Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Minha

 

Vida Pública

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Parte X

Livros e Campanhas de grande repercussão na década de 1970

 

Capítulo VIII

A Igreja do Silêncio no Chile: a TFP andina proclama a verdade inteira (1976)

1. Bispos resguardam marxistas dispersados

Como ficara notório, o Cardeal Silva Henriquez havia deitado o peso de toda a influência da autoridade inerente a seu cargo para auxiliar a ascensão de Allende ao poder, sua posse festiva nele, e sua manutenção na primeira magistratura até o momento trágico em que o líder ateu se suicidou.

Com uma flexibilidade que não concorria para dar boa idéia dele, procurou ajustar-se, por meio de algumas declarações públicas, à ordem de coisas que sucedeu ao regime Allende.

Porém, as manifestações de sua constante simpatia para com os marxistas chilenos nem por isso cessaram.

Pouco antes, S. Emcia. havia celebrado a Missa de réquiem na capela de seu Palácio Cardinalício por alma de outro comunista, o "camarada" Tohá, ex-ministro de Allende, também ele um infeliz suicida. Ao ato compareceram familiares e amigos do morto (cfr. Jornal do Brasil, 18/3/74) [136].

Grande parte da Hierarquia veio resguardando de todos os modos os restos da situação derrocada. E propiciaram quanto puderam a reaglutinação destes restos, obviamente com vistas a uma nova investida vermelha [137].

2. Paulo VI e Episcopado pregam a “reconciliação” com os comunistas chilenos

Neste sentido, reputei altamente poluidora a declaração da Conferência Episcopal Chilena (CEC), divulgada pelo Cardeal Silva Henriquez.

Entregando à imprensa essa lamentável declaração, o Cardeal chileno informou ter recebido do Vaticano um longo telegrama exortando o Episcopado a trabalhar pela reconciliação entre os chilenos. O que importava em afirmar que essa infeliz atitude da CEC era efeito das instruções da Santa Sé [138].

A aceitação de tal meta e tal estilo acarretaria assim, na ordem concreta dos fatos, uma catástrofe para os católicos e uma vitória para os comunistas chilenos.

Ora, a imprensa havia publicado um resumo da alocução de Paulo VI ao novo embaixador chileno Hector Riesle, que lhe apresentava suas credenciais.

A ocasião dessa entrega de credenciais era propícia para, se o quisesse Sua Santidade, remediar tal situação. Bastava-lhe exprimir ao diplomata sua alegria por ver a nação chilena libertada do jugo de um governo que a levava a uma dupla ruína: 1) espiritual, em virtude da inspiração ateia e marxista do presidente Allende; 2) material, em conseqüência da derrubada de dois pilares da normalidade econômica, ou seja, a livre iniciativa e a propriedade privada.

Essas palavras do Santo Padre teriam, ao mesmo tempo, dessolidarizado sua sagrada e suprema autoridade da conduta pró-marxista do Cardeal Silva Henriquez, Arcebispo de Santiago.

Entretanto, a alocução do Soberano Pontífice nada conteve de análogo a essas palavras, que seriam tão naturais nos lábios de um Papa*.

* Nessa alocução, pronunciada em 6 de abril de 1974, o Santo Padre augurava “uma fraternidade que, superando as animosidades e os ressentimentos, e excluindo as vinganças, envolva o restabelecimento de uma autêntica e recíproca compreensão através de uma reconciliação efetiva e sincera”.

Num país dividido a fundo entre dois imensos blocos, comunista e anticomunista, o Augusto Pontífice parecia achar possível o despontar de uma era de concórdia em que, continuando uns e outros nas respectivas convicções, cessassem as "animosidades", os "ressentimentos" e as "vinganças".

As palavras do Santo Padre equivaliam a indicar aos católicos chilenos uma meta e um estilo de ação que os desmobilizariam psicologicamente ante um adversário implacável, o qual havia lançado o Chile na miséria e no comunismo, e que, de seu lado, de nenhum modo se desmobilizara.

E não era difícil ver que essas palavras tendiam a reproduzir, no campo interno da política chilena, uma conciliação entre católicos e comunistas análoga à que a Santa Sé vinha tentando obter, no campo diplomático, com as nações comunistas.

A aceitação de tal meta e tal estilo acarretaria assim, na ordem concreta dos fatos, uma catástrofe para os católicos e uma vitória para os comunistas chilenos [139].

3. A TFP chilena proclama a verdade inteira

Foram estes e outros fatos, quase incríveis de tão aberrantes, que levaram a TFP chilena a lançar o seu livro-denúncia A Igreja do Silêncio no Chile — A TFP proclama a verdade inteira*.

* Sobre essas escandalosas atitudes assumidas pela grande maioria dos Bispos e do Clero andino em geral, o livro dizia a certa altura: "É impossível analisar estes fatos à luz da Doutrina Católica sem pensar nas figuras canônicas de cisma, favorecimento de heresia e suspeita de heresia: quando não, de heresia propriamente dita" (cfr. La Iglesia del Silencio en Chile - La TFP proclama la verdad entera, p. 389).

