Legionário, N.º 797, 16 de novembro de 1947

7 Dias em Revista

O fato mais importante do noticiário político internacional foi sem dúvida a entrevista coletiva concedida à imprensa pelo general De Gaulle. A situação em que o grande cabo militar francês falou não lhe era nada propícia. Depois de ser elevado claramente pelo sufrágio popular apurado nas eleições municipais, à categoria de chefe da maior potência eleitoral francesa, ele ficou entretanto suspenso entre o céu e a terra pela atitude extravagante do Parlamento. Com efeito, se bem que a maioria governamental seja constituída por elementos que se dizem democráticos, e se bem que esses elementos, para se conservarem fiéis aos princípios da democracia, devessem pedir a dissolução da Câmara para nova consulta à opinião, nada disso fizeram, e continuam a governar como se não houvesse um RPF [Rassemblement du Peuple Français] e um De Gaulle sobre a face da terra. Para De Gaulle, a postura que lhe é assim imposta é um tanto ridícula. Ele fica do lado de fora, a pedir para entrar. Se se resigna indefinidamente a este papel, cai no ridículo que o provo francês percebe com mais rapidez e finura do que nenhum outro. Se arromba as portas, passa por uma edição francesa de Hitler. Como fazer?

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De Gaulle, em sua entrevista, fingiu não perceber o problema, e talvez tenha seguido com isto a tática mais hábil. Em lugar de criticar a atitude do governo Ramadier, que se obstina em não tomar conhecimento de sua vitória, De Gaulle lançou um programa construtivo de governo, com o que continua a afirmar suas pretensões ao poder, e ao mesmo tempo responde às críticas dos que o censuravam por não possuir programa propriamente positivo.

Como De Gaulle é hoje a maior potência política da França, e a França continua a ser a nação-chave das lutas ideológicas e intelectuais de porte mundial, daí resulta que a entrevista de De Gaulle tem uma repercussão mundial. Analisemo-la pois rapidamente.

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Como dissemos, De Gaulle não enunciou em sua entrevista qualquer crítica ao procedimento da maioria parlamentar. Mas, de passagem, não deixou de se referir aos vários partidos políticos, que qualificou de “estados maiores sem tropas, alguns grupos isolados ou melancólicos”, etc., cujas críticas ao RPF  “podem desde já ser comparadas a inócuas chibatadas no mar”.

Lendo estas palavras, é possível não pensar na indisciplina do eleitorado abstencionista em relação aos políticos do Brasil?

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Um dos aspectos simpáticos da entrevista está no projeto de De Gaulle, de instituir o voto secreto nos sindicatos. É um golpe sério na tirania exercida sobre o eleitorado operário, pelos agitadores da extrema-esquerda. Com efeito, toda a máquina do Partido Comunista vive de uma espécie de regime de terror criado no próprio seio da classe operária e dos sindicatos, onde ninguém ousa divergir dos vermelhos sob pena de ser qualificado de traidor, bandido, etc. O voto secreto dará ao eleitor operário a liberdade de escolher dirigentes sindicais mais conformes a seu gosto. E quebrará as garras do Partido Comunista.

Aliás, que argumento honesto podem aduzir contra isto os comunistas, que se jactam de zelosos paladinos da democracia?

Igualmente aplaudimos a linha de conduta de De Gaulle a respeito do comunismo. Ela continua correta, clara, compreensível, e consiste em uma intransigência absoluta.

As referências de De Gaulle ao Partido Conservador da Inglaterra são igualmente muito simpáticas.

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Contudo, gostaríamos que o general definisse melhor sua política em matéria social, ou que as agências telegráficas tivessem resumido menos e melhor as suas declarações neste assunto de importância vital.

Por exemplo, a despeito da participação dos operários agrícolas nos lucros dos patrões, suas declarações ficaram em generalidades. Em princípio, a participação dos lucros é excelente. Não se pode porém sustentar que o regime do mero salariado seja ilegítimo. Nem se pode sustentar que a participação possa ser imposta indiscriminadamente a todas as regiões de um país extenso e diferenciado como a França. Bom senso e padronização são termos que se excluem. O salariado, excelente para certas culturas, em certas épocas, em certas regiões, pode ser ruinoso em outras regiões, culturas, épocas, etc. O mesmo se pode dizer do regime da participação dos lucros. E aqui se situa o problema-chave: convém que o Estado imponha um ou outro regime? Ou será preferível deixar que ambas as partes, operários e patrões devidamente organizados, cheguem livremente a uma solução adequada a cada caso concreto?

Neste ponto o Sr. De Gaulle nada nos diz.

A mesma observação ocorre quanto as indústrias. De Gaulle se manifesta favorável a que várias delas revertam à iniciativa particular. Nada objetamos a isso, é evidente. Pelo contrário, somos anti-socialistas mais do que ninguém. Contudo, gostaríamos de conhecer até o fundo o pensamento do chefe do RPF. Por que é ele favorável à reversão de certas indústrias à iniciativa particular? Por uma questão de princípio? Neste caso bateríamos palmas. Por meras razões circunstanciais? Neste caso gostaríamos de conhecer seus princípios em matéria de tal importância. Mas infelizmente sobre isso De Gaulle - ou o resumo telegráfico de suas entrevistas - nada nos diz.

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Felizmente, o MRP está em franca decomposição. Na reunião realizada na semana passada por seu diretório central, manifestaram-se divergências fundamentais. Dos diretores, 15 se declararam contrários à colaboração com De Gaulle, e 14 a favor. A cisão é pois, funda e insofismável, e essa corrente de tendência católica – cujos “líderes” eram unânimes na colaboração com o comunismo, não consegue manter a unanimidade quando se trata de colaborar com o paladino do anticomunismo! Misterioso abismo de contradição no qual o MRP parece estar afundando todo inteiro.

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Enquanto isto se dá na França, o Sr. De Gasperi bate no peito, na Itália, entoando o mea culpa com todos os tons.

Com efeito, os comunistas com que ele colaborou idilicamente nos dias remotos em que de mão comum com eles demolia a monarquia - estes comunistas tão inofensivos e simpáticos que com meros sorrisos podiam ser desarmados - estes comunistas desencadeiam pela Itália, de Nápoles a Milão e Turim, uma onda de agitações e de crimes para forçar o gabinete De Gasperi a renunciar.

Quanta e quanta vez, o Sr. De Gasperi terá pensado, nestes últimos dias, na fábula do homem que encontrou pelo caminho uma cobra enregelada e a aqueceu ao peito!

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Foi aprovada pela Câmara dos Comuns a lei referente à reforma da Câmara dos Lordes. Segundo esta reforma, a Câmara Alta fica reduzida a nada. Sua única função consistirá em adiar de um ano a execução das leis aprovadas pela Câmara dos Comuns, que não lhe agradem.

Vejamos se a Câmara dos Lordes aprova tal lei. Em outros termos, vejamos se ela evitará o suicídio ou não. É bem possível que não. Como é bem possível e até provável que o Rei aprove por sua vez esta lei.

A força das revoluções está principalmente na cegueira ou na fraqueza daqueles contra quem elas se fazem.

Uma Câmara dos Lordes de fibra, rejeitaria o projeto. Um Rei de fibra dissolveria a Câmara dos Comuns e convocaria novas eleições. Mas quando falta fibra àqueles que, por direito histórico, possuem a autoridade e a força, o que esperar?