Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Minha

 

Vida Pública

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Parte X

Livros e Campanhas de grande repercussão na década de 1970

 

Capítulo II

Atuação das TFPs durante o governo Allende — Atitudes inesperadas de dois Prelados

1. TFP chilena no exílio. Outras TFPs promovem campanhas

A TFP chilena percebeu muito bem que, se ela ficasse em território chileno, cairia nas mãos de Allende e entraria debaixo das perseguições policialescas*.

* Essa perspectiva era tanto mais verossímil quanto corria na Justiça um processo aberto pela Fiscalia (Promotoria) do Estado contra os dirigentes da TFP chilena por supostas injúrias ao ex-Presidente Eduardo Frei, no fim do seu mandato.

Então, a maior parte dos seus membros passou para o exterior e começou a promover, a partir do exílio, uma campanha sistemática de esclarecimento sobre o que estava sendo o governo Allende [18].

*   *   *

Nós também organizamos no Brasil, e as outras TFPs em toda a América do Sul, manifestações de rua vigorosas denunciando Allende, denunciando o papel de Kerensky de Eduardo Frei.

Após a Missa celebrada por D. Antonio de Castro Mayer, na Igreja de Santo Antonio, em São Paulo, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira faz o lançamento da campanha de esclarecimento da opinião brasileira sobre a vitória do candidato marxista no Chile. A seu lado, Fabio Vidigal Xavier da Silveira, autor do best-seller "Frei, o Kerensky chileno" e a deputada Dulce Salles Cunha Braga.

Em nossos desfiles de ruas eram distribuídos folhetos, e bradávamos o slogan: Pelo Chile país irmão: luto, luta e oração [19].

“Pelo Chile, país irmão: luto, luta e oração”

A TFP iniciou a campanha de alerta sobre a vitória do marxismo no Chile com um desfile no Viaduto do Chá, no centro de São Paulo.

Do livro de Fábio Xavier da Silveira, reeditado, foram vendidos em 8 dias, 4.319 exemplares. Do artigo que publiquei na Folha de S. Paulo, intitulado Toda a verdade sobre as eleições no Chile, em igual período foram distribuídos, em avulso, cerca de 325 mil exemplares.

A oposição esteve ativa nas ruas: comunistóides e jovens fanatizados pelo Clero progressista, com mil perguntinhas, objeçõezinhas e debiques, tentavam interromper nosso trabalho.

Um ou outro, agrediu até com violência. Assim, um tipo, em Porto Alegre - eu melhor diria, um assassino em germe - atirou contra os nossos um paralelepípedo de rua. Naturalmente, esse "valente" ficou covardemente anônimo [20].

2. Surpreendente ataque de Dom Eugenio Sales

Quando estávamos em plena luta por demolir os maus efeitos da vitória de Allende, desencadeou-se contra nossa entidade um verdadeiro tufão.

Esquerdistas, "sapos", jornalismo sensacionalista, tudo - numa orquestração perfeita - se moveu contra nós.

A solidariedade não fica só nas palavras: o Senhor Cardeal D. Eugênio Sales, Primaz do Brasil, e D. Helder Câmara – o “Arcebispo Vermelho” – se abraçam

De repente, novo tiro. Era S. Emcia. o Cardeal Eugênio Sales que fazia contra a TFP um pronunciamento visando demoli-la no conceito dos brasileiros.

Os historiadores que de futuro tratarem do episódio se perguntarão por que S. Emcia. escolheu precisamente aquele momento, não só para atacar rudemente a TFP, como para disparar numa fogosa apologia de Dom Helder.

Em seu documento, o Sr. Cardeal Sales, depois de rasgados elogios ao Arcebispo Vermelho, chegava a dizer que a onda de desconfiança do País a respeito de Dom Helder importava em um movimento de ataque à própria Igreja. O que constituía da parte do Purpurado uma clara tentativa de deter toda a reação do País contra os desmandos de pensamento e de linguagem do Arcebispo de Olinda e Recife [21].

Na parte que continha um formal ataque à TFP, declarava Sua Eminência que os católicos deviam estar "alertas [...] com o movimento denominado Tradição, Família e Propriedade".

