Crônica internacional

 

O "Legionário" n.º 55, 6 de abril de 1930

 

Ao centro da Praça de São Pedro, no Vaticano, ergue-se um monolito monumental que parece desafiar, com seu porte soberbo, a ação dos séculos e das vicissitudes. Este obelisco não é um mero ornamento; mais do que isto, é um símbolo da própria Igreja, que no ponto central do imenso campo da História se ergue monumental, monolítica e altiva, num desafio perene ao tempo e à maldade humana.

Mais uma vez, acaba a Igreja de dominar um vendaval horrível que contra Ela se havia erguido. Referimo-nos, é claro, às perseguições religiosas da Rússia.

Perseguições religiosas, já as sofreu muitas e muitas vezes a Igreja. A perseguição religiosa bolchevista não é a primeira, e está muito longe de ser a última. Sob este ponto de vista, a política religiosa dos soviets nada apresenta de mais inquietador do que a dos demais inimigos da Igreja.

O que, porém, dava à questão um caráter todo particular, é que os russos, ao contrário dos outros adversários do Catolicismo, longe de esconder na mentira a ignomínia de seus crimes, ostentavam coram populo sua perversidade, que eles, em vez de ocultar, legitimavam. A política religiosa russa girava em torno da tese de que era legítimo perseguir os adeptos de um Deus, segundo eles inexistente, pois que qualquer crença é contrária ao comunismo. Ora, poucas vezes, depois dos Calígulas e dos Neros, se tem visto a Igreja em face de perseguidores tão orgulhosos de sua maldade.

Abater o orgulho e destruir a tese bolchevista, eis as tarefas árduas da Igreja. De fato, esta não poderia, de modo algum, consentir que o orgulho do mal, arvorado em princípio, à força de sofismas, fosse ostentado pela Rússia como uma insinuação permanente aos elementos anticlericais das outras nações.

É preciso, por outro lado, que nos lembremos de que o governo soviético, graças à sua política desastrada, a seus princípios nefastos, formou contra si próprio um largo círculo de inimigos. Estes inimigos, poderosos em força moral e bélica, têm todo o interesse em tentar qualquer coisa contra os soviets. No entanto, todos eles se quedam, numa atitude de medo, diante do dragão russo. O poderoso dólar norte-americano, o Império britânico, que se gaba de ter escravizado ao próprio Netuno, o fanatismo patriótico do Japão, trêmulos e silenciosos, tomam perante o bolchevismo a atitude de crianças medrosas que esperam do papai uma terrível reprimenda, por seu enorme crime de serem capitalistas.

Ora, o Vaticano, sem dólares, sem couraçados, sem soldados, estava colocado na dura contingência de lançar à face dos bolchevistas as terríveis censuras que levanta aos céus o sangue por eles derramado. No entanto, o Santo Padre não hesitou. Seu protesto foi altivo, digno e severo. Fez pesar contra seu terrível adversário todo o rigor de sua indignação. Levantou contra si próprio um turbilhão de críticas malévolas. Finalmente venceu, e venceu em toda a linha.

Em primeiro lugar, as seitas contrárias ao Catolicismo lhe prestaram todo o apoio possível. Embora apenas por um instante fugaz, o Santo Padre figurou como o chefe de todo o rebanho, infelizmente insubmisso à sua paternal e benéfica autoridade. Não será esta união um prenúncio de muitas e muitas vitórias da Igreja? Eis uma questão a que só a Misericórdia divina poderá responder. No entretanto, está aí uma vitória indiscutível.

A segunda vitória está na atitude dos próprios bolchevistas, representados por seu governo e por seus defensores na imprensa estrangeira. A princípio, procuraram sustentar que era legítimo perseguir as crenças dos russos. Hoje, bateram em retirada. Já não arvoram como pendão de glória a vergonha de suas baixezas. Já não procuram legitimar o crime; negam-no ou diminuem-lhe as proporções. Mentem, mas já não sofismam. E eis aí a segunda vitória, a mais importante.

A terceira vitória está na frieza das autoridades dos governos do mundo inteiro em relação à atitude do Papa. Afirmava-se que o protesto da Igreja seria o prenúncio de uma campanha do capitalismo contra os russos. O Papa estaria, portanto, industriado pelo capitalismo. No entanto, depois do protesto, o que é que se seguiu? A capitulação dos soviets e um silêncio tímido e incomodado das grandes potências. Onde, pois, o acordo? Onde o suborno? Eis a vitória da verdade sobre a calúnia, da inocência sobre a má-fé, de Deus sobre o demônio. E, ao contemplarmos tantos triunfos em meio de tantos perigos, tanta nobreza moral opondo-se a este mar de decadências que é hoje o mundo, só nos resta exclamar, exultantes: Pleni sunt caeli et terra majestati gloriae tuae.

 

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