Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Minha

 

Vida Pública

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Parte X

Livros e Campanhas de grande repercussão na década de 1970

 

Capítulo I

Ascensão de Allende: confirma-se o livro “profético”

1. Livro consagrado pelos acontecimentos

Em 1970, deu-se a ascensão do marxista Allende no Chile.

E vimos o grande triunfo do livro de Fábio Xavier da Silveira, Frei, o Kerensky chileno, que não se deu quando o livro foi publicado, mas quando Frei saiu do poder no Chile [1].

A previsão, feita em 1967, se confirmou tragicamente aos olhos da América e do mundo [2]. E viu-se então o que tinha sido profetizado [3].

Aí se começou a reconhecer que o livro era profético [4] e todos disseram: “Este livro já o previra”* [5].

* O jornalista Lenildo Tabosa Pessoa, em artigo no Jornal da Tarde de 8 de setembro de 1970, dizia que a justeza das previsões do livro era tamanha, que mais parecia escrito post factum. Igualmente o jornalista Mario Bush, colaborador de O Estado de S. Paulo, afirmou em artigo de 13 de setembro do mesmo ano, que a análise do livro, que a muitos parecia um exagero 'direitista' inspirado num macarthismo 'crioulo', fora plenamente comprovada pelos fatos (cfr. Catolicismo n° 238, outubro de 1970).

Não era, portanto, um livro para amanhã, mas um livro para depois-de-amanhã [6].

Antes disso, na aparência, tinha sido um livro fracassado, porque não impediu que Frei fizesse o trabalho de Kerensky [7].

No término do mandato de Frei, as coisas já se apresentavam sensivelmente mudadas em favor do comunismo. Não porque o Partido Comunista tivesse aumentado seu contingente, mas porque o número de burgueses prontos a cooperar — por ingenuidade ou simpatia — com o comunismo, crescera singularmente no país, graças à atmosfera criada pela Democracia Cristã chilena.

2. Escandaloso apoio do Cardeal Silva Henriquez a Allende

Essa erosão, em meios não-comunistas, ainda foi mais rápida e profunda nos ambientes especificamente católicos, sacudidos com suma violência pelo tufão progressista.

Assim é que o Cardeal Silva Henríquez chegou ao extremo de afirmar, antes das eleições, que é moralmente lícito a um católico votar num marxista (cfr. jornais Última Hora e Clarín, Santiago do Chile, 24/12/69).

Essa declaração rumorosa, difundida em toda a imprensa falada do Chile e em inúmeros órgãos de publicidade do Exterior, não foi desmentida pelo Purpurado.

Allende só subiu devido ao apoio do Cardeal Silva Henriquez e da democracia cristã chilena. Na foto, o Cardeal cumprimenta Allende na celebração de solene Te Deum pela vitória do mesmo.

Uma carta enviada a este pela Sociedad Chilena de Defensa de la Tradición, Familia y Propriedad, pedindo-lhe expressamente tal desmentido, ficou sem resposta.

Assim, numerosos votos de católicos se encaminharam para o candidato marxista Salvador Allende (cfr. El Mercurio, 24/1/70 e El Diario Ilustrado, 25/1/70, ambos de Santiago).

3. No segundo turno, a DC vota no candidato marxista

Apresentemos os fatos tais como se passaram.

Pari passu, a DC se cindia, votando uma parte de seus membros em Allende. E também o velho Partido Radical, caracteristicamente burguês, votou por este [8].

Na realidade, os seus líderes dentro e fora do Parlamento, postos na alternativa de optar entre o candidato marxista e o que não o era, declararam que em caso algum dariam preferência a este último: modo mal velado de afirmar que, seja como for, levariam à suprema magistratura o marxista. Eles se colocaram assim, de antemão, em uma posição entreguista ante o marxismo vitorioso [9].

A propaganda esquerdista pôde alardear no mundo inteiro que, pela primeira vez na História, um marxista havia ganho uma eleição [10].

Certos jornalistas falavam em "triunfo" de Allende. "Triunfo" de 1% era triunfo? [11]

Era bem verdade. Porém, os contingentes marxistas não haviam crescido. A causa da vitória estava na erosão dos meios não-comunistas, ou até anticomunistas [12].

4. “Te Deum” no Chile e saudação de Paulo VI

O Chile iniciou assim sua "via dolorosa" rumo ao comunismo.

O Cardeal Silva Henriquez foi dos primeiros a visitar o futuro presidente, assegurando-lhe o apoio da Hierarquia, e lhe transmitindo, da parte do Papa Paulo VI, saudações especiais bem como votos de êxito.

