Legionário, N.º 579, 12 de setembro de 1943

7 DIAS EM REVISTA

A Santa Igreja ficará exposta a gravíssimos riscos enquanto os filhos da luz não se compenetrarem desta grande verdade: os filhos das trevas já não se lançam contra eles os combates de viseira erguida, de que foi tão cheio o século passado; pelo contrário, depostas as armas, cuja inutilidade já verificaram mais uma vez, começaram uma campanha de diluição, de falsa confraternização, baralhamento de campos, de confusões de fronteiras, de que esperam resultado melhor. Há uma hora de luta, outra de vigília. Não se falta ao dever somente quando se foge do campo de batalha. Também quando se cochila com sono pesado e indolente, a despeito da advertência do Divino Mestre vigiae e orae”, se deserta a causa de Deus. A hora é de muita oração e de muita vigília. Hora de oração significa hora de mortificação e de súplica ininterrupta. Hora de vigília significa hora de prudência, de discernimento de espírito, de critério e de bom senso. De muito bom senso, sobretudo. Sem isto, não conseguiremos compreender o que há de vertiginoso e de fantástico em muitos acontecimentos contemporâneos. E não saberemos discernir onde estão os verdadeiros interesses da Santa Igreja Católica.

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Não é porque desejaríamos que uma coisa fosse de determinado modo que haveremos de admitir com facilidade que ela de fato é assim. Que dizer-se da sentinela que, no desejo de que seus irmãos de arma não sejam atacados, chega a se iludir sobre a realidade dos fatos, e se obstina em não ver as sombras que se esgueiram, suspeitas, confusas, indecisas, nas trevas da noite, em demanda do campo que lhe competiria defender? Que contas pedirá Deus a tal sentinela?

Como seria agradável que os comunistas se convertessem todos! De que sacrifícios seríamos capazes para obter um acontecimento tão auspicioso! Nenhum esforço, nenhum preço, nenhuma justa e lícita concessão nos pareceriam demasiados para se chegar a tal resultado. E que graças haveríamos de dar a Deus por isto! A conversão dos bolchevistas teria no mundo contemporâneo um significado análogo ao que teve a conversão dos francos. Reviveríamos os dias de Clovis e S. Remigio. Valeria a pena nascer só para presenciar um tal fato, e cantar depois o ''nunc dimittis'' de Simeão.

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Entretanto, nem por isto deixaríamos de reconhecer que nenhum dos sinais que prenunciaram a conversão dos francos ocorre no caso dos comunistas: que um anjo descido do céu pode ter trazido um óleo sagrado, para introduzir na ordem cristã um rei e uma monarquia que estava mal e então apenas na ordem natural; mas que o comunismo e o bando dos malfeitores internacionais que o dirigem não representam apenas uma ordem natural pagã, mas uma violação de toda a ordem e toda lei natural; que essa ordem não pode ser nem elevada nem sagrada, mas precisa ser desfeita até os alicerces para depois ser reconstruída: e que nenhum anjo descerá do Céu para ungir uma sociedade “comunista e cristã”, porque esta sociedade não seria cristã pelo próprio fato de ser comunista, e não se ungem as coisas e instituições comunistas pelos simples fato de que, como diz o Santo Evangelho, ''não se atiram pérolas aos porcos''.

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   Todas essas considerações nos.... [erro tipográfico – recebeu em visita oficial o chefe dos cismáticos russos....] Evidentemente este gesto prenuncia maior liberdade religiosa na Rússia, e, ao menos nos primeiros tempos, essa liberdade também se estenderá aos católicos. É possível que algum prelado católico seja recebido por Stalin. É certíssimo que nenhum prelado católico desdenhará esta oportunidade para pleitear do sanguinário ditador russo que dê às ovelhas que a Igreja possui ao menos um pouco de liberdade. Conforme corram as coisas, não é impossível que, para resguardar tanto quanto possível, este mininum de liberdade o Vaticano consinta em tratar com a Rússia soviética e para sistematizar suas negociações abra uma legação em Moscou. Nada disto, porém, exclui uma realidade que vamos frisar.

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Erra, erra insofismavelmente, erra pesadamente quem ouse afirmar que a oposição entre a Igreja e o comunismo está só em que este último tem perseguido os católicos, mas que adotada uma política de liberdade religiosa, o comunismo será compatível com o Catolicismo.

Ainda que haja a mais ampla liberdade de cultos na Rússia, o comunismo continuará condenado, por sua estrutura social, pelo atentado permanente que representa quer contra a família, quer contra a propriedade individual. Assim, o comunismo, tanto quanto o protestantismo ou islamismo, só tem uma possibilidade de se reconciliar com o Catolicismo: deixe de ser o que é, isto é, deixe de ser comunista.

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Mas, objetar-se-á, é uma pequena transformação social. E uma grande transformação social? Ainda que a Rússia evolua no sentido de um socialismo avançado, continuará proscrito para os católicos seu regime? Sim, perfeitamente. O socialismo, não só o ''avançado'' como todo e qualquer socialismo, é expressamente condenado pelo Santo Padre Pio XI, que chegou a condenar a própria palavra ''socialismo''. Assim, portanto, o regime russo não poderá ser nem comunista, nem socialista, para ser aprovado pela Igreja. Em outros termos, deverá deixar de ser, inteiramente, o que é. Fora disto, não há conciliação.

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O “Legionário” tem sido um partidário decidido e militante da restauração da independência da Áustria, e mesmo da reconstituição da Áustria-Hungria. Por mais graves que fossem as razões temporais que em benefício de tal orientação se pudessem alegar, cingimos sempre nossas observações ao único ponto que, como católicos, nos interessa: a supremacia austro-húngara, se de um lado serve de meio de irradiação de uma influência católica em toda bacia danubiana e nos Balcãs faz, de outro lado, de Viena, um grande ''boulevard'' contra a influência protestante, nociva no mais alto grau de Berlim. Foi por esta razão sobretudo, que a criminosa invasão da Áustria pelas forças do Sr. Hitler nos arrancou tão formal e caloroso protesto.

Isto posto, não podemos deixar passar sem um protesto a enxovalhação temerária, precipitada, inexplicável, que se pretendeu fazer em torno da pessoa do Arquiduque Felix de Habsburg, por motivo de recente visita a nosso país. Não conhecemos, nem estamos em condições de aquilatar os fatos alegados pelos que saíram a campo para injuriar o jovem príncipe. Entretanto, as injurias deixavam transparecer com clareza o propósito de enxovalhar sobretudo a Casa de Habsburg, e favorecer em última análise um plano que teria por desfecho  a impossibilidade da restauração austro-húngara. Assim, sem nos pronunciarmos sobre qualquer fato concreto, não podemos deixar de lembrar a nossos leitores que não são esses os verdadeiros interesses da Igreja.