Legionário, n.º 335, 12 de fevereiro de 1939

TODO O ORBE CATÓLICO CHORA A MORTE DE UM DOS MAIORES PONTÍFICES DA HISTÓRIA

Plinio Corrêa de Oliveira

Quando soube do falecimento do Santo Padre Pio XI, um dos mais insignes sacerdotes desta capital teve a seguinte exclamação: tombou o gigante! Realmente, com o falecimento do Santo Padre, é um gigante que acaba de cair. Não um gigante vulgar, nem mesmo se tomarmos a palavra no sentido intelectual e moral, mas um gigante cuja frente venerável se aureolava com a tríplice coroa da virtude, do saber e da excelsa dignidade a que fora elevado por vontade da Divina Providência.

No sentido naturalista da palavra, nosso século conta outros gigantes, homens de uma excepcional envergadura pessoal, capazes de impor seu domínio a massas inteiras de homens, e exclusivamente pela fascinação de sua presença, e de arrastar os povos para os rumos que predeterminaram. O homem não vale, porém, pela força que tem, e que é um mero dom de Deus. Ele vale pelo uso que faz dessa força. E, enquanto muitos dos gigantes de nosso tempo - aliás não são tantos nem tão autênticos quanto se poderia imaginar - se servem de seus poderes invulgares para arrastar para a guerra, para a paganização e para o abismo, a civilização, Pio XI foi o doce e heróico gigante de Deus, que pôs todos os seus talentos ao serviço da Santa Igreja e, revestido da energia sobrenatural que só a graça confere, embargou resolutamente o passo aos falsos pastores que queriam empunhar a direção do mundo contemporâneo.

No momento em que a Santa Igreja Católica chora o falecimento do grande Pontífice, que realmente tombou na carreira da vida eterna, mas cuja alma santíssima voou para o Céu, onde gozará da presença de Deus, um retrospecto de sua vida se impõe. Esse retrospecto não pode deixar de ser incompleto. Um dos melhores biógrafos de Pio XI, Mons. Fontenelle, já declarou que sua obra é tão vasta que dificilmente poderia ser compendiada. Se isto pensa o autor de um livro, o que se diria de um jornalista, obrigado a se confinar a um espaço muito menor.

Deixando de lado os primeiros capítulos da vida do grande Papa, sua infância em Désio, a pequena cidade onde nasceu e viveu despreocupado e feliz, seus estudos de seminarista, suas atividades como sacerdote, seu interessantíssimo encontro com Dom Bosco, suas atividades intelectuais notáveis na Biblioteca Ambrosiana de Milão, sua Nunciatura na Polônia e sua atuação como Cardeal-Arcebispo de Milão, a parte de sua biografia como Pontífice Romano é tão rica e tão extensa, que seria difícil esboça-la sequer, de modo exato.

A AÇÃO CATÕLICA

Tendo sido elevado à mais alta dignidade que se encontre na terra, Pio XI iniciou imediatamente um trabalho de imensa envergadura.

Seu olhar penetrante, percorrendo o panorama oferecido pelo mundo inteiro, dilacerado por questões econômicas, políticas, sociais, filosóficas e morais, viu com uma nitidez maior do que nunca os povos gemerem sob a opressão de mil sofrimentos diversos, originados todos eles do afastamento da Santa Igreja de Deus. E, certamente, de seu coração paternal, brotou ardente aquela mesma exclamação compassiva do Salvador: "Misereor super turbam!" Tenho pena da multidão! Pena, realmente, porque todas as desgraças contemporâneas faziam sangrar seu coração de Pai. Mas pena, sobretudo, porque o mundo se encontra, hoje, sob o peso da maior das desgraças, que é a ignorância e o desamor de Deus.

Enfrentando pois, imediatamente, os complexos problemas suscitados pela situação hodierna da humanidade, Pio XI começou a grande luta que deveria encher seu Pontificado, luta esta dirigida contra tudo aquilo que pode afastar o homem de Deus, e portanto de sua Igreja.

