O Jornal, Rio de Janeiro, 25 de fevereiro de 1936

Primavera Espiritual

No seu discurso do ano novo, o Sr. Getúlio Vargas afirmou que o Cristianismo é a grande força moral a cuja sombra o Brasil se deve acolher, se quiser preservar seus filhos do perigo comunista.

Se assim é, uma pergunta vem imediatamente ao nosso espírito: que possibilidades tem o Catolicismo de reconquistar integralmente o povo brasileiro? Com assombro para mim, saiu da pena brilhante do Sr. Plinio Barreto, a este respeito, um categórico "não", na crônica bibliográfica dedicada aos últimos livros de Tristão de Athayde.

Todos os brasileiros são católicos, é certo. Mas, preconceitos antigos e doutrinas novas conspiram para manter uma grande fração do povo mais ou menos alheia à vida católica integral. De um catolicismo assim, pouco há que esperar. Ou a Igreja reconquista para o catolicismo integral - isto é o Catolicismo "tout court" - o povo brasileiro, ou serão baldos todos os esforços desenvolvidos pelos bons patriotas, para conjurar o perigo comunista. Não é com falanges de Pilatos e de Nicodemos que se há de salvar o Brasil.

O aumento das hostes integralmente católicas não interessa, portanto, apenas aos católicos, mas a todos os brasileiros. Serão, pois, da maior oportunidade alguns dados preciosos, que nos mostram qual a ação que a Igreja está desenvolvendo entre nós no sentido de reconquistar as massas.

Comecemos pelo Anuário da Cúria Metropolitana de São Paulo. Segundo a estatística que tenho em mãos, as associações religiosas de São Paulo e seus arredores, exclusão feita, portanto, do interior do Estado, tem 135 mil pessoas inscritas.

Em 1921, os membros das associações religiosas eram apenas de 46.367, e hoje seu número é 3 vezes maior. Os membros das associações religiosas são pessoas que não se limitam ao cumprimento estrito dos deveres mínimos dos católicos, mas que realizam uma vida fervorosamente cristã, pela freqüência assídua dos Sacramentos, pela absoluta conformidade de sua vida com os preceitos da Igreja, pela realização de obras de apostolado ou de beneficiência que tendem a se tornar cada vez mais numerosas. Como prova desse crescente ardor, basta mencionar o número de comunhões, que, em um ano, atingiu ao total aproximado de 3.895.965. Na paróquia de Santa Cecília, por exemplo, nestes últimos 8 anos, o número de comunhões subiu de 507.000, a mais de 650.000.

O que, no entanto, deve causar maior maravilha, é que o Catolicismo não tem conquistado terreno só no sexo feminino, cuja devoção e piedade são tradicionais no Brasil. Um dos movimentos religiosos mais pujantes em São Paulo é o da mocidade católica que, arregimentada em Congregações Marianas, vai se avolumando cada vez mais em todo o Estado de São Paulo. Em 1931, havia em São Paulo 49 congregações marianas com 1700 membros. Em 1935, o total das congregações era de 364, com 16.240 membros, pertencentes a todas as classes sociais, e tendo, na sua quase totalidade, entre 15 e 30 anos de idade.

Qual a seriedade dos sentimentos religiosos desses rapazes? Simples fogo de palha? Ardores de moços, que amanhã se dissiparão para dar lugar a outras novidades? Respondam por nós só dois fatos, impossibilitados que estamos de descrever toda a pujança do movimento mariano, nos estreitos limites de um artigo de jornal.

O primeiro deles é o retiro no Carnaval. Enquanto um preconceito muito vulgar apontava um moço como a vítima predileta do ceticismo e da depravação dos costumes, em São Paulo, em 1935, 753 congregados marianos se encerravam durante 3 dias no Lyceu Coração de Jesus para, no ambiente do mais rigoroso silêncio, meditar sobre as verdades eternas, e pedir a Deus pela grandeza da Igreja e do Brasil. E tudo indica que este número ascenderá mais de mil, em 1936, para todo o Estado.

