Um grande exemplo

 

“O Legionário”, N.º 114, 19 de fevereiro de 1933

 

Depois da honoríssima homenagem prestada pelo Ex.mo Sr. Arcebispo Metropolitano aos restos mortais da saudosa presidente da Liga das Senhoras Católicas, D. Elisa Monteiro de Barros Cavalcanti, serão pálidas todas as demais homenagens, e fracos em significação todos os preitos fúnebres que lhe prestarão as saudades.

Resolveu S. Ex.a Rev.ma que fossem tributadas à saudosa católica as honras fúnebres próprias aos sacerdotes. A máxima das consagrações veio coroar, portanto, o fim de uma vida que todos nós admiramos. E a Igreja militante, a quem tanto ela servira na sua vida mortal, cercava de honras seu esquife, enquanto a Igreja gloriosa recebia, no Céu, cheia de júbilo, sua alma nobre e generosa, que o Senhor havia cumulado de bênçãos e distinguido com suas melhores predileções.

Como o “servo bom e fiel” do Evangelho (Mt. 25, 21) que, longe de enterrar os talentos que lhe havia confiado o Senhor, os pôs todos a render, D. Elisa Cavalcanti pôs ao serviço da Igreja todos os dons naturais e sobrenaturais com que a Providência a havia enriquecido. A fidalguia de seu sangue a colocara em lugar de destaque na sociedade; servindo à Igreja, ela soube fazer irradiar sobre as instituições de que fazia parte o prestígio de seu nome, de sorte a encher de respeitabilidade, até aos olhos dos mundanos, a causa do Senhor. A delicadeza de seus sentimentos e de seu trato lhe valeram inúmeras amizades; ela soube servir-se dessas qualidades para aproximar da Igreja a quantos dela se acercassem. A clareza de sua inteligência e o vigor de sua vontade lhe deram excepcionais qualidades de organizadora; ela utilizou-se desses predicados para transformar em fortalezas inexpugnáveis as associações católicas confiadas à sua direção.

Uma palavra, que freqüentemente pronunciou em minha presença, durante os poucos e saudosos meses de colaboração que tivemos na Liga Eleitoral Católica, caracterizava sua bela alma de apóstolo: “Pela Igreja estou disposta a fazer tudo”.

Sua vida decorria, portanto, em uma constante luta pela Santa Igreja, num ambiente de carinho das criaturas e de amor de Deus. Ceifou-a a morte em plena atividade. E deste facho, ainda ontem aceso com chama tão ardente, apenas nos restam as saudades...

Mas nosso pesar encontra na Fé alentadoras consolações. Non contristemini sicut [et ceteri] qui spem non habent [“Não vos entristeçais como os que não tem esperança” (I Tes. 4, 12)]

O Senhor tem seus caminhos que são superiores a toda a compreensão humana. Adaptando ao doloroso golpe que acabamos de sofrer uma imagem que não é minha, poderia dizer que é só depois de amadurecido e ceifado que o trigo se transforma em pão, para ser o alimento dos homens. Assim também é só depois de ceifadas pela Providência que certas almas privilegiadas produzem todo o bem de que são capazes. A morte as priva do poder de exercer a ação católica, mas lhes dá a faculdade de conquistar no Céu, junto ao Trono do Altíssimo, com suas preces, almas muito mais numerosas do que as que conquistaria sua ação terrena. Mistérios profundos que não podemos desvendar durante a rápida trajetória de nossa vida, mas que brilharão com fulgor excepcional no Juízo Final, em que todas as boas obras terão sua recompensa.

“Tudo faço pela Igreja”, dizia ela. Que o Senhor onipotente e misericordioso, por sua vez, faça tudo quanto pode por aquela que, por Ele, não poupou esforços nem sacrifícios.

Seja nosso preito de gratidão e de saudades, finalmente, uma prece à Mãe de misericórdia e Medianeira de todas as graças, para que encha a saudosa e combativa católica com a suavidade de suas consolações, não só na medida do que muito mereceu na sua vida, mas na medida da própria misericórdia de Maria!