A consolidação

“O Legionário”, N.º 150, 22 de julho de 1934

 

A preocupação dominante das autoridades eclesiásticas é, no momento, a consolidação da esplêndida vitória que obtivemos na Constituinte da 2ª República. Devemos, atualmente, repelir uma tendência que pode ter, no momento, conseqüências extremamente funestas.

Deriva ela do otimismo fácil, que é um dos pecados nacionais do Brasil.

Pensam alguns que a aparente facilidade da vitória convida as hostes católicas a crescentes conquistas no terreno legislativo, conquistas estas que ingenuamente quereriam dilatar até a completa recristianização do Brasil.

“Ingenuamente”, dissemos nós, e estamos persuadidos de que só a ingenuidade de um zelo irrequieto ou de uma apatia incorrigível poderia tirar de premissas erradas, conclusão absurda.

Certamente, foi fácil a vitória para os que se contentaram em acompanhar os acontecimentos através das notícias resumidíssimas que nossos jornais reproduziam sobre a marcha das reivindicações católicas.

Para estes, que sentenciam sem conhecimento de causa, e se contentam em apreciar os fatos através dos comentários de uma imprensa rancorosamente muda em tudo que nos concerne, a dificuldade da luta se mediu apenas pelo número dos discursos pronunciados.

Ignoram eles por certo a luta dos bastidores, a campanha dos cochichos, em que duas palavras habilmente sussurradas a um ouvido destroem o efeito de uma longa e eloqüente argumentação desenvolvida da tribuna.

Só o futuro dirá a amargura da luta que nós, os deputados católicos do Brasil inteiro, sustentamos pela causa da Igreja.

Também nós esperávamos a guerra a peito descoberto, o grande lance retórico em que a beleza da luta cicatriza na alma as feridas abertas no combate.

E foi o contrário que tivemos de fazer.

Não foi o conflito das inteligências divididas por ideais antagônicos que presenciamos, mas a perfídia a tramar na sombra das salas das subcomissões, a desarticular compromissos, a estimular vaidades, a se pôr de tocaia atrás de dispositivos regimentais, para desvirtuar o significado das votações do plenário, pacientemente coordenado e trabalhado por nós.

Como na guerra moderna, em que o gás asfixiante e as pulgas das trincheiras substituíram, como instrumento de tortura, o aço rijo das lanças medievais que se chocavam contra a couraça adversária em lances diretos tão fortes quanto leais, também na vida parlamentar de nossos dias o trabalho dos corredores e da sala do café substituiu o combate oratório, hoje desenvolvido principalmente para as galerias.

É cedo para falar. Manda a prudência que calemos os nomes. Mas o Brasil saberá um dia, e se ele não souber, sabe-os Deus, os nomes daqueles que traíram, que fugiram ou que se calaram...

Não foi fácil, pois, a luta. E nem está ela concluída. É preciso, agora, consolidar.

Os preceitos constitucionais inscritos em nossa carta fundamental dependem, na sua maior parte, de regulamentação.

Há reivindicações católicas, como o casamento religioso, que se podem transformar, graças a uma regulamentação má, em espinho cravado na Igreja. Nas eleições que se aproximam, é pois necessário que consolidemos a vitória obtida, exigindo dos candidatos em quem votarmos o compromisso de regulamentar lealmente o exercício de nossos direitos espirituais.

Não é pela conquista de um terreno novo que devemos empenhar nossos esforços, mas pelo aproveitamento real do terreno que nos foi restituído, à força, pela impiedade.