Plinio Corrêa de Oliveira
No 50º aniversário da
Revolução Bolchevista
Catolicismo Nº 203 – Novembro de 1967 “O Estado de S. Paulo”, 1º de novembro de 1967
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Por motivo do 50º aniversário da implantação do comunismo na Rússia, a Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade publicou o manifesto abaixo estampado, de autoria do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, Presidente do Conselho Nacional, e assinado por todos os membros do mesmo órgão.
Esse documento, com o qual “Catolicismo” se solidariza inteiramente, contém uma tomada de posição lúcida e corajosa em face da situação contemporânea. Ele enfrenta a atmosfera feita de derrotismo, apatia e – aqui e acolá – laivos de simpatia pelo comunismo, que prepondera nos comentários que os grandes meios de publicidade internacional e nacional vêm consagrando ao cinqüentenário da revolução bolchevista. Enquanto, na orquestração a este respeito organizada em todo o mundo, se incute um otimismo ingênuo quanto às intenções dos atuais dirigentes do Cremlin e as possibilidades de uma “evolução” interna do comunismo, o manifesto da TFP apresenta uma “mise au point” da política russa que mostra quanto há de precário nessas esperanças. Assim, esse documento importa num incitamento a que o Ocidente se mantenha vigilante na defesa de seus valores ideológicos, dos seus direitos e de suas fronteiras. Dessa vigilância, pensamos nós, poderá resultar a paz. A imprevidência e a cegueira diante do comunismo constituem um convite para que este se atire à guerra. Tal como o guarda-chuva de Chamberlain e o espírito de Munique foram um convite aliciante para que Hitler se atirasse à conquista de adversários que se lhe afiguravam entorpecidos e débeis. É contra uma imensa Munique em relação ao comunismo, que o pronunciamento da TFP alerta a opinião nacional. Atitude que, por ser rara ou talvez única no ambiente em que nos encontramos, tem um mérito relevante, do qual a história do Brasil tomará a devida nota, quando cuidar das torvas vicissitudes de nossos dias.
Vladimir Illitch Ulianov, mais conhecido como Lenine, líder dos bolchevistas, incita o povo à derrubada do governo provisório de Kerensky, a qual se consumou em novembro de 1917 A SOCIEDADE BRASILEIRA DE DEFESA DA TRADIÇÃO, FAMÍLIA E PROPRIEDADE AO PAÍS NO 50º ANIVERSÁRIO DA REVOLUÇÃO BOLCHEVISTA Plinio Corrêa de Oliveira Transcorrerá no dia 7 do corrente o qüinquagésimo aniversário da implantação do regime comunista na Rússia. Por ocasião desse lúgubre aniversário, a Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP) fará celebrar nesta capital, em Brasília e em doze outras cidades, Missas pelo descanso eterno das vítimas feitas pelo marxismo, por todo o mundo, nas guerras, revoluções e atentados a que deu causa. O Santo Sacrifício será celebrado também para obter da bondade divina que faça cessar o oprobrioso jugo vermelho exercido desde a última guerra sobre tantos países. A estas intenções, somar-se-á por fim uma outra: que Deus jamais permita que o comunismo prevaleça no Brasil. Se bem que esta entidade seja de caráter essencialmente cívico, e tenha por campo de ação a sociedade temporal, considera que nem por isto pode omitir-se do magno dever da oração. E obedece aos ditames de sua consciência, convidando para essa celebração religiosa seus sócios e militantes, bem como a população em geral. Porém, não basta rezar. Cumpre agir. E, na ordem da ação, o que mais importa é esclarecer as mentes. Assim, no presente documento, a TFP oferece ao público uma “mise au point” de alguns aspectos de que o problema comunista se reveste em nossos dias. Elogio do anticomunismo Antes de tudo, impõe-se desfazer um equívoco. O amor à concórdia dos espíritos, o desejo de unir todos os homens em torno de um pensamento e de uma ação comum, são por certo coisas excelentes. Entretanto, neste vale de lágrimas de tudo se pode tirar pretexto para exageros. Ora, o exagero é uma forma de corrupção. E, como a corrupção do ótimo é péssima, péssimas são, por força, as demasias e as afoitezas que um irrequieto e febricitante espírito de concórdia vai despertando aqui e acolá. Para desfazer equívocos, desarmar prevenções, diminuir ou até eliminar divergências, nada melhor em muitas ocasiões do que o diálogo