Paulo VI terá visto, desde o começo, sem apreensão nem repulsa, a vitória de Allende? Quanto se passou leva a responder que, efetivamente, ele a anteviu, sem contudo dar mostras de apreensão e repulsa.

De sua parte, o purpurado chileno declarou à imprensa que o dever dos cristãos neste momento é fazer o que estiver ao seu alcance para que o novo governo tenha êxito [13].

No dia da posse de Allende, o Cardeal Silva Henriquez celebrou o Santo Sacrifício da Missa e cantou um Te Deum em ação de graças pela ascensão do novo governo.

O presidente ateu e uma farta coleção de pastores protestantes assistiam à augusta cerimônia católica.

5. Direito de refletir e de discordar

Se há um direito que tenho, como homem e como católico, tão essencial ou mais ainda do que o de viver, é o direito de refletir sobre esses fatos, e dizer de público o que sobre eles penso [14].

Católico apostólico romano, eu o fui durante toda a minha vida. Sou-o, hoje, com maior convicção, energia e entusiasmo do que nunca. E, espero, pela graça de Deus e pela intercessão de Nossa Senhora, que o serei mais e mais até o último alento. Por isto, tributo do fundo de minha alma, ao Sumo Pontífice e à Santa Sé, toda a veneração, todo o afeto e toda a obediência que lhes devo segundo a doutrina e as leis da Igreja.

Mas sei que, posto diante de fatos claríssimos, não os posso negar, nem deixar de perceber suas conseqüências.

E sei também que, ainda quando admitidos os fatos irrecusáveis que acabo de enumerar e analisar, tudo quanto a Igreja ensina sobre a infalibilidade e a suprema autoridade dos Sumos Pontífices continua inteiramente intato.

Assim, estou com a consciência à vontade ao tratar, como católico, do triste e delicado assunto.

Desejaria Paulo VI, para a América Latina, um “modus vivendi” com o comunismo?

Ficava a pensar... [15]

- O que pensava? Antes de tudo, que isto formava uma seqüela de imensos escândalos.

O que era feito de todas as condenações dos Papas, de Pio IX a Pio XII, contra o comunismo? Como, de um momento para outro, e sem mais explicações, foram postos de lado esses atos solenes, graves, repetidos? E como o Purpurado chileno podia oferecer o Sangue infinitamente precioso de Nosso Senhor Jesus Cristo para agradecer, como fato lícito e auspicioso, a vitória de uma corrente por tantos Papas qualificada de satânica, imoral e subversiva? Não era isto um sacrilégio? Não era também um sacrilégio cantar Te Deum para agradecer a Deus essa vitória do ateísmo?

Se em nome de uma aliás mal entendida disciplina, eu devesse admitir que tais atos não eram sacrílegos, teria a sensação de que todas as leis da lógica nada mais valiam. E que o absurdo passou a ser a única realidade. Felizmente, a tal ato de disciplina não me obrigava nenhuma lei da Santa Igreja* [16].

* Somavam-se a essas atitudes de Paulo VI outras igualmente perplexitantes, cujo conjunto apontava para um verdadeiro sistema de governo: portas abertas para o comunismo e o progressismo, e portas fechadas para toda e qualquer pessoa ou movimento que se lhes opusessem. Em artigo da Folha de 12 de julho de 1970, Dr. Plinio pôs na boca de um objetante, Jeroboão Cândido Guerreiro, um elenco exemplificativo de algumas dessas atitudes, que transcrevemos abaixo:

“Mil e quinhentos católicos de vários países desfilam em Roma para exprimir a Paulo VI seu desagrado ante a reforma que ele está fazendo na Igreja. Entre outras coisas, querem eles que o Bispo de Roma em nossos dias tenha o mesmo poder absoluto dos seus antecessores. Chegados à Praça de São Pedro, eles ali permanecem em submissa vigília de orações, a pedir que Deus ilumine o Papa Montini. Este, de seu lado, se mantém desdenhosamente de portas e janelas fechadas, durante todo o tempo em que ali permanecem essas ovelhas. [...] A pobre grei da superfidelidade supercatólica [...] se dispersa melancolicamente, sem ter ouvido do Pastor supremo, ao qual teimam em estar unidos, uma só palavra de afeto paterno. Mais. Pouco depois, Paulo VI, em uma alocução, os arrasou. [...]

