Legionário, N.º 579, 12 de setembro de 1943

Monsenhor Alberto Pequeno

Não seria justo que, entre inúmeras manifestações de pesar suscitadas em todas as classes sociais e em todos os setores da opinião pública pelo desaparecimento trágico e inesperado de Dom José Gaspar de Afonseca e Silva, o “Legionário” deixasse passar, sem um comentário da redação, o falecimento de Monsenhor Alberto Pequeno. Com efeito, o desaparecimento do ilustre Sacerdote abriu um claro nas fileiras de nosso Clero, que podem muito bem sentir e medir os que mais de perto tiveram ocasião de lhe admirar as relevantes qualidades e o fecundo labor apostólico.

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Pode-se dizer que Monsenhor Pequeno compendiava em si as qualidades características de uma figura de grande envergadura moral e intelectual. Extremamente simples e afável, seu trato tinha, entretanto, uma distinção e mesmo um ''que'' de aristocrático que deixava ver nele uma pessoa de fina educação, sempre cônscia da dignidade de seu sacerdócio e da nobreza das atitudes que essa dignidade impõe. ''Causeur'' interessante e fluente, espírito culto e penetrante, senhor de boa memória que a todo momento lhe facultava ocasião de lembrar fatos curiosos e pouco conhecidos, a que estivera direta ou indiretamente ligado, dava ao mesmo tempo a impressão de uma retidão de espírito que estava por assim dizer a flor dos olhos claros, firmes, límpidos e serenos. Ao mesmo tempo, sentia-se em todo o seu modo de ser um homem forte e prudente, afeito ao manejo de assuntos complexos e delicados, em que ao mesmo tempo se exige a discrição, a perseverança, a inabalável firmeza dos propósitos. E, com efeito, por pouco que se tratasse com ele, não era difícil perceber sob a discreta uniformidade de suas atitudes sempre corteses e sempre iguais, uma alma ardente e capaz dos maiores entusiasmos, que poria aos serviços dos sacrossantos ideais a que se votara toda aquela irredutível resolução de que é capaz um nordestino. Dizem que a graça não destrói a natureza, mas a eleva e santifica. Tive ocasião de mostrar, certa vez, como Dom Duarte Leopoldo e Silva soube pôr ao serviço de seu apostolado, engrandecidas e valorizadas ao infinito pela graça de Deus, as qualidades típicas do verdadeiro paulista, de velha e rija têmpera. Monsenhor Alberto Teixeira Pequeno serviu as causas a que se dedicou com o entusiasmo, a perseverança, o ardor e o empenho com que um ardente nordestino, feito homem de Igreja e diplomata, poderia servi-las. E os fatos mostraram que esse serviço foi magnífico.

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Entre tantas e tão assinaladas realizações em que Monsenhor Alberto Pequeno cooperou em prol da Santa Igreja, seria necessária destacar uma: a unificação dos seminários, levada a cabo pelo Santo Padre Pio XI.

Para os espíritos levianos, as obras de superfície parecem sempre as mais importantes. Grandes estatísticas, números e mais números, construções de vulto, movimentos de massa e mais números e mais números: eis os únicos grandes serviços prestados à Igreja. Em suma, costuma isto ser exagerado a tal ponto, que há toda uma série de pessoas que acham que ''sem barulho não há salvação''. É isto para elas um verdadeiro ''dogma'' professado quiçá com muito maior entusiasmo, que este outro, dogma verdadeiro e não falso, que entretanto passam sobre silêncio constrangido e envergonhado: ''fora da Igreja não há salvação''. Monsenhor Alberto Pequeno estava muito longe de pertencer a esta progênie de espíritos vulgares. Servindo a Santa Igreja, entregou-se a um campo de apostolado talvez obscuro aos olhos do grande público, certamente afanoso em extremo, mas dos mais meritórios: a formação de várias gerações de sacerdotes, destinados a ser ''o sal da terra e a luz do mundo''. Nesta tarefa essencial, empregou tesouros de prudência, seriedade, operosidade, paciência, força e zelo que, talvez, se venham contar algum dia com pormenor, mas que mesmo as pessoas que, como eu, só de oitava conheceram muito de sua obra, bem podem aquilatar.

Hoje, que os Seminários Centrais estão funcionando em todo o Brasil, bem se pode medir a vantagem que trouxe esta medida.

Entretanto, não era a todos os olhos que se afigurava com clareza esta vantagem quando se deu início à grande tarefa. Foi preciso persuadir, argumentar, pedir, contemporizar, urgir, para chegar a obter qualquer coisa. Finalmente, os grandes seminários aí estão. E já hoje ninguém mais duvida que esse esforço terá significação definitiva na formação dos sacerdotes de todo o Brasil. E, de todo este esforço, foi ''magna pars'' Monsenhor Alberto Pequeno.

Foi portanto, gesto feliz do Exmo. Sr. D. José Gaspar de Afonseca e Silva, dar a Monsenhor Pequeno a dignidade de Vigário Geral, que prepôs à direção das Religiosas da Arquidiocese. Não há coração católico que não respeite e não estime filialmente as Religiosas. Elas bem mereciam que, para delas cuidar, o jovem Arcebispo designasse uma das primeiras cabeças do clero brasileiro. Nestas funções, exercidas sempre com o tino, a superior visão das coisas, a segurança e a firmeza peculiares, a morte veio colher Monsenhor Pequeno. E, com isto, a Igreja perdeu uma de suas figuras mais ilustres no Brasil.

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Ilustre, Monsenhor Pequeno o foi certamente pelo vulto de seus serviços. Havia nele, entretanto, uma certa aversão para com os preitos públicos de reconhecimento a suas obras. Parece que a Providência respeitou este gosto, levando para a eternidade no grande sulco em que se foi a brilhantíssima figura de Prelado que foi Dom José. O Brasil inteiro, de norte a sul, pranteou sobre o esquife do jovem e infortunado Arcebispo. Com isto, como seria aliás inteiramente natural, a morte de Monsenhor Pequeno não deu lugar a que se patenteasse todo o pesar que efetivamente causou, e que se veria ter sido imenso, se ele houvesse falecido em outras circunstâncias. Ele só foi, pois, modestamente servido. Mas, certamente, seus méritos receberam a devida recompensa das mãos de Deus.