1. TFP chilena no exílio. Outras TFPs promovem campanhas
A TFP chilena percebeu muito bem que, se ela ficasse
em território chileno, cairia nas mãos de Allende e entraria debaixo das
perseguições policialescas*.
* Essa perspectiva
era tanto mais verossímil quanto corria na Justiça um processo aberto pela
Fiscalia (Promotoria) do Estado contra os dirigentes da TFP chilena
por supostas injúrias ao ex-Presidente Eduardo Frei, no fim do seu
mandato.
Então, a maior parte dos seus membros passou para o
exterior e começou a promover, a partir do exílio, uma campanha
sistemática de esclarecimento sobre o que estava sendo o governo Allende [18].
* *
*
Nós também organizamos no Brasil, e as outras TFPs em
toda a América do Sul, manifestações de rua vigorosas denunciando Allende,
denunciando o papel de Kerensky de Eduardo Frei.
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Após a
Missa celebrada por D. Antonio de Castro Mayer, na Igreja de Santo
Antonio, em São Paulo, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira faz o
lançamento da campanha de esclarecimento da opinião brasileira sobre
a vitória do candidato marxista no Chile. A seu lado, Fabio Vidigal
Xavier da Silveira, autor do best-seller "Frei, o Kerensky chileno"
e a deputada Dulce Salles Cunha Braga. |
Em nossos desfiles de ruas eram distribuídos
folhetos, e bradávamos o slogan: Pelo Chile país irmão: luto, luta e
oração [19].
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“Pelo Chile,
país irmão: luto, luta e oração”
A TFP iniciou a campanha de alerta sobre a vitória do
marxismo no Chile com um desfile no Viaduto do Chá, no centro de São
Paulo. |
Do livro de Fábio Xavier da Silveira, reeditado,
foram vendidos em 8 dias, 4.319 exemplares. Do artigo que publiquei na Folha de S. Paulo, intitulado
Toda a verdade sobre as eleições no
Chile, em igual período foram distribuídos, em avulso, cerca de 325
mil exemplares.
A oposição esteve ativa nas ruas: comunistóides e
jovens fanatizados pelo Clero progressista, com mil perguntinhas,
objeçõezinhas e debiques, tentavam interromper nosso trabalho.
Um ou outro, agrediu até com violência. Assim, um
tipo, em Porto Alegre - eu melhor
diria, um assassino em germe -
atirou contra os nossos um paralelepípedo de rua. Naturalmente, esse
"valente" ficou covardemente anônimo [20].
2. Surpreendente ataque de Dom Eugenio Sales
Quando estávamos em plena luta por demolir os maus
efeitos da vitória de Allende, desencadeou-se contra nossa entidade um
verdadeiro tufão.
Esquerdistas, "sapos", jornalismo
sensacionalista, tudo - numa
orquestração perfeita - se moveu
contra nós.
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A
solidariedade não fica só nas palavras: o Senhor Cardeal D. Eugênio
Sales, Primaz do Brasil, e D. Helder Câmara – o “Arcebispo Vermelho”
– se abraçam |
De repente, novo tiro. Era S. Emcia. o Cardeal
Eugênio Sales que fazia contra a TFP um pronunciamento visando demoli-la
no conceito dos brasileiros.
Os historiadores que de futuro tratarem do episódio
se perguntarão por que S. Emcia. escolheu precisamente aquele momento, não
só para atacar rudemente a TFP, como para disparar numa fogosa apologia de
Dom Helder.
Em seu documento, o Sr. Cardeal Sales, depois de
rasgados elogios ao Arcebispo Vermelho, chegava a dizer que a onda de
desconfiança do País a respeito de Dom Helder importava em um movimento de
ataque à própria Igreja. O que constituía da parte do Purpurado uma clara
tentativa de deter toda a reação do País contra os desmandos de pensamento
e de linguagem do Arcebispo de Olinda e Recife [21].
Na parte que continha um formal ataque à TFP,
declarava Sua Eminência que os católicos deviam estar "alertas [...] com o movimento denominado Tradição, Família e Propriedade".