A Ação Católica foi um dos grandes lances desta luta. Ninguém ignora que o anticlericalismo do século passado ergueu barreiras formidáveis à ação do Clero, de tal maneira que imensos setores sociais foram inteiramente fechados à sua influência, e começaram a rejeitar sistematicamente os Ministros de Deus. Por outro lado, fatores que seriam excessivamente complexo enumerar, determinaram em muitos países um declínio assustador no número das vocações sacerdotais ou religiosas. Por tudo isto, a ação santificadora da Igreja encontrava obstáculos invulgares, que era, a todo o custo, preciso resolver.

As circunstâncias impunham, pois, que os leigos auxiliassem com todas as suas forças o apostolado da Hierarquia eclesiástica, pondo, no cumprimento deste dever, uma dedicação e uma disciplina sobrenaturais, que fossem capazes de produzir os frutos que o Pontífice esperava destas legiões novas.

A Ação Católica foi o meio providencial que Pio XI dispôs para que o apostolado leigo encontrasse a plenitude de sua eficiência. Suas alocuções, discursos e cartas sobre o assunto são empolgantes, e constituem uma das notas mais brilhantes e mais características de seu pontificado.

AS MISSÕES

O olhar de Pio XI não se confinava, porém, ao mundo ocidental corrupto e envelhecido, que vacila sobre suas bases e ameaça ruir. Revestido da dignidade de Pai espiritual de todos os povos, Pio XI sentiu um imenso amor atrair sua solicitude para os selvagens de todas as raças e os incontáveis pagãos que, na África, na Ásia, na Oceania e na América, ainda não tinham visto o "lumem ad revelationem gentium", e não tinham sido, pelo Batismo, introduzidos na vida da graça.

Pio XI, pois, que pelo seu extraordinário zelo pela Ação Católica foi cognominado também o Papa das Missões, pelo impulso extraordinário que comunicou ao movimento missionário.

Convocadas pelo chamado de Pio XI, quase todas as Ordens e Congregações religiosas intensificaram suas atividades missionárias, sendo numerosas aquelas, dentre elas, que, não tendo uma finalidade especificamente missionária, se dedicaram a essa tarefa, graças ao incitamento do Papa. Foi tão ardente esta convocação, que até as Ordens contemplativas se julgaram, com razão, chamadas a um trabalho missionário especialmente intenso. E por isso Trapas, Carmelos e outros cenáculos de penitência e pura contemplação se transferiram para os países de missão, atraindo ali, pela mesma vida contemplativa levada na Europa, as bênçãos de Deus sobre o mundo pagão.

HERÉTICOS E CISMÁTICOS

Durante o pontificado de Pio XI, verificaram-se fatos de grande importância, que transformaram inteiramente o aspecto de diversas questões religiosas.

Um desses fatos foi o comunismo. Acarretando a ruína da velha monarquia dos Romanov, o comunismo reduziu também a frangalhos a Igreja cismática que, lamentavelmente separada de Roma há vários séculos, levava uma vida anêmica e inglória, como todo o sarmento que se destacou do tronco e que só tende a murchar, uma vez que lhe falta a seiva.

Se a Igreja cismática se encontrava em situação verdadeiramente deplorável pela dissolução e indisciplina de seu clero, bem como pelas dissensões íntimas que a corroíam, ela constituía, entretanto, ainda assim um verdadeiro tesouro. De um lado, conservava ela intatos os dogmas e as doutrinas religiosas que tinha quando unida a Roma. Por outro lado, nunca, posteriormente à sua separação, definiu ela qualquer ponto de Fé. Isto posto, pode-se afirmar que toda a sua doutrina era verdadeira, com exceção da parte relativa ao primado de São Pedro. Acresce a isto que ela conservou autêntica e íntegra a ordenação sacerdotal e os outros Sacramentos. Por todos estes motivos, pode-se imaginar o especialíssimo amor votado pela Santa Sé a esses irmãos separados, e seu ardentíssimo desejo de os reunir novamente ao aprisco do verdadeiro Pastor.

