O “Osservatore Romano” é contrário ao trabalho

de crianças como atores

 

 

 

 

 

Legionário, 20 de agosto de 1939, N. 362, pag. 5

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Atualmente a cinematografia não é mais, como há alguns decênios, um refúgio dos fracassados que buscavam na tela a felicidade efêmera de uma glória fácil. Hoje, a profissão de ator requer qualidades e sacrifícios que só mesmo conseguem os que possuem vocação. O artista consciencioso de seu papel, quer seja ele de primeiro ou de último plano, deve preocupar-se com inúmeros problemas desconhecidos há alguns anos. O aperfeiçoamento das máquinas não permite mais movimentos falsos, gestos descabidos ou exagerados, os ruídos desnecessários, as expressões bastardas que os aparelhos antigos não registravam. Hoje, na sua precisão matemática, nada escapa aos registradores do som e do movimento. Não se trata de obter um determinado “efeito” numa cena, mas de tornar a interpretação de qualquer estado psicológico o mais real possível, com tal potência artística que se torne tão convincentemente como a própria realidade.

Norma fundamental da arte é “choras se queres fazer chorar” e o ator deve saber dominar do modo mais absoluto o seu próprio estado de espírito para viver com comovente sinceridade o estado de espírito do personagem que encarna. Se se pensa, pois, que o ator pode, em curto tempo, rir e chorar, amar e odiar, comete-se um grande erro. Os estados psíquicos do homem não se modificam com a mesma facilidade com que ele troca de roupa. Para abandonar a sua própria personalidade, o seu próprio estado de alma e se revestir da personalidade alheia é necessário acurado estudo e prolongado esforço. E desde que o ator não “viva” intensamente o seu papel, não encarne a alma mesma de seu personagem, não consegue impressionar as plateias. Para que se estabeleça essa ligação entre o ator e o espectador, essa identidade de emoções entre ambos, que assegure o êxito de uma representação, é preciso que o ator esqueça a sua própria existência para criar um novo ser e que esse novo ser tenha o mesmo comovente halo vivificador da própria realidade.

Além de todas essas qualidades, os artistas cinematográficos devem possuir boa dose de paciência e não pequena resistência física para suportar as extenuantes horas em que tem de posar para a objetiva, debaixo de poderosíssimos refletores, sujeitos a ter de recomeçar todo o trabalho por causa de um erro insignificante.

Será possível encontrar tudo isso numa criança ou num adolescente? É bem difícil. A criança não tem ainda a cobiça aguçada dos adultos que os faz padecer todos os sacrifícios para satisfazer a vaidade. O espírito infantil é irrequieto, não suporta as horas a fio de ensaio e de trabalho, diante das câmeras. Obrigar a criança a conter-se por tanto tempo é roubar-lhe a livre expansão dos sentimentos. Fazê-la esquecer a sua personalidade para incarnar a de outrem com a veracidade que as plateias cada vez mais exigentes requerem, é submetê-la a exaustiva prova mental que pode acarretar gravíssimas perturbações psíquicas. Discipliná-la a ponto de só lhe permitir movimentos adrede preparados, palavras cujo sentido algumas vezes desconhece ou não compreende integralmente, impor-lhe situações que ela nunca enfrentou na vida é exigir dela mais do que pode dar. É colocar um corpo adolescente numa alma madura. É a maioridade mental antes da maioridade física.

Os trabalhos de ensaio e de representação tiram à criança horas que deviam ser dedicadas ao estudo e aos brinquedos próprios da idade e estes lhe são indispensáveis. Imaginemos uma criança que vá de manhã à escola e de tarde ao estúdio. Que tempo terá para os divertimentos e para o preparo das lições? Que tempo terá para o convívio com os pais? Nada mais indispensável à criança que o convívio com a mãe que lhe incute os princípios morais e vela-lhe pelo desenvolvimento harmônico das faculdades. Afastar a criança do lar é o mesmo que negar o ninho à ave implume. Sem os cuidados dos pais não sobreviverá e se sobrevivesse não aprenderia a voar.

Poder-se-ia objetar que os filmes de crianças são, via de regra, menos imorais que os outros. É uma verdade. As fitas infantis prejudicariam muito menos a moral popular. Mas, pergunto, para o bem dos homens de hoje, dever-se-iam sacrificar os homens de amanhã?


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