O papa Paulo VI e o patriarca armênio da URSS, Vasken I, durante ofício na capela Sixtina, em 11 de maio de 1970

“Já dias antes, um ‘herege’ (adoto aqui a terminologia dos teólogos católicos), como o Patriarca armênio Vasken, fora recebido com pompas como se fosse um papa, por Paulo VI, na Capela Sixtina. Agora, Paulo VI vai receber [...] certamente para algum ‘diálogo’ seguido de concessões, o líder contestatário [...] que é o Cardeal Alfrink, de Utrecht.

“Também poucos dias depois de dar com a porta na cara de seus infelizes superfiéis, Paulo VI recebeu, com distinção especial, três guerrilheiros afro-lusos. Para agosto, está programada a visita de Tito ao Vaticano, onde será recebido com honras de Chefe de Estado.

“O Sr., Dr. Plinio, não percebe que as portas do Vaticano e o coração do Papa estão abertos para todos os ventos e todas as vozes, exceto para os ventos ideológicos que sopram do quadrante onde o Sr. se situa, e para as vozes que dizem coisas semelhantes às que o Sr. diz? Não há no mundo quem seja mais rejeitado pelo Papado modernizado e pela Nova Igreja, do que o Sr. e seus congêneres.

“Meça bem o contraste. Durante o último Sínodo de Bispos, reuniram-se em uma igreja protestante de Roma alguns padres católicos super-contestatários, que levaram a Paulo VI uma mensagem sulfúrica. As portas do Vaticano se abriram para eles. Chegaram até a antecâmara papal. Entregaram sua mensagem. Paulo VI não os recebeu em audiência. Mas prometeu muito afavelmente que iria estudar os pedidos dos contestatários. E para a mensagem da TFP, implorando providências de Paulo VI contra o que o Sr. chama ‘a infiltração comunista na Igreja’, assinada entretanto por 1.600.368 católicos? Nem uma resposta sequer teve Paulo VI! Pergunto: pode haver mais clara prova de rejeição?”.

6. O caos que veio depois

Com o supremo poder em mãos, o governo Allende resolveu aplicar ao Chile — custasse o que custasse — uma série de leis socialistas e confiscatórias, sem atender ao descontentamento que isso ia gerando na maioria da opinião pública.

A pobreza foi se estendendo por toda a nação como uma gangrena. As crises política e econômica somaram seus efeitos e produziram um caos [17].


NOTAS

[1] RR 15/12/74.

[2] Carta aberta da TFP ao Cardeal Dom Eugênio Sales, Folha de S. Paulo, 9/10/70 e 10/10/70; e Catolicismo n° 239, novembro de 1970.

[3] RR 15/12/74.

[4] Reunião Normal 12/3/76.

[5] Relatos 19/12/70.

[6] RR 15/12/74.

[7] RR 21/2/76.

[8] Introdução à segunda edição italiana do livro Revolução e Contra-Revolução, 1971 — A Unidade Popular, coligação comunista-marxista-democristã-radical que apoiou Allende, obteve 36,63% dos votos. O candidato preferido pelos anticomunistas, Alessandri, alcançou 35,29% dos votos. E o candidato pedecista Radomiro Tomic obteve 28,08% dos votos.

Por causa dessa diferença muito pequena de votação entre um candidato e outro, havia um gargalo para garantir a vitória de Allende. A Constituição chilena dispunha de um modo sábio que, em casos de um resultado eleitoral muito apertado como este, em que nenhum candidato obtivesse a maioria de 50% dos votos mais um, cabia ao Congresso, em reunião bicameral, escolher o Presidente da República entre os dois candidatos mais votados.

Ora, a Democracia Cristã chilena tinha nessa hora a decisão nas mãos, por ser majoritária no Congresso. E os votos dos deputados da DC decidiriam se o Presidente seria Allende ou Alessandri.

A pergunta que cabia era se a DC levaria a triste coerência de sua posição de Terceira Força até o extremo de optar por entregar o Chile nas mãos do comunismo.

E ficou criado um suspense não só no Chile e na América, mas no mundo. Todos se perguntaram até onde iria, neste episódio, a DC (cfr. Toda a verdade sobre as eleições no Chile, Folha de S. Paulo, 10/9/70).

[11] Os “sapos”, a epopéia e a opereta, Folha de S. Paulo, 20/9/70.

[14] O Cardeal festivo, Folha de S. Paulo, 8/11/70.

[17] Magnificat pelo Chile, Folha de S. Paulo, 16/9/73.

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