Legionário, N.º 584, 17 de outubro de 1943

7 DIAS EM REVISTA

Uma das notas mais importantes da recente Pastoral com que o Exmo. Revmo. Sr. D. Jaime de Barros Câmara, Arcebispo do Rio de Janeiro, brindou seus diocesanos, está, sem dúvida, na preocupação que manifesta para com os destinos das classes desprotegidas.

Na Encíclica "Quadragesimo Anno", Pio XI mostrou insistentemente que é para os fracos que se dirige especialmente a maternal predileção da Igreja. E que ela os deve proteger, não tanto para evitar questões sociais, como para cumprir um desinteressado dever de justiça e de caridade. É este o pensamento que, de modo evidente, domina a parte da Pastoral do Arcebispo do Rio de Janeiro referente a problemas sociais.

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Foi precisamente a mesma tendência que S. Excia. Revma. manifestou em boa hora à imprensa, em entrevista que lhe concedeu. Mas um jornalista desta capital, aliás dos mais espirituosos e talentosos, deu a algumas das palavras de S. Excia Revma. uma interpretação que devemos desfazer.

Mostrou-se o jornalista em questão surpreso com a declaração de S. Excia Revma. de que "quanto mais destituído o indivíduo, mais difícil lhe será conservar-se no reto caminho da prática do bem". As palavras são do jornalista daí deduz que o ilustre Antístite entenderia  que quanto mais rico o indivíduo, tanto mais fácil a salvação. E que, portanto, se inteiramente pobre ele seria inteiramente incapaz de guardar a virtude.

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O princípio é verdadeiro. A extrema pobreza é circunstância que, ao geral dos homens, causa manifesta dificuldade de condições de vida. E esta dificuldade naturalmente desperta a inclinação de lançar mão de meios ilícitos para facilitar a vida.

Daí não se deve deduzir, entretanto, que para os pobres e até para os miseráveis a virtude é impossível. Deus dá graças conforme as dificuldades. Deus não pode abandonar no caminho da virtude precisamente aqueles que mais sofrem. E por isto a História da Igreja está cheia de admiráveis figuras de pobres que se santificaram por sua própria pobreza. Aquilo que, de si, teria sido meio de perdição, é transformado pela graça de Deus e livre cooperação do homem em admirável meio de santificação e de vitória.

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É igualmente errada a idéia de que quanto mais rico o homem, tanto mais fácil sua salvação. Esta conseqüência não se encontra de modo algum nas palavras do ilustre Arcebispo do Rio de Janeiro.

De fato, a muita riqueza também constitui elemento que dificulta a salvação. Tendo ao seu alcance todos os meios para fazer da vida uma sucessão ininterrupta de prazeres; tendo por outro lado diante de si a miragem incessante dos prazeres ilícitos, o homem pode deixar-se levar mais facilmente do que se a modicidade de suas condições de existência só deixasse a seu alcance diversões menos empolgantes.

E, não obstante, a Igreja não condena a riqueza, mas apenas o desregramento a que se pode entregar o homem rico. E isto é de tal modo que em toda a História da Igreja há admiráveis figuras de Santos que souberam conservar-se incólumes no meio da maior opulência, fazendo de seu dinheiro e de sua situação social um meio para espalhar em torno de si esmolas e bons exemplos, pregando por sua vida o mais exemplar desprendimento de tudo quanto é ilícito.

A Igreja entende que as muitas riquezas constituem em si um perigo. Mas um perigo que, com a graça de Deus, e a livre correspondência da vontade humana, pode ser vencido pelo homem. E Deus certamente assiste com graças especiais os ricos que sua Providência encarrega de viver na opulência para edificação da sociedade e alívio da miséria dos pobres.

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Tudo isto lembra uma prece da Escritura, em que se pede a Deus uma mediania de condições que, igualmente livre dos perigos da miséria e da opulência, mais concorra para adestrar a alma no serviço de Deus.

Mas - e aí vem o essencial - lembremo-nos sempre de que pela doutrina católica o muito, o pouco ou o nenhum dinheiro são apenas circunstâncias mais ou menos favoráveis à salvação, possíveis em todos os estados e situações da vida, porque não é nem a pobreza nem a riqueza que faz o homem virtuoso. A virtude no verdadeiro católico vem da graça de Deus, correspondida pelo livre arbítrio humano.