Legionário, N.º 647, 31 de dezembro de 1944

7 DIAS EM REVISTA

Da agência N.C., destacamos a seguinte notícia: - "A Agência soviética Tass anunciou o estabelecimento de uma Associação Unida de Evangélicos Cristãos e Batistas na União Soviética. A associação foi constituída em uma assembléia em que participaram 45 delegados das comunidades evangélicas cristãs e batistas de Moscou, Leningrado, Ucrânia, região bielo-russa, Cáucaso, Sibéria, Vale do Volga, Criméia e Kazakistão. O órgão principal da nova associação religiosa estará constituído por um conselho cuja jurisdição se estenderá a todas as comunidades evangélicas e batistas da União Soviética." O despacho da N.C., acrescenta os nomes dos "dirigentes notáveis e populares" que superintenderão o movimento.

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Manifestamente, esta medida nos informa de mais um "recuo" do ateísmo oficial soviético. Não só ficamos sabendo que naquele país declaradamente ateu havia uma vasta rede de organizações protestantes funcionando com conhecimento - e portanto com placet - das autoridades; mas vemos que essas organizações se federam para constituir um órgão central, numa atmosfera de visível simpatia dos elementos governamentais.

À primeira vista surge a grande esperança: essa nova atitude não poderá justificar o estabelecimento regular de uma hierarquia católica na Rússia?

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Oxalá que sim. Mas reflitamos. Os protestantes praticam o livre-exame. Logo, podem interpretar a Bíblia à sua vontade. E, como eles possuem a arte de martirizar e atormentar os textos escriturísticos por mil exegeses artificiosas, até extorquir deles o que bem entendam, podem chegar à conclusão que o regime político-social russo é propriamente evangélico. Assim, o camarada Stalin, em lugar de ser o Bajazet ou o Átila de nossos dias, seria um cândido e generoso realizador da ordem social cristã. Porque a ordem cristã deixaria de ser o que sempre se entendeu por tal, para ser o que Stalin quiser.

Assim, a penetração protestante na URSS não constitui preocupação séria para o governo soviético. Os dirigentes soviéticos sabem que o protestantismo, desde seus primeiros dias, tornou-se especialista na arte sutil de agradar o poder temporal...

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Com os cismáticos, idem. Toda a hierarquia cismática já está constituída. Os Bispos, arquimandritas, popes, são elementos de confiança de Stalin. Um deles, ao que parece, trabalhou na propaganda da secção dos "sem Deus" do governo soviético. Mas desde que o governo mudou de política religiosa ele mudou de funções. Aprendeu um pouco de cerimonial, mandou fazer uma batina... e é bispo ou pope. Já antes da guerra, os cismáticos estavam muito divididos, e viviam em regime de prático livre-exame. Sua tendência para se aproximar dos protestantes é acentuadíssima. Eles também aceitarão a doutrina social que Stalin quiser.

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E os católicos? A coisa aí é outra. Temos autoridades nomeadas por Roma. Pode-se imaginar de que "contraproducência" terrível serão em Roma as "recomendações" de Stalin a favor deste ou daquele candidato ao Episcopado.

Temos uma doutrina fixa. Esta doutrina é irreconciliavelmente anticomunista, anti-socialista. Cada católico é um inimigo nato do socialismo e do comunismo. Cada cerimônia religiosa, tornando os católicos mais católicos, torná-los-á mais inimigos da ordem política e social vigente na Rússia. Que reconciliação poderá haver entre a Igreja e o governo soviético? No fundo, nenhuma.

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O que isto quer dizer? Os sovietes deixarão liberdade de propaganda aos católicos na Rússia. Aceitaremos certamente esta liberdade. Cada partido procurará tirar disto seu proveito. Os católicos trabalharão para destruir o mais rapidamente possível o socialismo. Os comunistas procurarão fazer propaganda no mundo inteiro, provando que "não são contra a Religião". Tudo depende da agilidade dos católicos. Se, no mundo inteiro, soubermos não acreditar na mentira e combater com igual tenacidade o comunismo, ele só terá a perder com a liberdade que nos outorgar na Rússia. Se, pelo contrário, formos ingênuos, ele só terá a ganhar.

Nesta terrível partida, depende tudo de nossa perspicácia, ou em outros termos, do ardor, do entusiasmo com que se é de Roma contra o socialismo, apesar de todas as sutilezas e maquinações dos ursos vermelhos de Moscou.