e agitadores. Objetivam estes: a) persuadir a opinião pública da necessidade urgente das reformas socialistas; b) criar a impressão de que, se os meios suasórios não bastarem, uma onda de atentados conduzirá o país a uma subversão geral, a qual acabará por impor o programa reformista da esquerda. Começa, para este efeito, a agitação terrorista. Nesta se salientam os tupamaros, com suas requintadas técnicas e sua brutalidade debandada.

2. Mons. Parteli - nomeado em 1966, por Paulo VI, arcebispo-coadjutor de Montevidéu - publica em 1967 uma estrondosa carta pastoral, na qual presta inteiro apoio ao reformismo socialista radical.

- Esse documento alcança intensa e crescente repercussão no clero, nas ordens religiosas e nos círculos de leigos estreitamente ligados a atividades apostólicas. Desses meios, elementos sempre mais numerosos vão engrossando as fileiras da esquerda. Esta última aplaude estrepitosamente Mons. Parteli.

Todos estes fatos chocam profundamente a grande massa católica, a qual se vai distanciando, não da prática da religião, mas da grande maioria dos representantes oficiais desta última.

3. Os tupamaros vão enchendo aos poucos todo o país com o estrondo de seus atentados e seqüestros. Por esta forma, tentam desnortear e paralisar a maioria da população.

1970 - 1971

Começam as atividades políticas visando a escolha do sucessor de Pacheco Areco à presidência da República. Em novembro de 1971 se realizarão eleições simultâneas para a escolha do presidente da república, dos membros do senado, da câmara dos deputados e dos "consejales" (vereadores). Alguns fatos mais notáveis marcam esse período.

1. Em setembro de 1970, vence as eleições no Chile uma frente eleitoral de composição ideológica sensivelmente igual à da esquerda reformista uruguaia: socialistas, radicais e grupos políticos demo-cristãos. O restante do eleitorado chileno, que não é comunista, divide os seus votos entre dois candidatos. Vence assim o terceiro candidato, o marxista Salvador Allende. O fato repercute intensamente no Uruguai.

O senador Juan Plablo Terra, figura exponencial da democracia cristã uruguaia, toma a iniciativa da formação de uma Frente Ampla, coligando socialistas, comunistas e pedecistas em torno do general reformado Seregni, marxista confesso. Afim de aumentar o terror, os tupamaros tiram a mascara de "nacionalistas de esquerda" e se proclamam "marxistas-leninistas".

2. Em obediência às reiteradas e formais prescrições da Santa Sé, incontáveis católicos uruguaios se sentem impedidos em consciência de votar no general Seregni. A Conferência Episcopal Uruguaia presta toda ajuda ao candidato marxista, declarando lícito aos católicos votarem a favor da Frente Ampla, a qual indicara Seregni. Considerável número de sacerdotes assume compromisso formal com a Frente Ampla.

Os católicos contrários ao comunismo não se deixam impressionar, e continuam a combater a Frente Ampla.

Das fileiras do episcopado lhe surge então um líder, Mons. Antônio Corso, bispo de Maldonado e Punta del Este, o qual lhes servira de homem símbolo até que, em 1975, apoiara, por sua vez, um documento coletivo dos bispos em que estes pedem a reincorporarão dos esquerdistas derrotados na vida nacional.

3. Os tupamaros, julgando presumivelmente já haverem aterrorizado em grau suficiente a população, procuram, ao que parece, captar simpatias. Por isto, cessam o terrorismo. O Uruguai começa a fruir novamente as delícias da "paz". Durante a campanha eleitoral houve muita agitação sindicalista-universitária. A universidade foi tomada pelos estudantes, etc. Mas sem atentados. Os tupamaros anunciam que tais delícias persistirão se o povo eleger o marxista Seregni. Do contrário, recomeçarão...

É a isto que o reformismo socialista chama "liberdade".

No Chile, o terror levado a efeito pelos "miristas" desempenha papel menor que o dos tupamaros no Uruguai. A similitude do processo de comunistização de ambos os países, máxime quando visto hoje a distância, faz pensar num mesmo plano excogitado e posto em prática por uma mesma misteriosa central.

4. De modo impressionante, os políticos não-comunistas do Uruguai se deixam cindir em duas correntes, como seus congêneres chilenos. Cada corrente tem seus candidatos à presidência da República.

Tudo isso leva a esquerda a esperar, jubilosa, a vitória.

28 DE NOVEMBRO DE 1971

1. ELEIÇÕES. O Uruguai vai às urnas. Frustração imensa das esquerdas. Só 18% dos eleitores votam pelo "camarada" Seregni. Os três colossos que pareciam arrastar atrás de si o Uruguai - o colosso tupamaro, o colosso eclesiástico, o colosso publicitário - deixam ver que suas influências conjugadas não são sequer a raiz quadrada do que o povo imaginava. A manifestação dessas três "grandezas" não foi senão um tríplice show.

2. Derrotado Seregni, sobe ao poder o candidato J. M. Bordaberry. Cumprindo suas ameaças, os tupamaros recrudescem na violência. Já agora, não se apresentando como porta-vozes de uma maioria inconformada, mas de uma minoria despótica e sanguinária.

1972 - 1976

1. Em 1972, o terrorismo atinge seu clímax. Os esquerdistas de todos os matizes continuam a exigir reformas sociais drásticas como condição para fazer cessar a violência.

2. No meio do ano, os militares iniciam categórica reação anti-guerrilheira. Em seis meses, a guerrilha tupamara é virtualmente extinta.

3. Os bispos se colocam, na prática contra a repressão, não lhe fazendo nenhum elogio e lamentando vivamente os excessos que nela apontavam.

4. Em 1973, os últimos focos de agitação - sindical e político - são silenciados pelas forças da lei. O congresso é fechado.

5. Paralelamente, enquanto esses fatos se desenrolam, os dirigentes dos três shows se infiltram nos meios oficiais e iniciam, em torno de Bordaberry, uma ação de bastidores, o presidente se deixa influenciar. E no segundo semestre de 1973 entra numa política de distensão com o comunismo.

Em 1974, Bordaberry chega a suspender as campanhas públicas da TFP. A détente com o comunismo dá sempre em perseguição ao anticomunismo. Dura ela até o fim do governo Bordaberry, em 1976.

A narração da obra da TFP uruguaia termina antes disso. E, portanto, não alcança o grande acontecimento que sobrevêm quando as Forças Armadas, apreensivas a justo título, destituem Bordaberry.