Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

 

 

 

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21 de junho de 1978

Lantejoulas, farândolas, farandoleiros

Há uma visão realista dos EUA, bem como há outra visão folclórica. Sem dúvida, essas visões não se contrastam em todos os pontos. Mas, principalmente, não se identificam em tudo.

A visão folclórica é formada como que de lantejoulas flutuando na superfície das largas avenidas das cidades-babel. Os turistas vêem essas lantejoulas e pensam que toda a realidade norte-americana, até as mais profundas camadas, se espelha autenticamente nelas. Voltando às respectivas pátrias, essa é também a imagem que levam e difundem em torno de si.

Tal imagem, por sua vez, atrai para os EUA especialmente os turistas apreciadores de folclore e lantejoulas. Chegados às cidades-babel da nação americana, põem-se eles a procurar "souvenirs" que levem de volta para seus parentes e amigos. "Souvenirs", bem entendido, que apresentam, com o inevitável exagero turístico, as lantejoulas.

Numa sociedade intensamente comercializada, como é a norte-americana, a procura desperta imediatamente a oferta. Se são as imagens de lantejoulas que os turistas procuram levar para casa, os comerciantes encontram mil modos de lhas vender. E como os turistas procuram sempre o que há de mais característico, os comerciantes emulam entre si para lhes vender o que há de mais exagerado.

O folclore "descola" assim da realidade. Pelo menos em boa parte.

Essa visão folclórica, por ser pitoresca, é altamente publicitária. Ela penetra, pois, pela televisão, pelo rádio e pela imprensa, até os últimos rincões do mundo. E faz supor a incontáveis milhões de ingênuos que tal é, maciça e compactamente, a nação que, por sua riqueza, seu trabalho e sua força, ainda está à testa do mundo.

Na realidade, logo abaixo da camada "lantejoulesca" e aparente da sociedade americana, os aspectos folclóricos vão rareando. E dando lugar a realidades mais sérias, mais consistentes, mais dignas de análise. Tais realidades, o mundo as conhece pouco. E mal.

O presidente Carter, com a sua barulhenta e agitada equipe de secretários, porta-vozes e embaixadores, os quais mutuamente se desdizem e contradizem divertidamente, é uma figura altamente representativa, a meu ver, do moderno folclore norte-americano. Do conjunto em que o presidente se apresenta ao público, não posso omitir nem o seu irmão, que apareceu fantasiado de corpo inteiro de peru, numa festa a fim de fazer propaganda de um produto, nem a sua progenitora, que caiu em ridículo na televisão respondendo a perguntas sobre as peças íntimas que vestia.

É com uma despreocupação hilariante que Carter vai favorecendo todos os inimigos da América do Norte (por exemplo, iniciando uma "abertura" superconcessiva em direção à pequenina Cuba, a qual lhe respondeu primeiro com um sorriso, depois lhe virou as costas, e por fim empregou suas tropas de opereta para mascarar a "guerra de procuração" que a Rússia faz vitoriosamente na África; encetando uma reforma agrária socialista e confiscatória na Califórnia; deixando calmamente o mundo comunista tomar a dianteira em matéria de armamentos; permitindo que role infrene pelos EUA uma onda de degradação moral em que se misturam a criminalidade exacerbada, a homossexualidade insolente e agressiva, a implacável "matança de inocentes", fomentada até o paroxismo pelas organizações pró-aborto; tratando com o maior descaso a larga infiltração de elementos esquerdistas nos vários setores da vida americana. Com este pano de fundo, o presidente cria a impressão de que toda a nação americana assiste a esse folclore com displicência bonachona. Ou seja, com preguiçosa cumplicidade.

Ora, a direção do comunismo internacional é inteligente. E portanto sutil. Diga-se de passagem que o mesmo elogio eu não faria do comunismo brasileiro, míope, carrancudo e desajeitado em tudo que não seja a infiltração comunista em meios católicos.

Mas, como ia dizendo, bem diverso do seu setor brasileiro é o comunismo internacional. É impossível que este não perceba quanto lhe facilita a expansão a fisionomia deformada que assim se atribuiu, pelo mundo a fora, à América do Norte. Pois é forçoso que muitos homens medianos, "ubique terrarum", imaginem que uma nação assim está fadada a ruir. Sobretudo quando contra ela, seu prestígio, sua influência e seus interesses nos quatro continentes, estão inexoravelmente em ação o potencial e a energia disciplinada das nações-quartel, nações-campos-de-trabalho-forçado, nações-cárcere detrás da cortina de ferro.

E a reflexão que nasce inevitavelmente desse contraste é a seguinte: no dia em que o folclórico carnaval norte-americano começar a ruir, as nações livres serão conquistadas pela Rússia antes mesmo de esta dar a investida final no colosso moribundo.

Neste caso, que defesa terão essas nações? Não estará perdida a causa delas, isto é, a nossa causa?

O simples surgir de uma tal reflexão no espírito de um incontável número de ocidentais constitui notável êxito da guerra psicológica revolucionária movida pela Rússia. Pois debilita a já escassa vontade deles, de resistir ao comunismo.

É bem verdade que, de quando em vez, o noticiário sobre a cadência ininterrupta das trágicas facécias do clã Carter é rompido por alguma notícia de jornal sobre indignados protestos de um grupo americano ou outro, contra tudo isto. Mas tais notícias não são suficientes para sustar no grande público universal a impressão de que a farândola americana corre para o abismo, atirando para este, aos pontapés, as nações livres menores que assim a precederão na catástrofe.

Dir-se-á, talvez, que estou lúgubre. Pelo contrário, estou animado e até esperançado. E é para ajudar meus leitores a se libertarem das garras do desânimo em que tudo isto provavelmente vai precipitando tantos deles, que escrevo o presente artigo.

É ele um como que prefácio às fartas informações que pretendo dar-lhes em artigo seguinte sobre a magnífica reação direitista, mas sobretudo centrista, a qual se vai generalizando nos EUA, contra a farândola e os farandoleiros.

Espere o leitor, provavelmente já para a próxima semana, essas informações que tanto me têm alegrado colher da imprensa americana. E que também o alegrarão... desde que não seja comunista, socialista, criptocomunista, inocente-útil, ou qualquer outra coisa do gênero. Desse péssimo gênero do qual há tantas espécies.