"A Cruz", Rio de Janeiro, 26 de dezembro de 1971

Contra mais esta

Li na imprensa carioca que um substitutivo recentemente aprovado pela Comissão de Justiça da Câmara concede à companheira de segurado do INPS, o benefício do salário família.

À primeira vista, a medida parece recomendável, pois dá remédio e amparo a um sem-número de situações dolorosas.

Mas, passada a primeira impressão, algumas objeções se vão esboçando na mente. Bastará, por exemplo, que uma situação seja dolorosa para que se lhe deva dar amparo?

É esta uma preliminar que se impõe aos que têm o senso das responsabilidades e sabem que não á apenas com sentimentos generosos, mas ainda e sobretudo com Fé e lógica, que se resolvem os problemas de um país.

Segundo certos sentimentais, onde quer que haja uma carência, um mal-estar ou uma dor, cabe automaticamente uma proteção, uma condescendência, um apoio. Mas este modo de ver leva longe demais.

Já vi, por exemplo, artigos de teólogos católicos que movidos por essa "generosidade" absoluta e romântica, chegavam a uma espécie de coonestação das uniões homossexuais, desde que estas tivessem adquirido certa estabilidade para-conjugal. Queriam eles ajudar, assim, situações dolorosas sem dúvida, mas principalmente nefandas. A "generosidade" simplista e mal entendida levou-os a apoiar a torpeza.

Não quero de nenhum modo equiparar o concubinato entre pessoas de sexo diferente, com as ligações homossexuais. Estas últimas atentam contra o que a ordem da natureza tem de mais fundamental. Por isto, têm uma infâmia peculiar. Segundo os moralistas católicos tradicionais e sérios, elas "bradam ao Céu e clamam a Deus por vingança". Isto não obstante, a atitude daqueles teólogos desvairados vem a propósito para provar que nem tudo quanto é doloroso merece condescendência, e nem tudo quanto é generoso é admissível.

A este grande e elementar princípio não pode fugir o substitutivo da Câmara dos Deputados.

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Sejamos lógicos.

Se o concubinato gera "situações dolorosas", a primeira obrigação da Câmara dos Deputados, face a ele, consiste em evitar que se multiplique. Só em segundo lugar lhe incumbe resolver as "situações dolorosas" já criadas por ele. Exemplifico. Verificados alguns casos de epidemia numa cidade, a primeira preocupação das autoridades deve consistir no isolamento dos doentes e no combate aos focos de contágio. Só em segundo lugar é que elas devem cogitar da cura das vítimas já afetadas pelo mal. É o que o senso do bem comum impõe.

Ora, o concubinato se vem alastrando entre nós com uma velocidade epidêmica. E a medida proposta à Câmara, longe de atuar no sentido de circunscrever o mal, só cogita de amenizar a situação dos que dele padecem. E isto expõe a risco o bem comum.

Com efeito, o substitutivo convida, ainda que esta não seja sua intenção, a população a que entre na situação dolorosa cuja proliferação ele deveria circunscrever.

Como é patente, a legislação das eras cristãs procurou cercar de todas as garantias a esposa legítima. Entre outras razões, inspirava-a a preocupação de multiplicar o número das uniões legítimas. Por análoga razão, muitas legislações modernas, que vão multiplicando as garantias em favor da concubina, não fazem senão multiplicar as situações ilegítimas.

Se o concubinato constitui uma situação dolorosa, não compreendo porque qualificar de generosa a medida que importa num convite para que outros ingressem em tal situação.

Mas, objetará alguém, a situação dolorosa que o substitutivo visou remediar não é propriamente o concubinato em seu aspecto moral, mas em seu aspecto material. Ou seja, o desamparo a que fica exposta a concubina sobrecarregada pelos ônus de manter os filhos havidos do companheiro falecido.

Com efeito, a lei que alivie a situação da concubina "viúva", onerada com os gastos dos filhos havidos do companheiro, torna menos sombria para uma jovem a perspectiva da união ilegítima, para qual já a alicia a agressão sexual, que cresce dia a dia em todo o País. Em outros termos, a futura lei abriria ainda mais as portas do mal, dando certo auxílio a quem se deixar arrastar por ele. A lei se tornaria, assim, comparsa dos mil outros fatores que por aí sopram arrastando os brasileiros para a dissolução moral.

Bem vejo que o substitutivo, auxiliando a concubina a manter seus filhos, resolveria – em modesta parte, aliás, pois o salário família é muito exíguo – numerosas dificuldades materiais. Mas o zelo pelo atendimento dos problemas materiais não pode ser levado ao ponto de agravar a situação moral do país. Mais uma vez: não ajudemos o concubinato a se propagar. Combatamo-lo. Se o salário-família é ridiculamente pequeno, e há dinheiro disponível, não seria mais justo aumentá-lo em favor dos filhos legítimos e da viúva autêntica, do que estendê-lo à viúva postiça e aos filhos ilegítimos?

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Estas reflexões podem parecer graves e severas. Entretanto, não há que fugir delas. Ou são verdadeiras, ou são falsas. Se falsas, cumpre refutá-las. Se verdadeiras, cumpre que uma voz pelo menos se levante para alertar a opinião pública. À falta de melhor, seja a minha. Formulo, pois, aqui um apelo ao Episcopado Nacional e a todas as associações e entidades empenhadas na luta pela Família, para que usem de seu poder persuasivo e sua incontestável influência, no sentido de obter a rejeição daquele substitutivo no plenário da Câmara.

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Sei que nessa Casa, como no Senado, a indissolubilidade do vínculo conjugal conta com sólida maioria. Haja vista a rejeição categórica – feita com o louvável apoio do Governo – do recente projeto Nelson Carneiro.

Estou certo de que a clarividência desses lúcidos legisladores lhes fará notar que o substitutivo, para o qual se lhes pede um voto favorável, é um passo para o divórcio.

Viu-o, aliás, muito bem, o jurista carioca sr. Haroldo Lins e Silva, um divorcista franco, que em entrevista ao Jornal do Brasil em 18 de novembro p.p., manifestou sua alegria pelo substitutivo. Fez ele notar que o substitutivo introduz na legislação brasileira um princípio que acarretará necessariamente a aprovação do divórcio, pois nega radicalmente a indissolubilidade do vínculo conjugal.

Lutemos, pois, contra mais esta investida divorcista.