Legionário, N.º 794, 26 de outubro de 1947

7 Dias em Revista

Não podemos deixar de aplaudir o gesto do Itamarati rompendo relações com a URSS. Quando estas se estabeleceram, mostramos que nada as motivava. Tínhamos com a Rússia imperial um contato cultural e econômico longínquo, indeciso e desinteressado. Nestes últimos 30 anos, nada ocorreu que originasse, entre aquele país e o nosso, relações sadias e bem intencionadas mais intensas. Pelo contrário, tendo a III Internacional tomado de assalto a Rússia depois da queda do czarismo, aquele desditoso país perdeu toda a verdadeira independência, transformando-se em mero instrumento de uma cáfila de revolucionários internacionais. Em relação a estes, "tudo nos separava, e nada nos unia". O Brasil cessou, portanto, depois de 1917, de manter relações com as novas autoridades "russas". Correram assim as coisas, sem o menor prejuízo cultural ou econômico para nós, e com evidente vantagem para nossa tranqüilidade doméstica, até 1946. Foi nesse ano que as relações entre o Brasil e a "Rússia" - de fato, dissemos, a Rússia autêntica não é senão um cadáver agitado como um imenso fantoche pelos exploradores da  III Internacional – se reataram. Nessa ocasião, acentuamos a inteira inoportunidade deste gesto do Itamarati. Os fatos acabam de demostrar que tínhamos razão.

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Por quê? Ninguém se iluda com os motivos do indisfarçável  contentamento com que o Brasil recebeu a ruptura. Indiscutivelmente, concorreu para isto o sentimento do brio nacional agravado com as injúrias feitas ao chefe do Estado, e com as insolências sem precedentes que caracterizaram o procedimento soviético ante nosso protesto. Mas houve mais. Houve um alívio geral, um desafogo evidente. Este desafogo se tornará maior no momento em que o indivíduo ambíguo e mal encarado que representava entre nós o governo "russo" tiver acabado de aprontar suas malas e retornar a seu país. É que ninguém, no Brasil, se sentia tranqüilo com a presença de uma delegação soviética tramando em nosso território, abrigada por nossa ingênua hospitalidade, e protegida pelas garantias e imunidades diplomáticas.

Sem dúvida alguma, o acontecimento - a subversão de nossas instituições. Não apareceu à luz um só documento provando concretamente a atividade subversiva da embaixada soviética. E, contudo, ninguém duvidava nem duvida dessa atividade.

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Por quê? As declarações do ex-capitão Prestes na Câmara dos Deputados já demonstraram à saciedade que o Partido Comunista Brasileiro obedece às ordens provenientes de Moscou. No mundo inteiro, a mesma acusação se levanta contra as outras sessões do PC. Na França, o General De Gaulle emprestou a esta acusação o prestígio de sua autoridade, de seu nome, de sua influência. A votação do povo francês acaba de demonstrar que esta acusação pareceu verossímil à maioria dos eleitores. Nos Estados Unidos, as investigações sem fim, movidas nos mais diversos setores da sociedade, mostram a todo o  momento que as atividades comunistas estavam presas ao Kremlin por todos os cordéis. A recente "restauração" da III Internacional  tornou a bem dizer oficial a sujeição dos PCs do mundo inteiro a Moscou. Depois disto, como não admitir que o representante de Stalin entre nós haveria de manter um contato de todos os momentos com os chefes comunistas, e que estaria encarregado de proteger de todos os modos, de orientar e de dirigir a conspirata comunista no Brasil?

Todas estas coisas são evidentes para todos os elementos de bom senso, que analisam os fatos a frio, e sem sutilezas sofísticas. E, por isto mesmo, exceção feita dos comunistas, e de alguns intelectualóides perdidos em distinções e sub-distinções parecidas com as dos estadistas bizantinos nas vésperas da queda de Constantinopla, ninguém no Brasil deixou de se regozijar com a ruptura das relações entre nosso país e a "Rússia".

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Isto tanto mais se confirma, quanto os jornais acabam de publicar que está anunciada para breve a reunião dos representantes comunistas dos países da América do Sul, em Montevidéu, destinada a lutar contra a política de solidariedade das nações latino-americanas com os EE.UU.

Evidentemente, a reunião de Montevidéu não será senão uma reedição da de Varsóvia. Congregar-se-ão na capital uruguaia os representantes de todas as correntes comunistas desta parte do globo. É uma seção latino-americana da III Internacional que se vai reunir. E o fará para levar a cabo uma das obras em que mais estão empenhados os sovietes: cindir as Américas, enfraquecendo assim a política americana de resistência ao comunismo.

Pode haver algo de mais significativo?

Enquanto estas coisas se passam em nosso continente, na Europa não ocorrem de modo diverso. Gradualmente, vão dando sua adesão à reunião de Varsóvia os vários Partidos Comunistas que ainda não o tinham feito. Na semana passada, o secretariado central do PC italiano com sede em Roma publicou um comunicado anunciando que aderia a todas as decisões tomadas na antiga capital polonesa.

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Já que falamos de assuntos italianos, não queremos deixar de frisar uma incoerência em que caíram os liberais daquele país. Até agora a maioria do parlamento ainda não decidiu a cassação do mandato dos comunistas, e o fechamento do PC, a despeito da evidente subordinação dessa corrente a poderes estrangeiros: tem medo de ofender os princípios básicos da democracia.

Paradoxalmente, porém, o Parlamento italiano acaba de proibir o Rei Vitor Emanuel, o Rei Humberto, e respectivas famílias, de residirem na Itália. Como explicar tanta indulgência para com os escravos de uma potência estrangeira que tramam, de norte a sul da península, a subversão de todas as instituições políticas e sociais, e a extinção da soberania nacional, e tanta severidade em relação aos chefes da família mais antiga e mais tradicional da Itália?

Dir-se-á que existe o risco de que os antigos soberanos preparem a queda do regime. E o risco do comunismo não é muito mais iminente, e sobretudo mais profundo? Não é mais fácil fiscalizar dois homens, duas famílias, do que um Partido inteiro?

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Falamos de reis. Lamentamos que o Rei Jorge VI tenha tido a fraqueza de incluir na Fala do Trono a sugestão socialista de se limitarem os poderes da câmara dos Lords. Essa Câmara funcionava como um freio da demagogia tão freqüente nos regimes democráticos. Limitar seus poderes implica deixar a Inglaterra inerme ante as investidas socialistas. Por isto, e só por isto, deseja o atual gabinete reduzir o poder da Câmara Alta. Mas, como esse poder já foi muito reduzido em ocasiões anteriores, o que daí resulta com toda a clareza é que a Câmara dos Lords, com a atual "reforma", deixará de existir.

Assim, o Rei apunhá-la sua nobreza. E a Coroa ficará desprotegida. No dia em que se propuser no Parlamento a extinção da monarquia, não haverá mais uma Câmara Alta que proteja o Trono...

São as conseqüências fatais da fraqueza e da incoerência.