Pio XI trabalhou, mais do que qualquer Papa, para aproveitar a desagregação da Igreja cismática e salvar seus filhos, muitos dos quais descambavam para a incredulidade total. E seu pontificado teve, neste sentido, triunfos de um extraordinário alcance. Muito característico é que, com o afã de levar o apostolado até o próprio coração da Rússia comunista, Pio XI tenha organizado um posto de distribuição de víveres às crianças na Rússia, e, depois que o governo soviético fechou estupidamente tal posto, o Santo Padre continuou a acompanhar, a encorajar e a abençoar sempre o apostolado dos sacerdotes católicos que continuam a evangelizar a Rússia clandestinamente, enquanto por toda a parte os persegue a terrível GPU, polícia russa mundialmente famosa por sua eficiência e ferocidade.

Quanto ao protestantismo, sua desagregação se acentua também, e sempre mais, embora por motivos diversos dos que ocorrem com os cismáticos. O protestantismo traz no bojo de seus princípios anárquicos sua própria condenação. Hoje em dia quase todos os protestantes sofrem uma tão forte influência racionalista, que hesitam em confessar que Jesus Cristo é Deus, e outros, mesmo, hesitam em afirmar que existe um Deus pessoal. Por mais que este fato nos escandaliza a nós, brasileiros católicos, é isto que se revelou com uma clareza iniludível na famosa conferência mundial protestante de Upsala.

Por outro lado, os protestantes, acossados pelo comunismo, sentiram claramente que sua religião não lhes fornecia armas doutrinárias nem recursos de organização suficientes para enfrentar o perigo. Em grande número, eles se bandearam para o comunismo. Os que não "defecerunt in via" começaram, então, a olhar para Roma como Arca de Noé, na qual deveriam procurar abrigo para se salvarem do dilúvio contemporâneo.

Compreendendo tudo isto, Pio XI aconselhou uma intensificação extraordinária do apostolado entre os protestantes, do que decorreram imensos progressos religiosos na Inglaterra - para onde agora foi nomeado um delegado apostólico - e nos outros países protestantes. Nos Estados Unidos, os progressos que faz o apostolado católico são visíveis. E até na Suécia, na Dinamarca e na Noruega, onde parecia quase extinta a luz da verdadeira Fé, o catolicismo floresce hoje de modo promissor.

Não é necessário acrescentar que a defecção do protestantismo perante o nazismo, e as vergonhosas lutas intestinas que a esse propósito se manifestaram na Alemanha, fizeram com que os protestantes que realmente lutam contra o paganismo se aproximassem também, cada vez mais, de Roma.

COMUNISMO

Quando ascendeu ao Trono Pontifício, Pio XI assistiu ao fim do processo de dissolução engendrado pelo liberalismo. Em quase todos os países do mundo, contaminados pela propaganda comunista, as esquerdas faziam imensos progressos. Mais do que nunca, a solidariedade dos republicanos, liberais, socialistas e comunistas se averiguava de modo inegável. A grande conjuração destinada a extinguir a civilização católica parecia chegada ao momento decisivo de seu tão almejado triunfo.

Contra esse perigo, Pio XI lutou com forças heróicas e com uma eficiência maior do que de qualquer outra potência neste mundo.

Neste campo, seu trabalho foi duplo. De um lado, por meio de cartas, alocuções e discursos magistrais, mostrou que o abismo entre o catolicismo e o comunismo é absolutamente intransponível, e que um irreconciliável antagonismo nos separa da IIIª Internacional. A isto, acrescente-se que o Papa se opôs formalmente às divagações doentias de certos políticos muito astutos e de certos escritores católicos muito ingênuos, divagações estas das quais decorreria que os católicos e os comunistas poderiam perfeitamente trabalhar lado a lado, na luta contra adversários comuns. Assim, pois, Pio XI esmagou a famosa e dolosa "politique de la main tendue", suprimindo assim todas as estúpidas tentativas de aproximação dos católicos com os comunistas.

Por outro lado, delimitados mais uma vez os campos - já os Pontífices anteriores o haviam feito com clareza, mas a política queria novamente confundi-los - Pio XI ordenou expressa, formal e categoricamente a todos os católicos que combatessem ardentemente o comunismo.

