Legionário, N° 277, 2 de janeiro de 1938 

No limiar de 1938

No limiar de 1938, o Estado brasileiro tem abertas diante de si largas perspectivas, e se defronta com uma imensa tarefa a realizar. Colocados na soleira deste ano novo, procuremos divisar, à vista das circunstâncias presentes, o que 1938 nos promete? Que a Providência Divina, que tem desígnios secretos e altíssimos, superiores a todas as previsões humanas, confirme nossas esperanças e dissipe nossos receios.

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Intencionalmente ou não - preferimos crer que não - certos apologistas do atual regime estão criando para ele os mais sérios embaraços. A censura teria largo campo de ação se, ampliando o âmbito de suas atuais preocupações, ela não se limitasse a analisar os artigos ou notícias de caráter francamente hostil ou tendencioso, mas lançasse seus olhos para certos amigos ursos que, sob pretexto de elogiar o atual estado de coisas, criam ou ameaçam criar para ele sérias prevenções em alguns setores da opinião.

Entre outros erros deste estilo, basta-nos apresentar os pseudo-elogios ou os conselhos capciosos que tendem a acentuar a analogia entre o novo Estado brasileiro e o III Reich.

As recentes e solenes afirmações do Santo Padre, que não fizeram senão corroborar a magistral Encíclica “Mit Brennender Sorge” contra o nazismo, tornaram claro e muito claro que há uma incompatibilidade insanável entre a filosofia nazista e a doutrina católica.

Logo, dizer que o Estado novo do Brasil deve adotar os métodos, a mentalidade e até a doutrina estatolátrica do nazismo é afirmar que o Estado brasileiro deve se colocar em oposição à Igreja abrindo uma funda crise religiosa no Brasil.

Se acrescentarmos a isto que os jornalistas que afinam por este diapasão gostam de se dar ares de porta-vozes oficiosos do Governo, teremos reunidos os elementos necessários para criar, aos espíritos desprevenidos contra certas artimanhas jornalísticas, um ambiente de penosa apreensão.

Estamos na obrigação de não crer que tais declarações ou conselhos emanem de outra fonte senão da cabeça dos jornalistas que os subscrevem. Dos discursos oficiais, das entrevistas ou declarações de origem nitidamente governamental, ou das leis até aqui promulgadas, nada se pode inferir que constitua ameaça de uma orientação má do Governo a este respeito.

No limiar de 1938, formulamos os mais positivos, claros e categóricos votos de que o Estado Novo brasileiro seja não apenas diverso, mas exatamente oposto do Estado hitlerista, primando no respeito ao pensamento católico e ao repúdio iniludível de qualquer veleidade de idolatria do Estado, sem prejuízo, é claro, das características próprias a um Estado anti-liberal.

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Uma larga e favorável expectativa se abre para o país no tocante ao comunismo. O Estado Novo está aparelhado de todos os elementos possíveis para conter qualquer infiltração comunista no Brasil. A este respeito, o Chefe da Nação, tão justamente célebre pela complexidade de seus lances políticos, foi a 10 de novembro de uma clareza total. Ele assumiu a plenitude da autoridade, enquanto não se der o plebiscito a que alude a Constituição. E, implícita e deliberadamente, assumiu também a plenitude da responsabilidade em matéria de repressão ao comunismo. Dotado como está de todos os recursos necessários, S. Ex.a assumiu as duras e graves obrigações da posição de campeão do anticomunismo em que se colocou. Estamos, pois, no dever de esperar que em 1938 a repressão anticomunista seja, no Brasil, pertinaz, inflexível, coerente, minuciosa e enérgica como pode e deve ser em um Estado forte. É este o serviço máximo que o Brasil espera do regime. E este serviço, o regime o pode prestar.

Ao par da eliminação deste perigo externo da maior gravidade, os brasileiros também devem esperar em atitude de expectativa simpática a dissolução de todos os partidos políticos estrangeiros, tão favoravelmente iniciada pelo Sr. Chefe de Polícia do Rio Grande do Sul. (...)

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Finalmente, o Brasil espera, para 1938, uma política exterior análoga à que tem seguido até aqui.

É óbvio que os dois grandes blocos políticos em que se divide o mundo contemporâneo procuram arrastar toda a América, e portanto também o Brasil, a uma posição e uma participação ativa em uma eventual guerra mundial.

No cataclisma universal de um conflito, a América precisa ser o refúgio da civilização, o oásis da paz sobre o qual possa apoiar-se a humanidade cambaleante. Qualquer política brasileira só pode ser desenvolvida neste sentido. Para o Brasil, nada de “eixos” nem de “triângulos”. Diz-se que a “América é para os americanos”. Melhor ainda dizer que o Brasil é para os brasileiros e só para eles.

Estas são as esperanças que alimentamos e os votos que formulamos à bondade divina, neste limiar de um ano e de um Estado novos.