Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Artigos na

 "Folha de S. Paulo"

 

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9 de dezembro de 1973

Cuba

Datada de Los Teques, Venezuela, em 31 de agosto p.p., recebi uma carta de Mons. Eduardo Boza Masvidal, bispo titular de Vinda e ex-auxiliar de Havana. Pus uma involuntária demora na publicação desse interessante documento, de um lado porque o assunto sobre o qual ele versa não é urgente, e de outro lado porque certas matérias, por sua atualidade e importância imediata, me vêm obrigando a delas tratar quase sem interrupção.

A "Folha de São Paulo" de 17 de junho p.p. publicou um artigo meu intitulado "Prelado brilhante pela ausência". Nele tive ocasião de fazer estas merecidas referências a Mons. Boza Masvidal:

"Cruzado Español" é uma conhecida revista católica que se publica em Barcelona. Nela encontrei preciosas declarações de Mons. Eduardo Tomás Boza Masvidal, ex-bispo auxiliar de Havana, atualmente vigário-geral de Los Teques, na Venezuela. Parece-me fundamental transcrevê-las e comentá-las aqui.

"(...) o prelado cubano é uma figura realmente brilhante: brilha pela ausência.

"Nesta asserção não entra a menor ironia. Explico-me.

"Tendo Fidel Castro arrancado a máscara e mostrado seu verdadeiro facies comunista (...) a quase totalidade dos bispos enveredou pelo caminho da (...) vergonhosa e jovial aceitação do regime imposto pelo ditador barbudo. Só um teve a hombridade de resistir frontalmente (...). Por isto o prelado Mons. Boza Masvidal tomou altaneiro o caminho do exílio. Ausente de Cuba, brilha ele aos olhos do mundo pelo próprio fato de sua ausência. É a afirmação de uma inconformidade dignificante e de uma esperança inquebrantável em dias melhores para a Igreja e para Cuba".

A ocasião destes encômios foi uma brilhante carta com a qual o prelado cubano refutou afirmações falsas de Mons. Mendez Arceo – o Helder Câmara mexicano – sobre o regime de Fidel Castro.

Posteriormente, o conceituado órgão "Diário de las Américas", de Miami, traduziu e publicou aquele meu artigo. Por essa via, conheceu-me o Mons. Boza Masvidal. De onde sua carta, que transcrevo na íntegra:

"Estimado irmão em Cristo.

"Enviaram-me o artigo que o sr. escreveu sobre minha pessoa no "Diario de las Américas", de Miami, e quero agradecer-lhe seu benévolo juízo sobre mim.

"Desejo somente esclarecer-lhe dois pontos sobre os quais, segundo penso, gostará de ser informado:

"1) Os bispos de Cuba nos primeiros tempos tiveram uma atitude muito digna e deram a lume duas cartas coletivas muito corajosas, assinadas por todos. Foi só ultimamente que suavizaram sua posição e o único que verdadeiramente se destacou nesse sentido foi o arcebispo de Havana, Mons. Oves, além do encarregado da Nunciatura, Mons. Zacchi, cuja posição o sr. conhece;

"2) Eu não tomei o caminho do exílio, mas fui expulso pela força e de forma violenta, pois do contrário teria permanecido em Cuba, como creio que era de meu dever.

"Oxalá os cristãos saibamos realizar por outros caminhos não marxistas a verdadeira justiça social que nossos povos exigem e nossa fé nos impõe.

"Reiterando-lhe meu agradecimento, fico, seu servidor atencioso".

Por certo, as informações do distinto prelado me interessam, bem como aos meus leitores.

*   *   *

O documento pede alguns rápidos comentários.

Antes de tudo, é de se notar como, com verdadeira figura de linguagem, deixa claro as reservas do bispo cubano com a atitude de seus co-irmãos, ante o regime comunista. Qualifica-o de "muita digna" só "nos primeiros tempos".

Quanto a linha de conduta de Mons. Zacchi, Encarregado da Nunciatura, a linguagem de Mons. Boza Masvidal é discreta, mas não sem firmeza: é a posição "que o sr. conhece".

Entretanto, é com cuidado que o missivista distingue o colaboracionismo arrojado do arcebispo de Havana, Mons. Oves, da conduta menos protuberante dos demais bispos da Ilha.

Mero matiz, é certo. Mas, segundo os franceses, "la verité est dans les nuances" [a verdade está nos matizes].

*   *   *

De minha parte, é de todo o coração que me associo aos votos de Mons. Boza Masvidal, de que por caminhos não marxistas cheguemos à justiça social cristã, que difere per diametrum do marxismo, e só se pode realizar numa sociedade harmoniosamente hierárquica e equilibrada, na qual grandes, médios e pequenos tenham o necessário para uma vida digna, abastada e segura.

É bem este o anelo da esmagadora maioria dos brasileiros, como os fatos o estão a provar a todo momento.

Estou persuadido de que é idêntico o desejo do querido povo irmão de Cuba, e que ele assim se pronunciaria tão logo as nações das três Américas o ajudassem a libertar-se da tirania nefanda que sobre ele pesa.