Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

7 Dias em Revista

 

 

 

 

 

Legionário, N.º 634, 1º de outubro de 1944

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Publicou-se na semana pp., em Londres, um documento de origem governamental, intitulado "Carta da Vitória", que contém um projeto de legislação social para a Inglaterra de pós-guerra. Não propriamente para que a Inglaterra enfrente as dificuldades anormais que, durante os próximos anos, ainda se farão sentir em conseqüência da guerra. Mas para que ela se organize segundo moldes reputados mais humanos.

Este projeto se inspira na preocupação de evitar que, daqui por diante, qualquer cidadão inglês se veja vítima de infortúnios materiais: mediante o pagamento de certa quantia mensal, todos os ingleses terão direito à nutrição, agasalho, assistência médica, ainda em caso de moléstia, acidente ou desemprego. Assim, o ideal do plano consiste em que não haja mais indigentes na Inglaterra.

Considerada deste ângulo, a "Carta da Vitória" não poderia ser mais simpática, máxime para católicos. O católico, por essência, por natureza, quase diríamos "a priori", é favorável caridade. É o que está nos primeiros impulsos de seu coração plasmado segundo o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, no mais profundo de sua personalidade enobrecida e resgatada pelo Sangue do próprio Cristo.

Mas a Igreja, mestra suprema da caridade, é ao mesmo tempo infalível mestra da sabedoria. A própria caridade exige que sejamos realistas, que não apoiemos sobre quimeras planos sociais de que depende o bem estar de inumeráveis multidões, que não prejudiquemos, com ilusões generosas, mas temerárias, esforços dignos da melhor sorte. Vejamos, pois, o que de modo muito geral se deve dizer da "Carta da Vitória".

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Em primeiro lugar, que no ardor de sua generosidade, ela visa um fim inatingível. É certamente possível melhorar a situação do operariado contemporâneo e ninguém o deseja tão ardentemente quanto a Igreja. Mas é preciso não alimentar a ilusão de que com isto se evitará a existência de pobres. "Pauperes semper habetis vobiscum", diz a Escritura. Tê-lo-emos sempre conosco, por uma iniludível contingência de nossa natureza decaída, tê-lo-emos, não como espantalhos sinistros, nem como inimigos, mas como irmãos sofredores a quem franquearemos os tesouros de nossa bolsa e de nosso afeto. Mas, enfim, tê-los-emos sempre.

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E o plano não consegue evitar isto. Se um trabalhador - um copeiro de hotel, digamos - for preguiçoso, ele terá meios de viver desempregado, e de auferir durante essas "férias" os proveitos do plano, que lhe advirão do trabalho honrado de seu colega. Um copeiro relaxado é muito pior do que um elemento simplesmente inútil: ele é nocivo, pode produzir sérios prejuízos, em um "restaurant" pequeno ocasionar a ruína do estabelecimento. Ora, pergunta-se, que medida vai tomar o Estado para impedir que as comodidades do desemprego sejam estímulo para que os operários de toda espécie trabalhem mal? Evidentemente, se não quiser que o plano fracasse, ele deverá impor punições. Que punições? Em consequência de que papelada, de que despesas, de que inquéritos, de quanta perda de tempo para o empregado e o patrão? Só de o calcular, sentimos dor de cabeça...

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Mas prossigamos. Provavelmente, os impenitentes, os incorrigíveis, serão obrigados pelo Estado a trabalhar em obras públicas, compulsoriamente. Não há outro remédio. Passemos agora da classe dos copeiros para outra, digamos a dos artistas de toda espécie, desde os músicos, até as "brodeuses", os técnicos da confecção de mostruários ornamentais, decoração doméstica, etc., etc. Muita e muita vez, esses profissionais perderão o emprego, não porque lhes falte aptidão, mas por serem verdadeiros inovadores, que rompem com rotinas, estraçalham realizações de mau gosto, investem contra tabus intangíveis. Por isto, perseverante em sua arte, rolando como aparentes vagabundos de lugar em lugar, de estabelecimento em estabelecimento, irão desenvolvendo na prática do "métier" suas habilidades, irão dissolvendo preconceitos, amolecendo resistências, até chegar ao termo vitorioso de sua carreira. A regulamentação legal da "Carta da Vitória" terá de acabar com tudo isto. Será necessário impor penalidades a quem for despedido por incompetência. E "incompetência", neste assunto, significaria apenas incompatibilidade com os conceitos artísticos dos veneráveis bonzos dos órgãos oficiais. Exemplos como estes se multiplicariam às dezenas.

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O que se deduz daí? Que a "Carta da Vitória" será excelente, se o povo inglês, cujo bom senso é de uma solidez férrea, souber aceitar-lhe alguns dos dispositivos, sem contudo a aceitar "in totum". Na sua extensão total, a "Carta da Vitória" não seria senão socialismo avançado. E o socialismo, contrário ao direito natural, é por isto mesmo incompatível com os verdadeiros interesses dos povos e produz conseqüências sociais funestas. É a Igreja que o diz - pela voz de Leão XIII e de Pio XI.

É preciso evitar que pela preocupação de evitar qualquer desgraça, se caia no extremo oposto, de constituir uma classe de parias, os operários cujo mérito os organismos oficiais, rígidos, hirtos por natureza, não saberão nem compreender nem aproveitar.

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Insistindo fortemente sobre a importância da "questão árabe", para o mundo de amanhã, o LEGIONÁRIO, órgão católico - isto é universal - e por isto mesmo simpático a todos os povos que Deus criou, não é movido senão pelo zelo da fé. Não temos a menor hostilidade para com os árabes, como tais. Receamos, entretanto, que sua crescente influência eleve consequentemente a influência do Islã.

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Isto posto registramos mais um passo dado pelo ideal Pan-árabe. O Sr. Nahas Pachá, primeiro ministro do Egito, falando ao rádio por motivo da inauguração da Conferência Pan-árabe em Alexandria, declarou que “o projeto da união árabe passou o seu primeiro estágio consultivo. Chegamos agora ao segundo estágio: ao da comissão preparatória. O terceiro estágio será o da reunião do Congresso árabe”. Neste dia, reformar-se-á às portas da Europa, debilitada e semi-descristianizada, um "perigo árabe" igual ou maior do que o dos tempos de São Pio V e da batalha de Lepanto.


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