Na cruzada anticomunista pregada por Pio XI, entretanto, há uma característica que, como aliás seria forçoso, a diferencia profundamente de outros movimentos anticomunistas. Pio XI não ordenou apenas que se vociferasse contra o comunismo, mas ainda que, com todo o vigor, se pregasse o catolicismo como único meio de realmente salvar as almas e reorganizar os povos.

Esta circunstância capital leva-nos naturalmente a tratar do totalitarismo.

TOTALITARISMO

O comunismo, por isso mesmo que é monstruoso e choca de frente não apenas os católicos elevados pela Fé ao conhecimento da verdade revelada, mas a qualquer homem que não esteja profundamente corrupto, encontrou no mundo inteiro uma viva resistência.

Se os elementos sadios que queriam lutar contra o comunismo tivessem visto claramente que o único meio de o esmagar era apelar para a Igreja Católica, a essas horas podemos afirmar que a face da terra seria outra. Esta verificação teria oposto de tal maneira, em antítese fulminante, a Cidade de Deus e a Cidade do demônio, que, em massa, as multidões aterradas pela perspectiva sinistra da segunda, teriam ido pedir conforto e abrigo à primeira.

Não foi isto, entretanto, o que se deu. O espírito das trevas é inimigo das antíteses claras e leais. Por isso forjou ele um meio de iludir as massas. E suscitou falsas reações contra o comunismo, que, sob pretexto de anticomunismo, levaram imensas massas humanas para o mais miserável paganismo.

Contra essa nova heresia, Pio XI foi de uma energia invencível, como já o fora em relação ao comunismo. Verberou energicamente os desmandos da Alemanha pagã, denunciou a inconsistência ridícula do anticomunismo ilusório do nazismo, e, em relação à Itália, atacou com um ardor apostólico todas as infiltrações nazistas que se têm verificado naquele país.

A esse propósito, publicamos hoje a tradução da alocução de Natal, proferida pelo Santo Padre Pio XI, e que traduzimos diretamente do "Osservatore Romano". Foi, se não nos enganamos, a última alocução proferida pelo Papa. Mais do que qualquer outro documento, fala ele com clareza da atitude que o Papa julgou dever tomar a este respeito.

TRATADO DE LATRÃO

A respeito deste glorioso acontecimento do Pontificado de Pio XI, já nos ocupamos em outro lugar, no qual poderá ser encontrada uma circunstanciada informação sobre o assunto, bem como o comentário que merece.

A respeito da vida diplomática e internacional do Papado, convém lembrar ainda a ação constante desenvolvida por Pio XI em favor da paz, que, sem ser uma paz a todo o preço, o Pontífice entretanto desejou ardentemente.

AS CANONIZAÇÕES

É preciso ainda lembrar um outro aspecto relevante do pontificado de Pio XI, que foram as canonizações. Foi enorme o número de santos que Pio XI canonizou. Entre eles, figura com um brilho todo particular: a suave Santa Terezinha do Menino Jesus, que foi, segundo Mons. Fontenelle, "a estrela do pontificado de Pio XI".

Concluída assim a lista das extraordinárias realizações que Pio XI levou a cabo, ainda restaria uma palavra a dizer sobre o Brasil, durante seu pontificado.

Além da confirmação do chapéu cardinalício em Dom Sebastião Leme, por ocasião da morte do Cardeal Arcoverde, quando essa honra estava sendo disputada insistentemente por outras nações, o Santo Padre escreveu aos bispos brasileiros, sobre a Ação Católica, uma carta que é um dos seus mais notáveis documentos sobre o assunto.

Todos os brasileiros que tiveram a honra de se aproximar do Santo Padre atestam o extraordinário interesse que ele votava ao Brasil, do qual dizia que queria bem de modo todo particular, não apenas porque nosso País tem a incomparável honra de ser um dos maiores países católicos do mundo, como também pelo acatamento que sempre observamos em relação à Santa Sé.