da salvação, como o mencionou Sua Santidade o Papa Paulo VI na Encíclica “Ecclesiam Suam”. Entretanto, a propensão a dialogar, tão nobre em si mesma, não pode transformar-se em mania levada a um ponto que exclua qualquer atitude de leal e peremptória rejeição do que sabemos ser errôneo e mau. Em nome do diálogo da salvação, tem-se por vezes procurado ocultar a incompatibilidade fundamental que existe entre a ordem natural e a civilização cristã, de um lado, e o totalitarismo comunista de outro lado. Diante do comunismo, tem-se apregoado não raro como únicas razoáveis, sadias e atualizadas, uma linguagem e uma política de “compreensão”, coexistência e até colaboração, em face das quais toda tomada de atitude nitidamente anticomunista aparece como antiquada, antipática e condenável. Em uma palavra, na era do diálogo, em que entramos, seria sempre antipsicológico e contra-indicado – quando não descaridoso – apontar os erros do comunismo, prevenir contra eles a opinião pública, e utilizar a controvérsia doutrinária para que tais erros não só fracassem na conquista do Ocidente, mas acabem por ser rejeitados nas próprias nações de além da cortina de ferro e de bambu. Em lugar de alternar o diálogo com a controvérsia e até com a polêmica honesta e elevada, tratar-se-ia somente, entre comunistas e anticomunistas, de entrar em composição, e de chegar por um diálogo cheio de ambigüidades a uma síntese que seja uma amálgama de comunismo e anticomunismo. Este modo de proceder, professado não raras vezes por pessoas que timbram em dizer-se não comunistas, se ressente da influência da própria dialética marxista, para a qual não existe uma distinção objetiva e inteira entre a verdade e o erro, e o espírito humano caminha necessariamente de duas proposições contrárias – a tese e a antítese – para uma síntese que as contém e as supera. Cria-se assim o vezo de considerar que a solução para o grande confronto ideológico do nosso século está em encontrar uma terceira posição entre a verdade e o erro, o bem e o mal. Daí resulta que o anticomunismo seria em si mesmo errôneo. Pois ele vê no comunismo uma negação radical de verdades religiosas e de princípios da ordem natural imutáveis. Tal é a habilidade com que a seita marxista tem sabido inocular por toda parte seu relativismo dialético, que neste cinqüentenário é preciso começar por proclamar que, em face dela, o anticomunismo é uma posição legítima e necessária. Por anticomunismo entendemos aqui toda atuação que, dentro dos cânones da moral cristã, e alternando judiciosamente o diálogo com a polêmica, vise a refutar a doutrina marxista, a afirmar os princípios que lhe são opostos, a desfazer as tramas comunistas, a criar obstáculos à ascensão do comunismo nos países livres, e a favorecer a libertação dos povos por ele tiranizados. O anticomunismo assim visto comporta, como é óbvio, também a eliminação das injustiças que nas sociedades livres sirvam de caldo de cultura para o comunismo. E de nenhum modo se confunde com os excessos, ora burlescos ora trágicos, para o qual tem sido pretexto. Tudo isto esclarecido, repetimos que o anticomunismo é um bem. Para afirmar esta verdade, e para professar uma atitude definidamente anticomunista, é preciso coragem nos dias que correm. A bem dos princípios da ordem natural, a cuja defesa se vota, a TFP quer ter essa coragem, afirmando de público, nesta data cinqüentenária, sua posição anticomunista. Mas, dir-se-á, esta posição é evidentemente negativista, como se vê pela própria expressão “anticomunismo”. Tudo quanto é “anti” é negativo. E tudo quanto é negativo é destrutivo. Tal objeção resulta da ignorância de certas peculiaridades da linguagem humana. Por motivos vários, há em todos os idiomas palavras negativas de sentido positivo. Em português, por exemplo, apontamos entre outras, as seguintes: inocência, infalibilidade, independência. O comunismo é o “anti” por excelência, pois nega todas as verdades da Religião e todos os princípios básicos da ordem natural como no-los ensina a Igreja. Ser anticomunista é portanto ser contrário ao “anti”, à destruição. Negar o caráter positivo dessa ação contrária ao comunismo é o mesmo que negar o conteúdo positivo da atuação de um exército que repele a invasão inimiga, dos bombeiros que extinguem um incêndio, dos médicos que