Com este livro foi dado o maior lance de resistência de uma TFP que se poderia imaginar: foi um incêndio de resistência. O livro era propriamente uma ação de resistência [140].

Na Bíblia há uma expressão que, ao menos a mim, desde pequeno, me chamava a atenção, quando falava de Abel. Deus disse a Caim que o sangue de Abel, derramado por Caim, bradava aos céus clamando por vingança.

É claro que o sangue não clama. Mas isto queria dizer que a cólera de Deus, vendo aquele sangue derramado que saía aos borbotões do corpo do filho honesto e fiel, bradava por vingança.

Havia no Chile algo pior do que isto. Não era o crime de Caim contra Abel, mas seria semelhante a um crime de Adão contra Abel, porque era o pai que matava o filho. Era o Hierarca, o Pastor que matava as ovelhas, aproximando-as do comunismo.

Esse sangue, no sentido espiritual, das ovelhas derramado bradava por vingança. Esse brado descarregou-se na voz da TFP [141].

4. Situação canônica de Pastores divorciados de sua sagrada missão

Verdadeiro estudo histórico e doutrinário baseado em mais de 200 documentos, o livro da TFP chilena nos mostrava que a quase totalidade do Episcopado e uma impressionante parte do Clero daquele país coadjuvaram de modo decisivo, nas vitórias como na adversidade, a política do líder marxista Salvador Allende.

Em seus últimos capítulos, estudava a situação canônica na qual se puseram esses Pastores de tal maneira divorciados de sua sagrada missão* [142].

* O livro dizia em sua conclusão que, à luz da Sagrada Teologia e da legislação canônica, não havia para os católicos o dever de seguir a orientação errônea do Episcopado: "Os católicos [...] objetivamente têm o direito e, de acordo com as circunstâncias também o dever — ainda quando sejam simples fiéis — de resistir a tais Pastores e ao Clero que os secunda [...] Entendemos por resistir: Declarar e proclamar ante o Chile e o mundo, por todos os meios lícitos a que nos autorizam o Direito Natural e a Lei Positiva, seja canônica, seja civil, em que consiste a conduta dos Hierarcas e Sacerdotes demolidores, e esclarecer qual sua gravidade, em vista do dano que ela causa à Igreja e à civilização em nossa Pátria. E opor-nos em toda a medida que nos seja permitida pela Moral e pelo Direito, a que tais Hierarcas e Sacerdotes usem de seu prestígio para fazer o mal que os fatos relatados [refere-se aos numerosos fatos citados e comprovados no livro] indicam — prestígio que se torna, assim, um fruto usurpado aos sagrados cargos que ainda ocupam. [...] Sendo assim, e salvo melhor juízo, afirmamos que cessar a convivência eclesiástica com tais Bispos e Sacerdotes [demolidores] é um direito de consciência dos católicos que a julguem insuportável. Isto é, daninha para a própria Fé e vida de piedade, e escandalosa para o povo fiel" (Cfr. A Igreja ante a ameaçada da escalada comunista, Editora Vera Cruz, São Paulo, 4ª edição, julho de 1977, pp. 213 ss.).

E fazia um apelo aos Eclesiásticos e teólogos andinos para que não aplaudissem esse processo demolidor da Igreja e da nação chilena, e que saissem do relativo silêncio em que estavam e se pronunciassem publicamente sobre os aspectos morais e canônicos do delicado assunto.

5. Governo Pinochet não autoriza difusão do livro nas ruas. Sucesso de livraria

Eu teria gostado que a TFP chilena fizesse a difusão do livro por meio de campanha pública. Mas infelizmente eles não obtiveram autorização do governo — governo anticomunista! — para fazê-la*.

* A TFP chilena foi assim coarctada em seu legítimo direito de difundir o livro em vias públicas por uma decisão governamental que evidentemente agradou muito ao Episcopado. O livro passou então a ser vendido apenas nas livrarias.

Em menos de um mês foram lançadas três edições (10 mil exemplares). No gênero, constituiu um dos maiores sucessos da história editorial chilena. A imprensa deu ampla cobertura à difusão, que logo se constituiu em “tema obrigatório de comentário”, segundo a revista ¿Que Pasa? (26/2/76).

As agências de notícias enviaram despachos ao exterior, que foram publicados por jornais da América Latina, Estados Unidos e Europa, transpondo inclusive a Cortina de Ferro (Cfr. Tygodnik Powszechny de Cracóvia, 28/3/76; Slowo Powszechne, 2, 3 e 4/4/76 e Kierunki, 2/5/76, ambos de Varsóvia, apud Um homem, uma obra, uma gesta, cit., pp. 271 e 272).

Mesmo assim, a repercussão de livraria foi além do que se poderia imaginar: uma saída em média de 100 livros por dia. Quer dizer, uma campanha perfeita e de grande porte [143].