A razão alegada explicitamente era só esta: porque
tal movimento "não conta com a aprovação e qualquer apoio desta
Arquidiocese".
A explicação não poderia ser mais sibilina. Pois de
um lado ela fazia entender que a Sociedade não pediu licença a Sua
Eminência para se instalar na Bahia. Mas omitia dizer que, entidade cívica
que era, falando sempre em nome próprio e jamais no da Hierarquia, a TFP —
segundo a lei canônica — não precisava de tal licença. E que, assim, o
simples fato de não termos a licença de Sua Eminência, não era razão para
que alguém se alertasse contra nós.
Sua Eminência alegava que não tínhamos sua licença. E
sabia entretanto que as leis da Igreja nos davam o direito de existir sem
ela [22].
Daí nossa respeitosa mas firme mensagem ao Cardeal
Sales*.
* Nesta mensagem,
Dr. Plinio entre outras coisas dizia que era fácil perceber tudo quanto
unia o Cardeal-Primaz ao pensamento e à obra de Dom Helder, e impossível
discernir o que realmente o separava dele. Não obteve resposta.
O documento, datado
de 5 de outubro de 1970, tomou o título:
Carta aberta da TFP ao Cardeal
Dom Eugênio Sales - Análise, defesa e pedido de diálogo. Foi publicado
em primeira mão na Folha de S. Paulo de 9 de outubro de 1970, e
depois reproduzido em diversos órgãos de imprensa do País, inclusive em A Tarde, de Salvador-BA, em 22 de outubro de 1970 e
Catolicismo
n° 239, de novembro de 1970.
3. Declarações de Dom Sigaud, surpresa maior
Maior ainda será o embaraço dos historiadores quando
tiverem de explicar por que o Sr. Dom Geraldo Sigaud, Arcebispo de
Diamantina
- a quem o Brasil
devia inegáveis serviços na luta contra o comunismo
- escolheu o mesmíssimo momento
para, por sua vez, atacar a TFP.
Não poderia S. Excia. ter pelo menos esperado alguns
dias, até que a campanha chegasse a seu final? E, se tivesse tanta
urgência em nos atacar, por que pelo menos não disse palavra que
significasse compreensão, apoio, aplauso à campanha que vínhamos
desenvolvendo?* [23]
* As notícias
diziam que, após ser recebido em audiência pelo Presidente Médici, Dom
Sigaud declarara que a TFP havia se afastado dele há mais de dois anos.
A cisão, dizia,
fora conseqüência de seu apoio à Reforma Agrária do governo, a qual ele
considerava justa e cristã, e à reforma litúrgica determinada pela Santa
Sé.
A notícia concluía
dizendo que, “embora lamentando a dissensão, asseverou que, por um
problema de consciência, não podia deixar de ajudar o governo ou ser
contra o Papa”.
O distanciamento de
um Prelado que, em épocas passadas, havia participado na luta cuja
amplitude e mérito este relato deixa claro, foi um episódio doloroso na
vida da TFP. O fato é que, a partir de certo momento, começou a se
processar um distanciamento entre Dom Sigaud de um lado, e de outro lado
Dom Antonio de Castro Mayer, Dr. Plinio e diretores e sócios da TFP.
Esse distanciamento
dizia respeito a questões doutrinárias referentes ao direito de
propriedade e a matérias concernentes à disciplina da Igreja. No jornal Estado de Minas, de Belo Horizonte, de 27 de abril de 1969, foi
publicada uma declaração de Dom Sigaud afirmando que “os métodos de
desapropriação instituídos através do Ato Institucional número 9”
criavam um “clima favorável à execução da reforma agrária”.
Esta afirmação
contrastava abertamente com toda a linha de pensamento em que, ao lado de
Dom Mayer e dele, Dr. Plinio e a TFP se assinalaram, lutando contra a
Reforma Agrária. Tal afirmação de Dom Sigaud causou estranheza na TFP, a
qual entretanto preferiu atribuí-la a algum lapso de imprensa. Dois dias
depois, outra declaração no mesmo sentido, publicada no Jornal do
Brasil, tornou necessário um contato da TFP com o Prelado. Dessa
missão foi encarregado um membro destacado da seção mineira da TFP.
