Legionário, N.º 801, 14 de dezembro de 1947

7 Dias em Revista

Está debelada a crise francesa com a cessação das greves. Solução definitiva? Solução provisória? Quem o pode dizer? Evidentemente ninguém. O futuro da França, e em geral da Europa, continua nebuloso. Sem embargo disto, o desfecho da crise deixa entrever alguns aspectos interessantes da situação atual.

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Na realização do plano de greve, o Partido Comunista se utilizou de dois instrumentos diversos: os seus próprios membros; as classes trabalhadoras em geral, descontentes com a situação, mas em sua grande maioria filiadas a partidos outros que o comunista. Tendo fracassado a greve, será o caso de se indagar qual destes instrumentos é responsável pelo insucesso.

A resposta só pode ser uma: o operariado comunista como tal não parece ter fracassado, e a derrota proveio de que em dado momento as massas trabalhadoras não filiadas ao comunismo se cansaram da greve, e abandonaram seus companheiros comunistas.

Isto indica claramente que, se de um lado a massa trabalhadora não comunista é acessível a manobras demagógicas do PC visando para elas algumas vantagens realizáveis ou utópicas, de outro lado a influência comunista sobre estas massas é de curto fôlego, podendo quando muito exercer-se sobre elas em ocasiões excepcionalmente favoráveis e para campanhas rápidas de objetivos moderados, e nunca para campanhas longas capazes de chegar até a destruição da atual ordem de coisas.

Assim, pois, os dois desígnios mais próximos da greve não puderam ser alcançados: nem o Governo se deixou intimidar, nem as massas prolongaram tanto a parede que se chegasse a dissolver toda a organização social.

Esta conduta das massas era de se esperar. As últimas eleições puseram à mostra a ojeriza dos franceses contra o comunismo. Desde que os operários verificassem que estavam lutando, na realidade, não pela alta dos salários, mas pela vitória de Moscou, abandonaram a greve. E o PC se viu obrigado a ceder.

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Evidentemente, tudo isto veio demonstrar que o comunismo, considerado exclusivamente enquanto uma corrente francesa de opinião, é incapaz de dominar a França neste momento. O perigo comunista só pode ter - na origem das hipóteses próximas - um aspecto na política francesa: é a invasão russa, com o apoio do PC francês.

Esta verificação tem para a política francesa uma conseqüência gravíssima. A Rússia para bolchevizar a França e daí se expandir para a  Itália, fica reduzida a uma guerra em grande estilo. Não há para ela a menor possibilidade de triunfar por processos eleitorais e democráticos. Um golpe de estado comunista também parece difícil de executar. Isto tudo acaba por se resumir na seguinte alternativa:

a) ou a Rússia renuncia a se expandir na Europa;

b) ou tão cedo quanto possível, ela se atirará sobre a França.

Ninguém pode levar a sério a primeira hipótese. Fica de pé, portanto, apenas a segunda.

Não quer isto dizer que a Rússia ataque a França logo. Pelo contrário, parece-nos que só dentro de alguns anos o fará. Mas de tudo quanto ficou dito se depreende que no programa russo a solução-chave, da qual todas as outras dependem, é evidentemente a conquista da França. De onde se segue que a França se organiza desde logo para fazer face à invasão. Por uma reciprocidade de efeitos muito explicável, para a França a questão chave consiste agora em se preparar contra o ataque russo.

Ora, a preparação não se faz apenas no terreno militar, mas ainda no político. É preciso desde logo evitar qualquer colaboração de franceses com o invasor. A França conheceu, na dura experiência de 1939, quanto custam as complacências e as ingenuidades para com as quintas-colunas. Isto posto, os franceses só darão seu apoio a um governo capaz de debelar o Partido Comunista. Dos grupos capazes de inspirar a este respeito uma certa confiança, só dois são viáveis, o RPF e o MRP. Na política interna da França tudo se cifra, pois, em um páreo entre uma corrente e outra, a saber qual delas demonstrará mais êxito no reprimir o comunismo.

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Se o autor destas linhas tivesse a suprema desgraça de ser comunista, cuidaria desde logo de saber qual o mal menor para seu partido, se a ascensão dos letrados e dos políticos de gabinete do MRP, simpáticos ainda ontem à colaboração com os comunistas, ou dos militares, dos aristocratas, dos burgueses, dos católicos que apoiam o RPF e que foram sempre partidários de uma política à outrance contra o comunismo.

A resposta não pode deixar de ser a favor do MRP. Para não morrer, deve o MRP atender às injunções da opinião pública e combater o comunismo. Mas ele não pode romper de um momento para outro com o que era a medula de sua doutrina, ou seja, o colaboracionismo com os comunistas. E, assim, tudo indica que seu ataque ao comunismo será menos enérgico e menos total do que o ataque de De Gaulle.

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Isto posto, o que faria o autor destas linhas? Trataria de persuadir aos franceses que o MRP é de uma eficácia absoluta na repressão ao comunismo. Com isto, os franceses provavelmente não chegariam a levar ao poder o general De Gaulle, cujo poder pessoal lhes causa medo. Como chegar a este resultado? É tão simples! Bastaria fazer uma grande greve, e depois ir “cedendo” aos poucos diante da pressão do governo composto por membros do MRP. Ficaria “demonstrado” que as massas não obedecem cegamente ao Partido, e que este não poderia tomar conta do país por via legal, nem por um golpe militar. Para que então dissolver o partido? Verificada a inutilidade de se dissolver o Partido, este continuaria a viver à luz do dia, preparando comodamente a sabotagem e a traição.

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Poderia a Rússia desejar algo de melhor?  E quem sabe se foi isto que sucedeu?  É cedo, e muito cedo para se fazer qualquer afirmativa, mas a hipótese aqui fica.