6. Reações contrárias: Rádio Moscou, Arcebispado de Santiago, Nunciatura — 32 sacerdotes chilenos e mil espanhóis apóiam o livro

A Rádio de Moscou manifestou-se evidentemente contra o livro, e contentíssima com o Episcopado. O estilo de narrar que empregou era o estilo faccioso de quem estava encantado com as declarações que o Episcopado fizera contra a TFP*.

* No total foram quatro transmissões em que, durante o mês de fevereiro de 1976, a Rádio Moscou, no programa Escucha Chile, atacava a TFP chilena a propósito do livro.

*   *   *

Tiveram também início as reações dos Bispos e as correspondentes respostas da TFP chilena*.

* Primeiramente, foi publicada uma nota do Departamento de Opinião Pública do Arcebispado de Santiago, em que este lamentava que o país tivesse de se ocupar com o tema de A Igreja do Silêncio (El Mercurio, Santiago, 27/2/76).

Pouco depois sai outra nota do Comitê Permanente do Episcopado, acusando os autores e difusores de A Igreja do Silêncio no Chile de se terem afastado automaticamente da Igreja Católica (El Mercurio, 11/3/76).

Em resposta a ambas as notas, a TFP andina afirmou que a declaração do Arcebispado insistia em ignorar o profundo conflito interior que afligia a nação pela atitude de seus Prelados, ademais de não apresentar absolutamente nenhuma refutação da obra, nem provar que fossem falsas quaisquer das suas imputações (El Mercurio, 4/3/76). E solicitava ao Comitê Permanente do Episcopado que saísse a público para dizer se os fatos expostos no livro eram ou não verídicos, se estavam ou não bem documentados, e se a análise correspondia ou não à objetividade. E concluía: "Se se responde afirmativamente a essas perguntas, a conclusão forçosa é que tais Prelados e Sacerdotes encontram-se em estado de cisma e suspeita de heresia, conforme o Direito Canônico (El Mercurio, 12/3/76).

El Mercurio publicou, com título de primeira página, uma chamada a essa resposta da TFP à Comissão Episcopal, e dentro da edição, o texto integral dela, com bastante destaque.

*   *   *

A declaração da Nunciatura a nosso respeito apareceu no mesmo dia naquele diário, mas com menor destaque* [144].

* O Núncio no Chile, Dom Sotero Sanz Villalba, naqueles dias acabara de franquear asilo na Nunciatura para dirigentes terroristas do MIR (Movimiento de Izquierda Revolucionaria). O que não o inibiu de sair a público com uma declaração em que rechaçava “com energia” as acusações do livro. Afirmava ele que a versão dos documentos citados era parcial. A se crer na informação de L’Unità (21/3/76), órgão do Partido Comunista italiano, que fez eco a essa atitude do Núncio, Dom Sotero teria afirmado que fazia essa declaração “depois de ter consultado a Santa Sé” (cfr. El Mercurio, Santiago, 12/3/76).

Fac-símile do manifesto da TFP espanhola com o apoio de 1.000 sacerdotes espanhóis às teses de "A Igreja do Silêncio no Chile"

Em resposta, a TFP chilena reafirmou a sua inteira e amorosa obediência ao Soberano Pontífice e a quem o representava no Chile, e ao mesmo tempo lamentava o fato de o Núncio não ter tido, antes, a preocupação de pelo menos ouvi-la ou admoestá-la, concluindo penalizada: “As portas da Nunciatura Apostólica, que recentemente se abriram com tanto desvelo e cordialidade para asilar elementos miristas do Movimiento de Izquierda Revolucionaria, terrorista, estiveram fechadas para nós” (La Tercera, Santiago, 14/3/76).

Três meses depois, ainda em junho de 1976, a Conferência Episcopal difundiu nos jornais chilenos a carta a ela enviada pelo Cardeal Villot, Prefeito do Conselho para Assuntos Públicos da Santa Sé, na qual declarava que o livro A Igreja do Silencio no Chile havia causado profundo desagrado a Paulo VI, que teria visto nele “graves e inadmissíveis acusações” (La Tercera, Santiago, 3/6/76).

A TFP andina, em comunicado de imprensa, reconheceu que, de fato, as acusações do livro eram “graves”. Mas, que fossem “inadmissíveis”, era o que devia ser provado (La Tercera, 8/6/76).

Em contrapartida, neste mesmo mês, a TFP lançou o comunicado 32 sacerdotes declaram: “la TFP tiene razón”, noticiando o apoio recebido de 32 sacerdotes chilenos que, enfrentando prováveis sanções, tiveram a coragem de se solidarizar por escrito com o livro (La Tercera, 9/6/76).

No final do ano de 1976, a TFP chilena anunciou ao público a manifestação de solidariedade de 1.000 sacerdotes espanhóis às teses do livro (El Mercurio, 22/12/76; ABC, Madri, 12/12/76; e mais 27 jornais espanhóis).

 


NOTAS

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