Plinio Corrêa de Oliveira

 

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 "Folha de S. Paulo"

 

 

 

12 de fevereiro de 1981  Bookmark and Share

 

Convergência e Guerra Psicológica

Escrevo na manhã de terça-feira. Os matutinos do Brasil e do mundo estão noticiando mais uma mudança de matiz no quadro da situação da Polônia. O êxito dos vários surtos grevistas forçou o PC daquele país a "varrer" o premiê. A Rússia se manifesta apreensiva, descontente... e portanto ameaçadora, em vista da agitação liberalizante no operariado polonês. Toma realce no noticiário o movimento KOR, de contornos anticomunistas mais definidos do que os de Walesa e de "Solidariedade" (o que não é nada, mas absolutamente nada difícil). Há rumores de que os Estados Unidos "endurecerão" sua atitude. Assim, os sintomas – até aqui equívocos – de uma tensão Varsóvia-Moscou, e de uma consequente tensão Moscou-Washington vão ganhando expressão.

Como estará, dentro de alguns dias, esse panorama? Nesta época de feminismo soam como "demodées" as palavras da conhecida peça italiana: "La donna é mobile qual piuma al vento. Muda d’accento e di pensiero." Porém, elas continuam inteiramente atuais para a política.

Com efeito, quão caprichosamente vem mudando o curso dos acontecimentos nos cinco continentes! E até mesmo na potência "ex natura propria" nobre e majestosamente estável, que é a Santa Igreja!

Dentro desse mundo que a todo momento parece entregue ao misterioso processo de autodemolição da Igreja, do qual falou Paulo VI, deste mundo que planeja excessivamente, constrói açodadamente, e verga ao peso das ruínas de quanto vai construindo, há só uma coisa que continua sombriamente fixa rumo à meta maléfica. É o comunismo internacional, o qual nem por um instante deixa de usar toda a sua capacidade, toda a sua argúcia, toda a sua força, toda a sua destreza, a propaganda, o blefe e a chantagem como meios para obter a dominação mundial.

Vejo algum leitor cético objetar-me que a Rússia e seus satélites não têm recursos militares nem econômicos para se opor com êxito ao Ocidente. E que o mundo de além-cortina de ferro está corroído por movimentos de oposição que lhe tolhem qualquer possibilidade de vitória. É provável que tudo isso seja verdade. Mas quem disse ao objetante que é este o terreno no qual se situa o poderio russo? Se no período 1945-1980, o comunismo vem ganhando terreno inexoravelmente, deve-o à mais moderna e eficaz das armas de guerra. Isto é, a guerra psicológica revolucionária. Política da mão estendida, coexistência pacífica, pragmatismo político, inocentes-úteis, queda das barreiras ideológicas, companheiros de viagem, tática do salame, política do pingue-pongue, perigo da hecatombe nuclear, socialismo à iugoslava, neutralidade entre capitalismo e comunismo rumo à convergência entre os dois regimes, "détente", são apenas alguns dos artifícios ou dos "slogans" mais grossos da imensa ofensiva psicológica mundial que a Rússia vem desenvolvendo em um Ocidente abobado, amolecido, inoperante, digamos a palavra: psicodestruído.

Um sintoma dessa psicodestruição: se a Rússia está realmente tão fraca, por que não deixá-la ruir? Se essa nação faminta e débil pratica a agressão, por que dar-lhe créditos, enviar-lhe víveres, industrializá-la... e ao mesmo tempo recuar diante de todas as investidas dela? A conduta inexplicável do Ocidente, acarneiradamente presenciada pelas multidões avassaladas à Propaganda, nos reduz à condição de anões que batem em retirada. A essa postura carente de objetividade e de dignidade, reduziu-nos a guerra psicológica soviética. A força do comunismo talvez não seja tão grande além da cortina de ferro. Aquém dessa cortina ela é imensa, monumental, avassaladora.

Esta é a grande vitória russa. De alma, o Ocidente inteiroliderado, nesta matéria, pela "esquerda católica" - é mais fraco do que a Rússia. Por mais fraca que esta seja.

Tudo isto posto, há também no caso polonês – nascido de fatores internos, entre os quais o fracasso sócio-econômico do comunismo – a nobre obstinação da Polônia em manter sua identidade nacional. Quanto mais a Rússia careça de força militar, tanto mais devemos admitir como provável que ela empregue seus melhores recursos de guerra psicológica revolucionária, como propaganda, falsas cúpulas, adulteração de movimentos autênticos, camuflagem, blefe, confusionismo, intriga etc., para contemporizar com os surtos anticomunistas internos, a fim de dividi-los, miná-los, esgotá-los. Em suma, a fim de fazer com eles o que a Rússia vai fazendo, com tanto êxito, no mundo livre.

Mas os dirigentes do comunismo internacional não seriam eles próprios se, ao mesmo tempo, não aproveitassem todo o caos assim fabricado na Polônia, para dessa maneira atemorizar o Ocidente com o risco de uma hecatombe nuclear.

Dupla manobra, como se vê, de colossal envergadura. Dupla manobra, cuja conexão consiste em uma nova fórmula a ser acrescentada à não pequena lista que acima mencionei. Essa fórmula é: "modelo polonês".

Afirmação ou hipótese de minha parte? Em alguma medida afirmação, em alguma medida hipótese. Pois uma e outra são ingredientes indispensáveis de toda previsão política.

Nestes tristes dias, as pessoas dotadas de faro são muito mais numerosas nas esquerdas do que nas direitas. Assim, se nas esquerdas muita gente já percebeu no que dará a convergência, nas direitas muita gente simpática, respeitável, mas pouco dotada de faro, nada sentiu. Eu talvez trate do assunto algum dia.

Enquanto reflito a respeito, minha atenção se volta também para outros campos. Percorro os jornais estrangeiros à procura de informações sobre um assunto do qual eu gostaria que a imprensa brasileira tratasse muitíssimo mais: a nova direita norte-americana.

Mas isto já é outra conversa.


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