Legionário, N.º 225, 3 de janeiro de 1937

Ponto de Honra

Quem, em São Paulo, entende um pouco de geografia humana e conhece a posição privilegiada que o Sr. Paulo Duarte ocupa no planalto das mais elevadas rodas políticas da Capital, não pode deixar de ter atribuído grande significação ao discurso com que S. Ex.a saudou o Professor Fernando de Azevedo, no banquete que a este foi oferecido no Hotel Esplanada.

O Sr. Paulo Duarte é uma das figuras mais salientes do antigo Partido Democrático. Extinto este, passou, com armas e bagagens, para o Partido Constitucionalista.

E, atualmente, desenvolve atuação preponderante, preponderantíssima até segundo dizem, em altos setores da administração.

Suas palavras, portanto, tem certa importância. Principalmente quando se trata de depoimentos a respeito de nossos hábitos e costumes políticos, o Sr. Paulo Duarte pode ser acolhido com autoridade incontestável.

Ora, em um dos tópicos de seu discurso, S. Ex.a confirmou, sem rebuços, a tese que o “Legionário” sustentou em seu último número. Disse o jovem político que, nos arraiais de nossas grandes organizações partidárias, numerosos são os elementos que assistem com um surdo desagrado a intervenção dos católicos na política. Calam-se, disse o Sr. Paulo Duarte, porque não querem desagradar os numerosos eleitores católicos. Chegam, mesmo, a externar uma simpatia pelas coisas da Igreja, que está longe de corresponder a seus sentimentos íntimos. Mas, IN PECTORE, não se desarma seu anticlericalismo.

Em violenta apóstrofe, desafia o ardoroso tribuno os políticos invertebrados, que sorriem à Igreja com os lábios, enquanto os dentes rangem de ódio, a que deitem abaixo a máscara. E a que lancem no rosto dos católicos, enérgica e corajosamente, a luva que Paulo Duarte lhes atirou.

Há muito tempo vem o “Legionário” insistindo sobre a felonia com que certos políticos procuram atrair as boas graças do eleitorado católico: sorrisos à vontade, mas parcimônia absoluta quanto a qualquer medida legislativa verdadeiramente útil à Igreja. Vem agora o Sr. Paulo Duarte, e coloca-se ostensivamente em uma trincheira oposta à nossa.  E, com a insuspeição decorrente de seu gesto franco, desmascara os finórios que querem acender uma vela ao diabo e outra a Deus.

Não pode ter melhor confirmação a tese do “Legionário”.

* * *

Francamente, não deixa de ter suas qualidades o discurso do Sr. Paulo Duarte, ao par de defeitos que foram apontados em nossa seção “Sete dias em Revista”, na última edição.

Uma dessas qualidades, incontestáveis, é a franqueza.

Em diversos tópicos de seu discurso, o Sr. Paulo Duarte investe clara e ostensivamente contra a Igreja. Não faz como muitos que, tramando constantemente contra ela, se manifestam em público através de frases ambíguas e dulçurosas, em que um velho rancor procura ocultar-se atrás de uma mal arquitetada linha de indiferença.

Tanto mais meritória é a franqueza do Sr. Paulo Duarte que, estamos disto certo, ela obriga, em consciência, a duros sacrifícios. É uma questão de pont d'honneur”.

Todos os elementos dirigentes do Partido Constitucionalista tiveram conhecimento de seu discurso. Presente à homenagem, estava até o Sr. Prefeito Fábio Prado.

Ora, o Partido Constitucionalista não quererá, não poderá e não deverá, certamente, permitir que um dos seus soldados invista clara e rudemente contra o programa do Partido. Nesse programa, estão inscritas algumas reivindicações católicas. E o Sr. Paulo Duarte arvorou-se em inimigo de tais reivindicações. A direção do Partido está, pois, na obrigação de expulsar o Sr. Paulo Duarte. E o Sr. Paulo Duarte está na obrigação de pedir demissão do Partido.

Tanto mais é isto certo quanto o Sr. Paulo Duarte não rompeu apenas com o programa do Partido. Rompeu também com o Sr. Armando Salles de Oliveira. No seu discurso de Caçapava, este último manifestou-se francamente favorável à influência “cristã” no Brasil, irradiada sobre a vida doméstica, a vida econômica e a vida política. O Sr. Paulo Duarte é contra essa influência. Logo está em desacordo com o ex-governador do Estado, e com a situação dominante em São Paulo.

Ora, devemos crer, salvo prova em contrário, que o Sr. Paulo Duarte tem demais amor às suas idéias, para não sacrificá-las às suas vantagens. E que o Partido Constitucionalista e seu pró-homem, que é o ex-governador do Estado, tem um amor tão grande ao seu programa que lhe sacrificarão certamente o Sr. Paulo Duarte.

Se o Sr. Paulo Duarte pedir demissão do Partido Constitucionalista, se romper com a situação dominante, se abandonar os cargos que ocupa, etc., etc., terá escrito uma bela página de nossa história política contemporânea.

E S. Ex.a o fará certamente. Porque se não o fizesse, tornaria extraordinariamente fácil a crítica de seus adversários.

Realmente, que lhes diria ele quando o interpelassem sobre as razões de sua permanência no P. C.?