Deus e a Constituição - II

“O Legionário”, N.º 77, 29 de março de 1931

 

Como demonstrei em meu último artigo, aos olhos da razão não se pode justificar o agnosticismo oficial, em um país de imensa maioria católica. Vejamos agora, nós que consideramos o agnosticismo uma das mais notáveis inovações que nos vieram do Exterior, a diferença que há entre o laicismo no mundo civilizado e o que entre nós, desde 1889, se tem praticado.

Para tornar palpável o grande ridículo do laicismo brasileiro, recorramos primeiramente aos Estados Unidos, sobre cuja Constituição se tinha modelado a nossa malograda organização política.

Nada mais irrisório do que querer aproximar, em matéria religiosa, nossa Constituição da dos Estados Unidos, porque, como bem observa Eduardo Prado, “um país (os Estados Unidos) onde o Congresso, todos os dias, antes de abrir as suas sessões, prosterna-se à voz de um capelão que abençoa, em nome de Deus, os trabalhos legislativos; um país em que o poder público, em solene proclamação, determina que um dia do ano deve ser de repouso e consagrado a agradecer à Divindade as graças recebidas; um país em que, numa grande crise da nação, o presidente decreta um dia de jejum nacional, para obter do céu a salvação pública, não pode ter nada de comum com o ateísmo vulgar, que é a essência mesma da República Brasileira” (Eduardo Prado, Crítica Republicana, seção “Opiniões”, do Jornal “O Comércio de São Paulo”, de 21-11-1895).

Lição eloqüente no-la ministrou o próprio embaixador americano junto à agnóstica República brasileira quando, pronunciando um discurso de felicitações na presença de Floriano Peixoto, então Presidente da República, declarou que a República norte-americana e a brasileira eram irmãs, porque ambas “temiam a Deus e amavam a liberdade” (Eduardo Prado, op. cit.).

O que de ironia, o que de censura, não se entrevê nesta simples declaração do representante norte-americano! Que crítica ao passado, que lição para o futuro!

Mas aí não param as públicas lições de fé que temos recebido do povo yankee.

Enquanto uma “igreja” protestante qualquer ousou censurar o Dr. Getúlio Vargas por ter comparecido, em caráter oficial, a cerimônias do culto católico, o mesmo Eduardo Prado nos informa que o presidente dos Estados Unidos compareceu pessoalmente à inauguração da Universidade Católica de Washington (“O Comércio de São Paulo”, 30-11-1895), embora fosse ele protestante, a despeito de ser a Universidade mantida pelos RR. PP. Jesuítas.

No mesmo artigo, nos informa ainda Eduardo Prado que a proteção oficial é tal, para com as idéias religiosas, que os artigos destinados ao culto não pagam direitos alfandegários.

Aliás, a moderna orientação é, por toda parte do mundo, inteiramente contrária ao agnosticismo. Exemplo palpitante desta tendência universal é a Constituição da Polônia, uma das mais recentes do mundo inteiro, que exige que o presidente, ao assumir seu cargo, preste o seguinte juramento:

“Juro perante Deus Todo-Poderoso e uno na Santíssima Trindade, e faço um voto a ti, ó Nação polaca, que, nesta função de Presidente da República, que ora assumo, defenderei os direitos da República, e antes de tudo as leis constitucionais, que servirei fielmente e com todas as minhas forças o bem geral, que considerarei uma virtude de primeira importância a justiça para com todos os cidadãos, indistintamente; que Deus me ajude, para cumprir este voto, assim como seu santo mártir! Amém!”

Este juramento deve ser pronunciado com a mão direita colocada sobre um crucifixo.

Nada há de mais significativo. Nação nova, cuja eclosão no cenário político europeu se deu com a grande guerra, cujos anseios de liberdade, cujo espírito democrático o mundo inteiro conhece, a Polônia não quer ter por garantia da probidade de seu chefe outra arma senão um juramento prestado em nome de Deus!

É fato deveras curioso que enquanto a imensa maioria ou a totalidade dos países protestantes considera oficial uma seita protestante qualquer, nos países católicos o protestantismo erga altos brados contra a mesma regalia concedida ao Catolicismo. E mais singular ainda é que os católicos, longe de se indignar com a inconcebível improcedência das reclamações protestantes, fazem muitas vezes coro com estes!

A Suécia, a Dinamarca, a Noruega, a Holanda, a Inglaterra, que são protestantes; a Bulgária, a Iugoslávia e a Grécia, que são “ortodoxas”; e a Rússia, que é atéia, oficializam de modo o mais claro possível as concepções religiosas dos respectivos povos.

E, no entanto, em 1914, com exceção da Espanha, da Áustria-Hungria e da Bélgica, nenhum país católico conferia à Igreja a posição de Religião oficial, que de direito lhe competia.

No entanto, com a guerra, muitas mudanças houve. E do antigo bloco dos países agnósticos resta, quase isolada, a França.

É o que o Sr. Guy-Grand, laicista irredutível, declarou em entrevista que concedeu a respeito da paz religiosa, e que se encontra no seu livro Sur la paix religieuse, pp. 28-30: “Os partidários do laicismo percebem perfeitamente que, até agora, a França está isolada. Ela está só: isto explica o espanto, a incompreensão, a reprovação indignada ou triste que, a seu respeito, as nações religiosas manifestam. O anátema mais ou menos insistente que persegue o “ateu”, no interior da França, esta o sente pesar sobre seus ombros, no concerto das nações... Leigo, como se pode ser leigo? Os protestantes se unem aos católicos, para nos censurar. Somos reprovados em Roma, e não existe maior afinidade conosco nas democracias puritanas, em Genebra, em Londres, em Washington. Nós o vimos durante a guerra... O laicismo integral é um produto francês”.

Mas a própria muralha chinesa do laicismo francês já começou a sofrer suas primeiras brechas. Assim é que foi o próprio deputado que, antes da guerra, propusera a expulsão das Congregações religiosas, que propôs, há pouco tempo ainda, leis favoráveis ao Catolicismo, sem que - fato curioso - fosse esta mudança de atitude devida a uma conversão, pois que o referido deputado continua perfeitamente ateu.

Quanto à Alemanha, devastada por Lutero, tenho em meu poder uma interessantíssima fotografia: seis ministros do Reich, envergando casaca, com todas as suas condecorações, ajoelhados em uma rua de Berlim, de velas nas mãos, e cartolas colocadas sobre o próprio chão, assistindo, no ano passado, à passagem do Santíssimo Sacramento, em uma procissão na qual eles haviam tomado parte!!

Vemos, pois, que por toda a parte cai o agnosticismo. E o Brasil? Continuará ele a renegar publicamente a Fé que todos os seus membros, particularmente, professam e praticam? Se tal se der, a culpa será nossa. Será nossa tibieza, nossa falta de idealismo, que nos impedirá de seguir os passos de nosso glorioso Episcopado, no caminho bendito de nossas reivindicações. Mas as perspectivas são outras. Com o auxílio de Deus, venceremos. À LUTA!