Plinio Corrêa de Oliveira

 

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 "Folha de S. Paulo"

 

 

 

 

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9 de fevereiro de 1990 

Um comentário atual, uma antiga previsão

Há tempos estou para dizer uma palavra – para os leitores da Folha – sobre o que ocorre na Alemanha, em virtude da derrubada do Muro de Berlim.

Entre as muitas conseqüências do fato, uma, a meu ver, não tem sido suficientemente realçada. Aliás, não se trata tanto de uma conseqüência, como de toda uma concatenação de conseqüências.

Começo por dizer que fui sempre um adversário categórico da ideologia e do regime nazista. Isso, entretanto, jamais me levou a restringir minha admiração profunda pela Alemanha, como pelas diversas nações de estirpe, idioma e cultura alemãs. Se razões me faltassem para isso, bastaria deitar os olhos no que agora se passa.

Terminada a Segunda Guerra Mundial, como resultado dos acordos entre os aliados, a Alemanha ficou arbitrariamente dividida em duas partes. Uma, proibida de refazer sua grandeza militar, foi objeto de uma ocupação que, rotulada ora de um modo ora de outro, até agora não cessou. Mas os vencedores deixaram-lhe liberdade de reconstituir sua grandeza econômica. E eis que esse fragmento de uma Alemanha reduzida assim a dois terços de si mesma refloresceu e se tornou uma potência européia de primeira grandeza.

Com a derrubada do Muro, a garra comunista que reduzia a outra Alemanha a uma deprimente servidão parece amolecer. Rui o Muro e, de um e de outro lado das ruínas, as duas Alemanhas confraternizam num júbilo inexplicável. A Alemanha livre, no esplendor de seu progresso e de sua riqueza, transborda do desejo de ajudar a Alemanha que ainda ontem era escrava. E esta última se soergue da servidão com tanta vitalidade que o amplexo das duas Alemanhas faz estremecer certo gênero de diplomatas, políticos e militares do mundo inteiro.

Isso não é grandeza?

Esse tipo de homens públicos não estremece diante do que verdadeiramente os deveria sobressaltar. Em outros termos, não a Alemanha, mas a Rússia.

Pergunto, com efeito: Gorbatchev, mais a perestroika, mais a derrubada da "cortina de ferro", mais a visita do chefe russo a João Paulo II, e mais o encontro Gorbatchev-Bush nas gloriosas águas de Malta, onde outrora se refletiram as naus dos cruzados, tudo isso não constitui uma colossal manobra de envolvimento do mundo inteiro nas malhas de uma política convergencialista e autogestionária que deixe todos os povos a dois passos do comunismo?

Compulsando a coleção da Folha de S. Paulo, encontro no dia 23 de novembro de 1969 o artigo de um obscuro colaborador. Desse artigo, sobre o qual caiu o pó de 20 anos, destaco as citações abaixo, que deixarão pensativos muitos leitores. Pois elas continuam com toda a atualidade:

“Desde 1949, a Alemanha está dividida em duas (a de Bonn e a de Pankow). É natural que ela aspire a unir-se.

“Daí nascem problemas internacionais. (...) Sendo uma Alemanha neocapitalista e a outra comunista, como fundi-las em um só todo? Mediante uma federação em que cada parte conserve seu regime social e econômico atual? (...) E principalmente (...) há o problema moral: dado que o comunismo é a institucionalização da amoralidade e da imoralidade em todos os campos da atividade humana, será lícito à Alemanha Ocidental ligar-se à Oriental aceitando como fato consumado a bolchevização desta? (...)

“Categórico na afirmação de que é imoral a aceitação do regime comunista de Pankow, parece-me que seria possível derrubar esse regime por um golpe publicitário incruento. Basta que o clamor universal exija, na Alemanha Oriental, eleições livres, precedidas de livre propaganda, tudo sob as vistas de uma comissão internacional. Estou certo de que (...) o regime de Pankow ruiria como um castelo de cartas. (...)

“Por mais simples e direta que seja essa solução, há quem pense em outra. (...) Consistiria na implantação de um regime federativo entre as duas Alemanhas, gradualmente homogeneizadas: a Alemanha Ocidental se bolchevizaria um tanto e a Oriental se ‘capitalizaria’ outro tanto.

“Bem se vê , se isso der certo em escala alemã, poderia ser aplicado em escala européia: uma federação continental, incluindo a Rússia, e, por sua vez, ‘homogeneizada’ (o negrito é deste site, n.d.c.).

“Seria, segundo os simplórios... ou os velhacos, o meio de evitar a guerra.

“O fruto da moralidade é a paz: ‘opus justitiae pax’. (...) Será pela generalização da imoralidade comunista, que a Europa chegará à paz?

“Com a semicomunistização da Alemanha e da Europa, quem lucra velhacamente senão os que querem conduzir a Alemanha e a Europa à comunistização completa?

“Batamos palmas à unificação alemã. Não, porém, por esse processo espúrio...”

O obscuro autor? É quem subscreve hoje o presente artigo.


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