Legionário, No 288, 20 de março de 1938

À margem de um grande crime

Logo depois de ter assaltado a Áustria, o Sr. Hitler decreta a realização de um plebiscito no dia 10 de abril, encarregando de sua organização a um Sr. Burckel, que ficou celebre com a “preparação” do famoso plebiscito do Sarre.

Ora, quando Schuschnigg marcou o plebiscito austríaco, a fim de que a Áustria pudesse manifestar a sua execração por Hitler, os jornais alemães e os círculos nazistas, afirmavam que esse plebiscito era ilegal, alegando:

1) que o prazo de 3 dias era muito curto para a preparação do plebiscito;

2) que era impossível a derrota de Schuschnigg num plebiscito em que votantes declaravam apenas sim ou não;

3) a idade mínima de 22 anos.

Vê-se agora claramente a razão da la censura. Acostumados a preparar os plebiscitos com um mês de antecedência, a fim de que o Sr. Burckel garanta a vitória nazista pela fraude e pela força, como aconteceu no Sarre e nos plebiscitos alemães, o curto prazo para o plebiscito do Sr. Schuschnigg irritava os meios nazistas, porque era uma garantia da sua honestidade.

A segunda razão é simplesmente irrisória. Na Alemanha, desde que Hitler tomou conta do governo, nunca se votou de outra forma, com agravante de que os votantes eram obrigados a dizer sim para evitar a prisão.

A terceira era o resumo desesperado de quem se via perdido, pois não existe país nenhum que não limite a idade dos votantes, sendo esse limite, em geral, de 21 anos ou mais.

Quanto à afirmação nazista de que o Sr. Schuschnigg receava os votos da mocidade em geral simpática ao nazismo, é absurda. A vigorosa reação dos universitários católicos de Viena, que se apoderaram à viva força da Universidade dela expulsando os nazistas, prova o contrário.

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A agencia “Reuter”, alemã, noticiou os preparativos para a recepção de Hitler, de maneira bombástica e dizendo que Viena preparava a mais entusiástica recepção ao “füehrer” alemão.

No entanto, a notícia dos preparativos traiu-se, pois conta que o comércio seria forçado a fechar-se, cessando o trabalho de todas as fábricas a fim de que o povo austríaco pudesse comparecer à chegada de Hitler. É um processo muito vulgar de encher com espectadores ociosos as manifestações para as quais se receia um fracasso.

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Aliás, já que Hitler é tão idolatrado pelo povo austríaco, por que manda ele buscar alemães para os colocar à frente dos principais aparelhamentos administrativos da Áustria?

Assim é que foi encarregado de reorganizar o partido nacional socialista austríaco, único partido na nova ordem de coisas, o mesmo Sr. Burckel, do famoso plebiscito a se realizar, e o chefe pagão da juventude alemã, Sr. Von Schirach, para organizar a Juventude Hitleriana da Áustria. Para a polícia vienense foram chamados de Berlim o Sr. Heinrich Himmler, chefe da famosa e inexorável Gestapo, isto é a polícia do Reich; o Sr. Heydrich, chefe de polícia especial da proteção; o general Daluega, chefe de polícia da ordem e vários outros altos oficiais da polícia alemã.

Além disso, esse homem tão amado do povo austríaco, além de todas essas cautelas, ainda manda esperá-lo em Viena 300 homens para a sua proteção pessoal.

E não se sabe porque a Áustria que, segundo os nazistas, ansiava pela chegada de Hitler, foi invadida por 135.000 soldados alemães.

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Seguindo à risca a sua política de perseguição à Igreja, Hitler entre os seus primeiros atos mandou prender o Arcebispo de Salsburgo, Primaz da Áustria, e de Linz, dissolveu as juventudes católicas, obrigando a seus membros a ingressarem na juventude hitlerista que fundou, entregando a sua direção ao Sr. Von Schirach, que, como dissemos, é ferrenho inimigo do Catolicismo.

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No seu discurso de despedida o Sr. Schuschnigg declarou que cedia ante a força e que o governo alemão havia enviado um ultimatum ao Presidente Miklas.

 A Agência oficial nazista apressou-se a desmentir o Sr. Schuschnigg, afirmando que o governo alemão não enviou nenhum ultimatum à Áustria.

O desenrolar dos acontecimentos veio demonstrar cabalmente a  falta de seriedade das agências oficiais alemãs.

Aliás, o próprio Hitler em sua carta a Mussolini encarrega-se de desmentir-se, quando depois de numerosas inverdades para justificar o seu vandalismo diz:

“Desde anteontem este país caminha cada vez mais para a anarquia. Com a minha responsabilidade de “füehrer” e de chanceler do Reich e como filho desterrado não posso assistir inerte por mais tempo ao desenrolar desses acontecimentos”. O que implica na afirmação de que rompeu a “inércia” e interveio claramente na Áustria. Em que sentido? Impondo ao Sr. Schuschnigg que ficasse? Evidentemente não, mas impondo-lhe que saísse.

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“Se a Divina Providência um dia me chamou desta cidade, para presidir o Reich alemão, então me deve ter também confiado a missão de hoje”.

Quem vê esse trecho isolado não poderia imaginar que tivesse sido pronunciado em Linz por esse perseguidor da Igreja, e  que pretende construir contra Deus uma nova religião.

O fato é que, antigamente, quando o ateísmo era de bom tom para qualquer político de destaque, o simples fato de um homem político pronunciar em discurso o nome de Deus já era uma garantia de sua fé.

Hoje, na época do ateísmo disfarçado, os homens públicos falam freqüentemente em Deus nos discursos, para que depois possam apunhalar mais facilmente pelas costas a sua Igreja.

Sirva-nos isto de lição no Brasil.

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Não comentamos os discursos de Hitler nem a sua carta à Mussolini, pois constituem um tecido de inverdades que nelas ninguém acredita.

Voltaire, se ressuscitasse, teria o desprazer de ver que o nazismo desmentiu a única frase verdadeira que pronunciou: “Mente, mente, que alguma coisa há de ficar”. As mentiras nazistas estão tão desacreditadas que, depois, delas nada fica.

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Os governos de Paris e Londres enviaram “enérgicos” protestos ao governo nazista. Este desprezou-os, não admitindo que potência estrangeira nenhuma relembrasse o seu gesto escandaloso.

A ridícula “energia” desses  protestos encobre na realidade toda a impotência e a covardia cegueira dos atuais dirigentes da França e da Inglaterra, que souberam fornecer recursos aos comunistas espanhóis e entregaram às feras os católicos  austríacos. A nota mais triste desses últimos acontecimentos foi dada pelo Sr. Seyss Inquart.

Traidor da Áustria e de Schuschnigg, ele nem teve sequer um vislumbre de arrependimento. Em Linz, ao receber o Sr. Hitler, teve ainda a suprema coragem de declarar  “chegamos ao início de uma nova era: a era do “füehrer Adolph Hitler”.

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Quase todos os leaders do povo austríaco estão presos. E o governo alemão, com a maior desfaçatez, pretende justificar essas prisões taxando-as de “protetoras”. Eles, porém, não pediram essa “proteção” e, apesar de conhecerem perfeitamente os nazistas, não saíram da Áustria.

Compare-se essa atitude com as medidas de segurança tomadas por Hitler com relação a sua pessoa, e se verá quem representava verdadeiramente a vontade da Áustria.