lutam contra alguma epidemia, etc. Uma sociedade como a TFP, que realiza uma considerável obra positiva de formação cívica da opinião pública, e de assistência à juventude moral e materialmente necessitada, pode – mais do que muitas outras entidades – afirmar a legitimidade e necessidade do anticomunismo. Tal afirmação, a TFP pode fazê-la sem temor de ser alcunhada de fascista ou nazista. Pois se tornou notório, durante o apogeu nazi-fascista, o combate sem tréguas que aqueles de seus diretores, que então tinham ação na vida pública conduziram dentro dos meios católicos contra o totalitarismo vermelho ou pardo, através do prestigioso hebdomadário paulistano “Legionário”. Homenagem aos heróis do anticomunismo Isto dito, compreende-se que uma palavra de homenagem comovida se profira aqui em memória de quantos, nestes cinqüenta anos, derramaram seu sangue levantando bem alto o pendão da luta anticomunista. Formam eles um longo, glorioso e trágico cortejo que começou com os valorosos russos brancos e se veio desdobrando através de vários povos e continentes. Nele notamos com especial emoção os “cristeros” mexicanos, os “requetés” da guerra civil espanhola, e os heróis da insurreição húngara de 1956. Também desejamos mencionar todas as vítimas que, nos campos de concentração, bem como nas várias prisões comunistas, desde a patibular Lubianka de Moscou, até a sinistra La Cabaña cubana, morreram, ou sofrem e agonizam no momento, por sua indômita recusa em aceitar o marxismo. Prestamos especial homenagem a todos quantos pelo mundo vão sofrendo a difamação e campanha de silêncio, a perseguição econômica e outras formas de pressão moral com que o comunismo alveja os que se lhe opõem. Uma figura há – vítima dos maiores tormentos morais e físicos – que simboliza de modo inigualável, nestes dias, a luta de todos esses heróis. Um Príncipe da Igreja que, por sua afirmatividade, seu desassombro, seu heroísmo de mártir autêntico, plenamente merece a púrpura que o exorna: Sua Eminência o Cardeal Mindszenty, Arcebispo de Esztergom e Primaz da Hungria, cujo nome é pronunciado com veneração e com indizível afeto por todos aqueles em cujo peito ainda vive autenticamente a fé. O fracasso mundial do proselitismo comunista Enganar-se-ia quem supusesse que os sacrifícios de todos esses bravos têm sido inúteis. O comunismo se encontra, é certo, em um apogeu. Domina um dos mais extensos impérios da História: desde o Elba até o Pacífico, desde o Pólo Norte até o Vietnã. A este império há que acrescentar os diversos “enclaves” vermelhos na própria Ásia, na África e na América. Entretanto, a História deixa bem claro que tal império de nenhum modo foi formado pela persuasão ideológica ou pelo livre assentimento dos povos que o integram. Nasceu ele da força brutal, do maquiavelismo político, da fraqueza quando não da cumplicidade de elementos instalados em posições de cúpula das próprias nações cuja missão é conter a expansão do comunismo. Dado que este é principalmente uma seita, e que enquanto tal visa convencer toda a humanidade do acerto de suas doutrinas, constitui para ele um fracasso iniludível o fato de que suas vitórias hajam sido sistematicamente filhas da violência, da traição e da imprevidência, e não da persuasão. O manifesto comunista de Karl Marx foi lançado em 1848. Durante cento e vinte anos, portanto, o comunismo vem conclamando as massas para o confisco, para o morticínio e para a impiedade. Nesta faina lhe têm sobrado os meios de propaganda: dinheiro fácil, agentes numerosos, técnicas de intimidação e confusão requintadas. Entretanto, nem uma só vez conseguiu ele apossar-se do governo pelo sufrágio popular. Nos próprios países em que chegou a arrebatar o poder não lhe foi possível até agora persuadir e menos ainda entusiasmar as multidões. Os seus déspotas só logram governar apoiados na opressão, na força e na espionagem policial. O “paraíso” vermelho parece tão atraente aos que nele habitam, que para evitar evasões em massa é mister fechá-lo como uma prisão. É patente que o marxismo perdeu nestes cem anos a batalha pela conquista da opinião mundial. Se disto mais alguma prova fosse necessária, dá-la-ia o repetido insucesso das guerrilhas que ele vem ateando com insistência em diversos países da América Latina. Lançadas habitualmente com sobejos recursos