Portador de uma
missiva respeitosa mas franca de Dr. Plinio sobre o assunto, foi ele a
Diamantina, onde manteve largo colóquio com o Prelado. Desse colóquio
resultou que Dom Geraldo Sigaud confirmou suas recentes declarações em
favor da Reforma Agrária. E assim se configurou o desfazimento de tão
antiga cooperação.
Dada a longa e
íntima colaboração com o Arcebispo de Diamantina, e a amizade e
consideração que este lhes merecera, Dr. Plinio e a TFP evitaram, tanto
quanto esteve em seus meios, dar a público esses fatos. Foi Dom Sigaud
quem tomou a iniciativa de o fazer, e em termos contundentes, afirmando
que os membros da TFP “já fizeram muito pelo Brasil, mas agora estão se
tornando prejudiciais” (cfr. Jornal do Brasil, 3/10/70).
O fato é que a
notícia desses ataques foi publicada com alarido nos jornais diários de
todo o País.
Em resposta, Dr.
Plinio redigiu o comunicado
Dom Geraldo Sigaud e a TFP, que foi
largamente distribuído no dia 7/10/70 à imprensa (cfr. Catolicismo n° 239, novembro de 1970). Nesse comunicado, a TFP frisava que nossa
posição face ao problema da Reforma Agrária estava consubstanciada no
livro Reforma Agrária—Questão de Consciência
e
Declaração do
Morro Alto, dos quais Dom Sigaud era signatário. E deplorava que o
ilustre Prelado tivesse mudado de opinião. Quanto à TFP, ela se conservava
inabalavelmente fiel à posição assumida, o que não tinha qualquer sentido
de oposição ao governo, mas vinha de um imperativo de consciência.
No que concerne às
reformas litúrgicas, o comunicado dizia ser bem certo que algumas
delas causaram perplexidade aos membros da TFP. E não só a eles, como a
Bispos e teólogos de valor, que as estavam estudando, e sobre elas
desejavam um diálogo esclarecedor.
Entretanto, a TFP
timbrava em afirmar que tal atitude não importa em qualquer transgressão
das leis da Igreja no tocante à submissão devida pelos fiéis ao Sumo
Pontífice.
(Diga-se de
passagem, aliás, que essa perplexidade era compartilhada por ponderáveis
correntes de opinião católica com a reforma litúrgica, e foi em grande
parte favoravelmente considerada e acolhida pelo Papa Bento XVI no Motu
Próprio Summorum Pontificum, de 7 de julho de 2007).
Quanto às causas
desse distanciamento, ficava dito que Dom Geraldo Sigaud tinha razão ao
afirmar que a Reforma Agrária e as reformas litúrgicas foram causas de
distanciamento entre ele e a TFP.
O Sr. Arcebispo de
Diamantina poderia ter acrescentado a estas uma terceira causa. É que, a
partir de 1969, S. Excia. começou a se manifestar favorável à abolição do
celibato eclesiástico, pelo menos em certos casos.
Essa mudança de
opinião lhe valeu, segundo consta, um abraço de felicitação de Dom Helder.
Pelo contrário, os membros da TFP se mantinham firmemente ao lado da
legislação canônica atual, que estabelece a necessidade do celibato na
Igreja latina para todos os clérigos.
Dada a consideração
que Dr. Plinio tinha em relação a Dom Geraldo de Proença Sigaud, bem como
à longa e íntima cooperação que com ele manteve, a TFP evitou quanto
esteve em seus meios dar a conhecimento público esses fatos. E fez isto
pesarosa, obrigada pela necessidade de impedir que pairasse qualquer
sombra de dúvida sobre a inteira correção de suas atitudes face às leis
civis e eclesiásticas.
NOTAS
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