Na “hora H”

 

O “Legionário”   n.º 140, 4-3-1934

 

Chegamos, positivamente, à “hora H” das reivindicações católicas na Constituinte. São conhecidas as cláusulas da “fórmula” estabelecida para apressar a eleição do Presidente da República, cláusulas estas que dão extraordinária importância ao substitutivo a ser elaborado pela Comissão dos 26.

Como o público está pouco familiarizado com a burocracia parlamentar da Constituinte, julgamos conveniente dar algumas informações capazes de pôr em relevo toda a importância do momento que atravessamos.

A 14 de maio de 1932, o Chefe do Governo Provisório constituiu uma comissão encarregada de elaborar o anteprojeto da Constituição. Reunida a Assembléia a 15 de novembro de 1933, foi este anteprojeto distribuído aos constituintes, para receber as emendas.

Para coordenar e dar parecer a essas emendas, que foram em número elevadíssimo, a Constituinte elegeu uma comissão composta de um representante de cada Estado, do Território Federal, classistas etc., que recebeu o nome de Comissão dos 26.

Os adversários do Catolicismo, verificando que não podiam, por meios regimentais, derrotar as teses da LEC, encontraram na Comissão dos 26 o instrumento ideal.

Como é intuitivo, a Comissão dos 26, eleita pela Constituinte, não tinha outra função senão a de coordenar as emendas que, quer pelo número dos seus signatários, quer pelo vulto das correntes de opinião que as apoiavam, tinham o apoio da maioria dentro da Assembléia, elaborando um substitutivo facilmente assimilável, em rápido debate, pela Constituinte.

O contrário seria sobrepor-se a Comissão, despoticamente, à Constituinte de que é simples mandatária, numa insuportável tentativa de usurpação de funções.

Foi este segundo alvitre, no entanto, que prevaleceu. Não só a Comissão dos 26 violou as convicções da maioria na questão da invocação do Nome de Deus, como o seu presidente, Dr. Carlos Maximiliano, procurou violar os direitos da maioria da Comissão em diversas outras questões.

Estava bem montada a máquina. A Constituinte deixar-se-ia dominar pela Comissão dos 26. A Comissão, por sua vez, se deixaria intimidar pelo grande talento e não menor despotismo de seu presidente. Ora, o presidente, por sua vez, se deixa dominar pelo seu espírito ferrenhamente anticatólico. Logo, a Constituinte se deixaria dominar pelo anticatolicismo...

Nestas condições, estaria anulada qualquer atividade dos deputados católicos.

Devemos reconhecer que, graças à impecável correção com que o Sr. Levi Carneiro tem procedido para com os católicos, não foi possível a execução integral do plano.

No entanto, acabamos de receber o substitutivo do anteprojeto, e verificamos que, se o plano foi bem concebido, melhor ainda foi executado.

Em primeiro lugar, suprimiu-se o capítulo Da Religião, que o anteprojeto do Governo Provisório trazia. Sua matéria foi distribuída por diversos outros capítulos, e nesta distribuição deu-se a escamoteação das teses católicas. O divórcio foi proibido por um dispositivo ambíguo. O ensino religioso só será ministrado por pessoas estranhas ao magistério oficial e “sem prejuízo do horário escolar”. A assistência religiosa aos quartéis fica proibida, sendo apenas tolerada nas expedições militares, “quando se fizer sentir sua necessidade”, conforme reza a fórmula mal intencionada do anteprojeto, cuja dubiedade o substitutivo conserva carinhosamente, em lugar de corrigir.

Estamos, porém, seguramente informados de que, tanto em matéria religiosa como em matéria de legislação social, e sobre exploração de minas, haverá, da parte da maioria da Comissão, uma oposição invencível.

Esta oposição, se bem sucedida, será um triunfo. Se mal sucedida, um grave insucesso.

Chegou o momento em que, na “hora H”, os católicos devem estar atentos à atitude dos seus representantes, para marcar com o estigma dos traidores os que se arvorarem em pregoeiros das transigências e das prudências suicidas.

Chegou o momento em que se verificará se, sim ou não, é possível a experiência que se tentou de confiança no elemento político do País.

É preciso que os esmorecimentos não ousem manifestar-se neste instante talvez supremo. É preciso que os “prudentes” deixem seus receios para outra ocasião, deixando agora livre o campo para os que tomam a sério seu mandato. É preciso, enfim, que a opinião pública não permaneça alheia ao que se vai passar, ou ao que talvez já se tenha passado quando estas linhas forem publicadas.

Só assim não ouvirão os católicos brasileiros o grito macabro que enche de dor seus irmãos da Rússia e do México: Vae victis! [“Ai dos vencidos”. Palavras do general gaulês Breno (Tito Lívio, História Romana, V, 48, 9)]