Legionário, No 279, 16 de janeiro de 1938 

Vaticano e  Quirinal

Como de costume, as agências telegráficas nos transmitiram relatos contraditórios e muito incompletos da visita que Bispos e Sacerdotes de algumas Dioceses da Itália fizeram ao Sr. Benito Mussolini e em seguida ao Santo Padre Pio XI. Como se já não bastasse essa confusão, nossos diários ainda se empenharam em tornar menos claros os fatos, pelos títulos tendenciosos com que os noticiaram.

Infelizmente, não temos ainda em mãos o texto das notícias e dos comentários publicados pelo “Osservatore Romano”, órgão oficial da Santa Sé, sobre esse assunto de tão capital importância. Não querendo, porém, deixar de orientar nossos leitores a este respeito, vamos comentar tão somente os fatos que, pelo confronto das diversas notícias telegráficas, verificamos serem incontestavelmente verdadeiros. Ninguém ignora que, por ocasião da guerra ítalo-etíope, as nações pertencentes ao chamado bloco democrático estabeleceram um “boycott” econômico contra a Itália a fim de, por essas sanções econômicas, debilitar a ofensiva italiana, facilitando implicitamente a ação defensiva das tropas do Negus.

Quais os motivos por que o Clero Italiano apoiou o Governo na luta contra as sanções?

Reagindo contra esse verdadeiro cerco financeiro, o Sr. Mussolini resolveu organizar a economia italiana de tal forma, que a Itália independesse do auxílio estrangeiro, extraindo tanto quanto possível de seu próprio solo, os recursos necessários à sua subsistência.

Evidentemente, esta nova política econômica do fascismo impunha à população italiana os mais pesados sacrifícios, exigindo que cada cidadão, de livre e expontânea vontade, fizesse sobre a sua própria ração alimentar as restrições necessárias para que a Itália, resistindo ao “boycott” dos seus adversários, pudesse fundar seu Império na Etiópia.

Justa ou injusta a conquista da Etiópia - o Legionário seguindo suas habituais diretrizes não toma posição neste problema - o certo é que todos os italianos dignos desse nome estavam na obrigação de cooperar para a vitória de sua Pátria, uma vez que a responsabilidade moral pela guerra recaía exclusiva e inteiramente sobre o governo italiano e o Negus e nunca sobre os povos que disciplinadamente deviam acorrer ao apelo de um e de outro, a fim de cumprir os deveres impostos pela virtude do patriotismo.

Uma das forças que cooperaram mais eficientemente para facilitar a realização da política econômica graças a qual o Sr. Mussolini conquistou a Etiópia, e graças a cuja continuidade  pretende vencer em uma eventual guerra mundial, foi o clero italiano que pregou ardentemente o dever de fazer todos os sacrifícios individuais que o bem da Pátria exigisse. Tanto se distinguiu o clero nessa tarefa, que o Sr. Mussolini quis receber em soleníssima audiência em que estivessem presentes Bispos e Sacerdotes, a fim de exprimir ao clero a gratidão do governo italiano.

Em suma, foi isto e só isto, que se passou.

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Que posição tomou o Santo Padre perante a aproximação ítalo-alemã?

Vamos, agora, aos comentários.

Excedeu-se o Clero italiano? Absolutamente não.

O que ele fez, fá-lo-ia o Clero católico de qualquer outro país, em circunstâncias análogas.

Em suma, o que a doutrina católica estabelece é que os cidadãos são obrigados, ainda que mediante pesados sacrifícios individuais, a defender sua pátria em caso de guerra com o estrangeiro. Os Cleros da França, da Alemanha e de todas as demais nações beligerantes, em 1914, não fizeram outra coisa senão isto. E o Clero italiano seguiu esta tradição nobilíssima, quando aconselhou os fiéis a que cumprissem seu dever para com a Pátria.

Durante a audiência realizada no histórico Palácio Veneza, na qual o Sr. Mussolini recebeu os Bispos e Sacerdotes, estes manifestaram seu propósito de continuar a cooperar com o Governo para a defesa externa do País, e, ao mesmo tempo, o orador oficial do Clero, Monsenhor Nogar, relembrou os benefícios do Tratado de Latrão para os católicos e para toda a Nação italiana.

Ainda aí, os Bispos e Sacerdotes presentes não saíram de sua posição. Quanto a cooperar com o Governo para a defesa do País, era um dever de patriotismo. Quanto a relembrar os benefícios do Tratado de Latrão, um dever de cortesia e de lealdade.

Não se suponha, porém, que com isto o Clero italiano tenha dado seu apoio ao regime fascista como tal. Certamente, ele apoia e deve apoiar o regime, enquanto este agir corretamente para com a Igreja. Mas este apoio, ele o dará também a qualquer outro regime que proceda do mesmo modo. Assim, por exemplo, se o Governo à testa do qual está o Sr. Mussolini se transformasse de fascista em democrático, a Igreja nem por isto lhe recusaria sua simpatia, desde que ele agisse bem em matéria religiosa. Porque a Igreja é indiferente a formas de governo, e se preocupa tão somente com a salvação das almas.

O título bastante capcioso com que o “Estado de São Paulo” noticiou o acontecimento – “O Clero Italiano manifesta seu apoio ao regime fascista” - dever ser entendido nos seus devidos termos, para não ser inteiramente falso.

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A atitude da Santa Sé, nesta emergência, foi como de costume, absolutamente perfeita.

Se, para o Clero italiano, lutar contra as sanções era um dever, para a Santa Sé, que não faz a política de nenhum País, mas que é Mãe comum de todos os povos, a mais rigorosa imparcialidade se impunha no caso das sanções. Foi isto que deu a entender a nota do “Osservatore” que declarava não ter tido a Santa Sé conhecimento prévio da manifestação.

Durante essa manifestação, teve o Sr. Benito Mussolini ocasião de fazer declarações  tranquilizadoras quanto às suas intenções em matéria de política-religiosa. O Santo Padre elogiou tais declarações. Mas ao mesmo tempo sublinhou discretamente o contraste entre elas e o gesto do Governo Italiano, que enviou à Alemanha numerosíssimas famílias de camponeses italianos, que ficam assim arriscados a perder a Fé. E mais uma vez pôs implicitamente em dúvida as virtudes cristianizadoras do famoso eixo Roma-Berlim quando renovou a condenação ao nazismo.

É muito de se notar que o Santo Padre aproveitou exatamente essa ocasião para condenar mais uma vez a política religiosa do Sr. Hitler, o qual, como ninguém ignora, foi altamente elogiado pelo Sr. Mussolini na Alemanha, e vai agora visitar a Itália.

Com isto, o Santo Padre observou uma linha de conduta da mais inflexível imparcialidade, elogiando a atuação do Sr. Mussolini no que incontestavelmente tem de bom e fazendo suas reservas formais quanto à Alemanha nazista e aos múltiplos perigos que a aproximação da Itália com esta pode acarretar. Seria impossível agir com mais firme prudência e mais enérgica imparcialidade.