A razão alegada explicitamente era só esta: porque tal movimento "não conta com a aprovação e qualquer apoio desta Arquidiocese".

A explicação não poderia ser mais sibilina. Pois de um lado ela fazia entender que a Sociedade não pediu licença a Sua Eminência para se instalar na Bahia. Mas omitia dizer que, entidade cívica que era, falando sempre em nome próprio e jamais no da Hierarquia, a TFP — segundo a lei canônica — não precisava de tal licença. E que, assim, o simples fato de não termos a licença de Sua Eminência, não era razão para que alguém se alertasse contra nós.

Sua Eminência alegava que não tínhamos sua licença. E sabia entretanto que as leis da Igreja nos davam o direito de existir sem ela [22].

Daí nossa respeitosa mas firme mensagem ao Cardeal Sales*.

* Nesta mensagem, Dr. Plinio entre outras coisas dizia que era fácil perceber tudo quanto unia o Cardeal-Primaz ao pensamento e à obra de Dom Helder, e impossível discernir o que realmente o separava dele. Não obteve resposta.

O documento, datado de 5 de outubro de 1970, tomou o título: Carta aberta da TFP ao Cardeal Dom Eugênio Sales - Análise, defesa e pedido de diálogo. Foi publicado em primeira mão na Folha de S. Paulo de 9 de outubro de 1970, e depois reproduzido em diversos órgãos de imprensa do País, inclusive em A Tarde, de Salvador-BA, em 22 de outubro de 1970 e Catolicismo n° 239, de novembro de 1970.

3. Declarações de Dom Sigaud, surpresa maior

Maior ainda será o embaraço dos historiadores quando tiverem de explicar por que o Sr. Dom Geraldo Sigaud, Arcebispo de Diamantina - a quem o Brasil devia inegáveis serviços na luta contra o comunismo - escolheu o mesmíssimo momento para, por sua vez, atacar a TFP.

Não poderia S. Excia. ter pelo menos esperado alguns dias, até que a campanha chegasse a seu final? E, se tivesse tanta urgência em nos atacar, por que pelo menos não disse palavra que significasse compreensão, apoio, aplauso à campanha que vínhamos desenvolvendo?* [23]

* As notícias diziam que, após ser recebido em audiência pelo Presidente Médici, Dom Sigaud declarara que a TFP havia se afastado dele há mais de dois anos.

A cisão, dizia, fora conseqüência de seu apoio à Reforma Agrária do governo, a qual ele considerava justa e cristã, e à reforma litúrgica determinada pela Santa Sé.

A notícia concluía dizendo que, “embora lamentando a dissensão, asseverou que, por um problema de consciência, não podia deixar de ajudar o governo ou ser contra o Papa”.

O distanciamento de um Prelado que, em épocas passadas, havia participado na luta cuja amplitude e mérito este relato deixa claro, foi um episódio doloroso na vida da TFP. O fato é que, a partir de certo momento, começou a se processar um distanciamento entre Dom Sigaud de um lado, e de outro lado Dom Antonio de Castro Mayer, Dr. Plinio e diretores e sócios da TFP.

Esse distanciamento dizia respeito a questões doutrinárias referentes ao direito de propriedade e a matérias concernentes à disciplina da Igreja. No jornal Estado de Minas, de Belo Horizonte, de 27 de abril de 1969, foi publicada uma declaração de Dom Sigaud afirmando que “os métodos de desapropriação instituídos através do Ato Institucional número 9” criavam um “clima favorável à execução da reforma agrária”.

Esta afirmação contrastava abertamente com toda a linha de pensamento em que, ao lado de Dom Mayer e dele, Dr. Plinio e a TFP se assinalaram, lutando contra a Reforma Agrária. Tal afirmação de Dom Sigaud causou estranheza na TFP, a qual entretanto preferiu atribuí-la a algum lapso de imprensa. Dois dias depois, outra declaração no mesmo sentido, publicada no Jornal do Brasil, tornou necessário um contato da TFP com o Prelado. Dessa missão foi encarregado um membro destacado da seção mineira da TFP.

