O Caso das Urnas

“O Legionário”, N.º 158, 11 de novembro de 1934

 

Quanta celeuma em torno do famoso caso da inviolabilidade das urnas! No entanto, se procurarmos investigar as verdadeiras causas de tanta paixão, encontraremos apenas, de uma parte e de outra, o ardor partidário, alimentado por ódios facciosos e interesses subalternos a que são inteiramente alheios os altos e verdadeiros interesses do país.

Enquanto se discute a inviolabilidade das urnas, e a segurança real ou ilusória das famosas fechaduras Yale, que o Major Levy tornou célebres, os verdadeiros problemas nacionais continuam votados ao abandono.

Queremos falar hoje especialmente do problema comunista.

Não achamos que ele não exista. Ele é real, mas existe apenas na medida estrita em que a polícia sonolenta de nossa sociedade burguesa o tolerar.

Como perigo remoto, o comunismo só pode ser evitado pela recristianização da sociedade, especialmente no que diz respeito à família e às relações entre o capital e o trabalho. A inobservância dos preceitos católicos, neste terreno, vai produzindo um mal estar social crescente que, em futuro menos próximo, gerará graves comoções sociais.

Neste sentido, o perigo comunista é real, tremendo, indiscutível e só um tolo pretenderá resolvê-lo, na imensa complexidade dos seus aspectos, a tiro ou a pata de cavalos.

Isto posto, podemos afirmar também, e desassombradamente, que a preservação da ordem social contra a fermentação comunista de encomenda, que ora fervilha em São Paulo, é única e exclusivamente uma questão de polícia e pata de cavalo.

Para o perigo comunista remoto a que acima me referi, o remédio único deve ter apenas os dois ingredientes cristãos da justiça e da caridade.

Para a fermentação comunista de efeitos imediatos, varia o receituário, que passará a se compor de dois outros ingredientes, também cristãos: habilidade e energia.

Tomo nos jornais a notícia de um crime qualquer; por exemplo o de uma casa assaltada por um ladrão no caminho de Santo Amaro. Foram roubados aos proprietários, pobres portugueses, o brinco dourado em forma de argola, da mulher e, do marido, o relógio de ouro duvidoso, adquirido por ocasião do casamento.

Como se trata de atentado à propriedade particular, a polícia se põe em campo, procura o ladrão em todos os Estados vizinhos, e acaba por descobri-lo no Triângulo mineiro. É um [indivíduo] que vem a São Paulo escoltado como se fosse uma fera ou um réptil. Começam os interrogatórios. E, dentro em pouco, se sabe exatamente onde comprou as ferramentas com que violou o lar alheio, de onde lhe veio o dinheiro para tal compra, etc., etc., até o mínimo detalhe, inclusive a hora exata em que parou na venda para, cometido o roubo, sorver um trago de pinga.

Outra página do mesmo [jornal]: mata-se no Largo da Sé, conspira-se contra a propriedade privada - e não mais contra um par de brincos de “ouro” sem quilate - contra toda a ordem social e a família - e a polícia não sabe de onde vêm as armas, de onde vem o dinheiro, de onde os conspiradores estrangeiros que conduzem a sinistra farândola dos conspiradores pelas ruas.

Não julgamos grave a situação senão pela curteza de vistas da polícia que nos deveria garantir.

É necessário que a atenção do público e das autoridades se retire enfim das ranhuras das urnas, para as ranhuras muito mais importantes dos cofres em que guardam nossas tradições religiosas, morais e familiares. Aí estão os arrombadores de Moscou, que tentam roubar-nos tais tesouros, enquanto a polícia... dorme.