Legionário, No. 559, 25 de abril de 1943

7 DIAS EM REVISTA

Continua-se a falar vivamente acerca do famoso “plano Beveridge”, apresentado à opinião pública como a expressão mais adiantada e inteligente da evolução social. O plano Beveridge já não é um tema de discussões, nem mesmo um programa de ação: passou a ser, em alguns ambientes, um verdadeiro dogma.

Ora, se bem que não tenhamos ainda em mãos o texto do famoso plano, é preciso que conservemos perante ele toda a imparcialidade de julgamento, esquivando-nos cuidadosamente de quaisquer entusiasmos antes que o tenhamos estudado meticulosamente. De fato, a imprensa católica britânica tem levantado contra o plano várias e fundas restrições. Não se concebe que o tenha feito sem razões ponderáveis, não só porque todos conhecem a situação delicada do catolicismo na Inglaterra, muito florescente hoje em um país em que, a bem dizer há um século, ainda não tinha direito à luz do sol, como ainda porque todos sabem de sobejo o espírito de concórdia que anima os católicos em momentos de união nacional, como este que a Inglaterra atravessa. Isto posto, não nos devemos deixar arrastar por qualquer entusiasmo antes de um estudo sério.

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Tomando tal atitude, o “Legionário” se sente perfeitamente à vontade. Ninguém mais do que ele insistiu em apontar à opinião católica a vitória das nações unidas como um desfecho, para a presente guerra, preferível à vitória do “eixo”. Não que a primeira dessas soluções seja isenta de problemas e dificuldades para a própria opinião católica, mas porque esses problemas e essas dificuldades se transformariam em acabrunhadoras certezas, em indiscutíveis catástrofes na hipótese de uma vitória nazista.

Assim, o “Legionário”, que persiste na mesma atitude, pode falar com inteira insuspeição. Aliás, sendo esta hoje a causa do Brasil, nossa primitiva atitude, tomada por motivos religiosos, só se reforçou com as razões patrióticas que a ela se vieram somar.

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A este respeito, gostaríamos de acentuar mais uma vez um fato importante. Não se suponha que nosso jornal é contrário a qualquer povo como tal. O “Legionário” deseja ardentemente, como jornal católico que é, o esmagamento do “eixo”, porque a vitória de Hitler seria uma catástrofe. Entretanto, daí não se deduz de modo algum que seja inimigo dos católicos alemães e muito menos dos italianos. Quanto a estes, é supérflua qualquer consideração. Basta pensar na gloriosa missão do povo italiano na Santa Igreja de Deus. Quanto aos alemães, embora ferrenhos adversários do nazismo, ou antes precisamente por que o somos, admiramos imensamente nossos irmãos católicos daquele país, que lutam com denodo contra a ditadura totalitária. Não podemos ser inimigos dos alemães verdadeiramente católicos, e por isto genuinamente anti-nazistas. Nosso desejo de derrota do “eixo” veio sempre de motivos exclusivamente ideológicos. A estes se somaram ulteriormente os gravíssimos motivos patrióticos que todos sentimos e conhecemos, desde que o Brasil entrou em guerra. Evidentemente, nosso patriotismo não conhece transigência nem restrições. Queremos a vitória do Brasil. Uma vitória feita de glória e sendo cristão.

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Telegrama de Zurique nos dá notícia de uma conferência entre Hitler  e o renegado Quisling, “gauleiter” da Noruega. Segundo o aludido despacho, nesse entendimento “tornou-se mais uma vez evidente a inquebrantável determinação de prosseguir-se na firme luta” pela implantação do nazismo na Europa.

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Acrescenta o telegrama que Quisling concordou plenamente com os pontos de vista expostos pelo Führer, (não fosse ele Quisling), e que Himmler, chefe da Gestapo, esteve presente à entrevista.

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É evidente que para a implantação da “nova ordem” nazista em qualquer parte, os Quislings e os Himmlers, ou por outras palavras a traição e a violência, são instrumentos preciosos e insubstituíveis.

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Isto quanto à frente interna. O Sr. Hitler, porém, não se descuida dos outros setores da luta contra os que aparentemente se oporia à realização de seus planos de conquista. E’ assim que um comunicado do ministério inglês das relações exteriores informa que Hitler se está preparando para empregar gases venenosos na frente russa.

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Já se foi inteiramente o tempo em que o Cardeal Newmann, para se livrar da calúnia de estar sempre de má fé, podia empregar a imagem literária de que na arte da polêmica como na própria arte da guerra, nem todos os processos de destruição se permitem, como por exemplo o envenenamento de cisternas.

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Não nos devemos admirar que tal mudança haja sido introduzida nas operações de guerra; pois não faz muito tempo Goering declarou que um dos objetivos do nazismo era acabar com o “gentleman”. E o “gentleman” inglês, embora em grande parte corrompido pelo liberalismo, ainda é um vestígio de espírito de espírito de cavalheirismo despertado e desenvolvido pela Igreja católica. A civilização ocidental, medularmente católica, levou o seu influxo até as normas que devem regular a guerra.

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Um afastamento desse espírito de civilização e sua substituição pelos novos valores da mística nazista, só pode reconduzir a humanidade à barbárie de que a Igreja havia retirado a humanidade. Daí o bombardeio de cidades abertas, a metralha levada à população civil indefesa, o emprego de gases letais cuja ação variada e horripilante dá ao envenenamento de cisternas o aspecto de uma peraltagem de crianças.

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Muito errado, portanto, andou o Sr. G. de A. na "Folha da Manhã" ao retirar da poeira da estante o velho e bolorento Renan, para pespegar em seus leitores aquelas referências românticas ao doce Rabi da Galiléia, como se o Divino Salvador também não fosse o sol de Justiça que há de julgar e castigar os que desprezam Seus Mandamentos, e que ameaçam castigar mais duramente que Sodoma a cidade que não recebesse os seus discípulos.

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Se na antigüidade o Deus dos Exércitos despejava sobre as cidades malditas, embaladas por pecados torvos, o fogo voraz e impiedoso, hoje, infelizmente, não tem Ele necessidade de castigar os pecados do mundo pela fúria dos elementos. Dessa faina se encarregam os próprios homens, nesse morticínio atroz e impiedoso que presenciamos.

Diante desse tremendo espetáculo não nos resta apenas chorar, como o lamuriento escrevedor de bilhetinhos afeminados dá a entender que é a única ordem divina que os homens podem cumprir. Cabe-nos, pela nossa palavra e pelo nosso exemplo, combater o bom combate para que as palavras e o exemplo de Nosso Divino Modelo de fato representem para a humanidade sofredora o Caminho, a Verdade e a Vida, que hão de livrá-la das misérias deste mundo e conduzi-la à salvação eterna.