Portador de uma missiva respeitosa mas franca de Dr. Plinio sobre o assunto, foi ele a Diamantina, onde manteve largo colóquio com o Prelado. Desse colóquio resultou que Dom Geraldo Sigaud confirmou suas recentes declarações em favor da Reforma Agrária. E assim se configurou o desfazimento de tão antiga cooperação.

Dada a longa e íntima colaboração com o Arcebispo de Diamantina, e a amizade e consideração que este lhes merecera, Dr. Plinio e a TFP evitaram, tanto quanto esteve em seus meios, dar a público esses fatos. Foi Dom Sigaud quem tomou a iniciativa de o fazer, e em termos contundentes, afirmando que os membros da TFP “já fizeram muito pelo Brasil, mas agora estão se tornando prejudiciais” (cfr. Jornal do Brasil, 3/10/70).

O fato é que a notícia desses ataques foi publicada com alarido nos jornais diários de todo o País.

Em resposta, Dr. Plinio redigiu o comunicado Dom Geraldo Sigaud e a TFP, que foi largamente distribuído no dia 7/10/70 à imprensa (cfr. Catolicismo n° 239, novembro de 1970). Nesse comunicado, a TFP frisava que nossa posição face ao problema da Reforma Agrária estava consubstanciada no livro Reforma Agrária—Questão de Consciência e Declaração do Morro Alto, dos quais Dom Sigaud era signatário. E deplorava que o ilustre Prelado tivesse mudado de opinião. Quanto à TFP, ela se conservava inabalavelmente fiel à posição assumida, o que não tinha qualquer sentido de oposição ao governo, mas vinha de um imperativo de consciência.

No que concerne às reformas litúrgicas, o comunicado dizia ser bem certo que algumas delas causaram perplexidade aos membros da TFP. E não só a eles, como a Bispos e teólogos de valor, que as estavam estudando, e sobre elas desejavam um diálogo esclarecedor.

Entretanto, a TFP timbrava em afirmar que tal atitude não importa em qualquer transgressão das leis da Igreja no tocante à submissão devida pelos fiéis ao Sumo Pontífice.

(Diga-se de passagem, aliás, que essa perplexidade era compartilhada por ponderáveis correntes de opinião católica com a reforma litúrgica, e foi em grande parte favoravelmente considerada e acolhida pelo Papa Bento XVI no Motu Próprio Summorum Pontificum, de 7 de julho de 2007).

Quanto às causas desse distanciamento, ficava dito que Dom Geraldo Sigaud tinha razão ao afirmar que a Reforma Agrária e as reformas litúrgicas foram causas de distanciamento entre ele e a TFP.

O Sr. Arcebispo de Diamantina poderia ter acrescentado a estas uma terceira causa. É que, a partir de 1969, S. Excia. começou a se manifestar favorável à abolição do celibato eclesiástico, pelo menos em certos casos.

Essa mudança de opinião lhe valeu, segundo consta, um abraço de felicitação de Dom Helder. Pelo contrário, os membros da TFP se mantinham firmemente ao lado da legislação canônica atual, que estabelece a necessidade do celibato na Igreja latina para todos os clérigos.

Dada a consideração que Dr. Plinio tinha em relação a Dom Geraldo de Proença Sigaud, bem como à longa e íntima cooperação que com ele manteve, a TFP evitou quanto esteve em seus meios dar a conhecimento público esses fatos. E fez isto pesarosa, obrigada pela necessidade de impedir que pairasse qualquer sombra de dúvida sobre a inteira correção de suas atitudes face às leis civis e eclesiásticas.

 


NOTAS

[18] Entrevista para a Associated Press (gravação), 15/3/82 [Nota do site: o link remete para transcrição dessa entrevista].

[19] RR 2/10/93.

[21] Dentro e fora do Brasil, Folha de S. Paulo, 11/10/70 — Essas declarações foram feitas pelo Purpurado numa mensagem radiofônica da Rádio Cultura de Salvador, no dia 19 de setembro de 1970.

[23] Dentro e fora do Brasil, Folha de S. Paulo, 11/10/70.

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