O segundo é a adoração noturna. Na Igreja da Boa Morte, o Santíssimo Sacramento está exposto noite e dia, à adoração dos fiéis. Durante o dia, a adoração é feita pelas associações femininas. À noite, a adoração é feita pelos Congregados Marianos de São Paulo, em turmas que se revezam em todas as noites do ano. Cada turma entra na Igreja às 9 horas da noite, e lá permanece em adoração incessante até às 5 da manhã. O número de rapazes que vão passar a noite em adoração ascendeu em 1935, a 7.218, total este superior de 947, no ano anterior. A grandeza desse gesto de Fé se torna particularmente notável, se considerarmos que a grande maioria de adoradores noturno, que sacrificam o repouso da noite, é constituída de universitários, empregados do comércio e operários, que deverão sair, às vezes, diretamente da Igreja para o trabalho, tomando algum repouso apenas na noite seguinte.

Fatos tais - e muitos outros poderíamos citar - provam à saciedade o vigor com que o Catolicismo se desenvolve entre nós. Mas será o Catolicismo força moral suficiente para continuar a empolgar os espíritos, quando o Brasil se "civilizar" mais, quando dele se tiver aproximado mais a intensidade de cultura e progresso das nações européias? Porque tais fatos se verificam no Brasil, e não na Europa? É o que perguntará muito leitor.

A resposta nos é amplamente fornecida por folhetos relativos à "Juventude Operária Católica" da Bélgica, que as Conegas de Santo Agostinho estão editando, e que se podem encontrar à venda nas livrarias católicas da Cidade. A todos os católicos de São Paulo e dos outros Estados recomendamos a leitura de tais folhetos. Através deles, aprenderão a conhecer o movimento católico entre os operários belgas. Em recente concentração, cem mil operários católicos belgas, entre 15 a 30 anos de idade, pertencentes a ambos os sexos, se reuniram numa grande planície para afirmar, perante Deus, as autoridades da Igreja e do Estado, e uma imensa massa popular, seu incondicional devotamento à Igreja Católica. Este movimento de uma modernidade de processos absolutamente surpreendente, conquistou a Bélgica no curto espaço de alguns anos. No início do movimento, eram apenas poucos os seus membros chefiados pelo Pe. Gardyn. Hoje são muito mais de cem mil, todos eles absolutamente integrados no espírito da Igreja, e adversários decididos do comunismo. Nesta assembléia tomou palavra o 1° Ministro Belga que pediu ao operariado católico, em nome do Governo, seu apoio à luta contra o comunismo: "Vós sois a força de hoje, operários católicos, e o governo precisa de vosso auxílio".

O movimento operário católico belga é o mais bem organizado do mundo. No entanto em toda a Europa, movimentos análogos, todos de grandes proporções, vão trazendo as massas à Igreja.

Há dias atrás, o telégrafo nos trouxe a notícia de que se reuniu em Paris a assembléia da Juventude Católica Francesa, cujo capelão é um capitão de corveta, que se fez Sacerdote. O número total dos associados é de duzentos mil. O órgão dos operários filiados à associação chegou a ter tiragem de cento e cinqüenta mil exemplares. Os trabalhadores rurais estão divididos em numerosas secções, das quais duzentas e seis foram fundadas em 1935. A juventude universitária conta com 240 seções, das quais 57 formadas em 1935. O ardor da mocidade universitária que compreende estudantes das escolas superiores da França, é tal, que resolveram passar as férias em acampamentos em que se dedicaram ao estudo de assuntos religiosos.

Assim, pois, por toda a parte, uma aurora de espiritualidade vai se irradiando sobre o mundo pagão de nossos dias. Há 60 anos atrás, a Igreja recrutava a maior parte de seus fiéis militantes entre os velhos e o socialismo recrutava os seus entre os moços. O dia está se aproximando em que o quadro estará inteiramente mudado: com a Igreja, a mocidade, que ama o que é puro e o que é eterno. Com o socialismo, com o liberalismo, com outros "ismos" suspeitos que grassam entre nós, os velhos apegados aos erros que a humanidade nova vai destruir...