materiais e técnicos, acabam por se extinguir como uma chama à qual falta o ar. Por que? Sabe-se que nenhuma guerrilha é capaz de prolongar-se muito, sem o apoio das populações. E as guerrilhas comunistas têm definhado e morrido porque jamais obtiveram a simpatia dos honrados trabalhadores a que visam “libertar”. Cada vez mais – em conseqüência – o comunismo, para progredir, precisa disfarçar-se e diluir-se em “frentes comuns”, “terceiras-forças”, movimentos democrático-socialistas de rótulo cristão ou não cristão. De tal maneira ele se sabe indigesto para o paladar de toda a humanidade quando se apresenta com seu sabor próprio. E mesmo esses numerosos disfarces se vão desacreditando um a um. Disto dá provas em nosso País o calor com que importantes e dinâmicos setores da juventude, fechando o ouvido aos apelos esquerdistas do filocomunismo, confluem para as fileiras sempre mais numerosas e mais entusiásticas da TFP. Este fracasso se deve à inteligência, à ação e à efusão do sangue dos que nestes últimos cem anos têm lutado por toda a face da terra contra o marxismo. A efusão do sangue tem entretanto sua glória própria. Rendamos um preito especial aos heróis incontáveis que tombaram, e cujo nome está escrito no Livro da Vida. O dissídio sino-russo e o “aggiornomento” soviético: fundas suspeitos Uma panoramização atualizada da situação do comunismo no mundo, por mais sumária que seja, não pode abstrair do problema que preocupa incontáveis espíritos sérios: até que ponto é profunda, consistente e durável a animosidade recíproca, alardeada por Moscou e Pequim? Na raiz da divisão entre os dois “grandes” do comunismo, se apontam divergências de interesses econômicos e políticos. Tais divergências são difíceis de verificar por um observador ocidental, não só em razão da distancia geográfica, como da carência de informações. Com efeito, sendo a China vermelha e a União Soviética países estritamente ditatoriais, nos quais todas as informações são de fonte oficial e portanto dadas em proveito próprio, e acrescendo que a liberdade de movimentos e de investigação dos observadores para além da cortina de ferro e da cortina de bambu é muito escassa, o material informativo sobre a fricção dos interesses de ambas as nações é de pouca valia. Principalmente, é difícil saber de que peso essa fricção é na fixação dos rumos políticos do mundo comunista em face do mundo livre. Em outros termos, se em determinado momento se abrir para o Cremlin a possibilidade de jogar uma cartada internacional que lhe assegure algum enorme progresso em detrimento do Ocidente, até que ponto poderá ele contar – apesar do presente dissídio – com a solidariedade de Pequim? Caso essa cartada importe numa mais acentuada superioridade de forças da União Soviética, estará a China vermelha disposta a aceitar tal conseqüência, para o bem da expansão do comunismo? Mutatis mutandis, pergunta análoga se poderia fazer quanto à atitude da Rússia numa eventual cartada jogada pela China contra alguma nação livre da Ásia ou da Oceania. Como é bem de ver, esta problemática domina todo o assunto. E ela de índole essencialmente ideológica, pois importa em saber se a fidelidade dos governantes atuais das duas grandes potências do comunismo à causa da expansão mundial deste último é bastante forte para os impelir à imolação dos respectivos interesses nacionais ou pessoais. Muitas pessoas pensam encontrar elementos seguros para a solução deste problema no que parece estar ocorrendo na Rússia. A julgar por notícias vindas desse país, dir-se-ia com efeito que algo de novo ali começou a existir. Um surto ideológico à maneira de um “aggiornamento” (tomada a expressão em seu sentido etimológico) se iria operando nos arraiais mais conscientes e lúcidos do comunismo russo, o que faria esperar para a URSS um movimento análogo ao que foi o do Termidor na fase de liquidação final da Revolução Francesa. Esse “aggiornamento”, inspirado pelo desejo da paz e pelo manifesto absurdo de algumas conseqüências extremas do marxismo, conduziria ao relaxamento na coerência ideológica do Partido, a uma liberalização política interna em face das tendências oposicionistas, e por fim a uma distensão nas relações diplomáticas com o mundo livre. Segundo consta, o sopro de neo-termidorismo se estaria fazendo sentir especialmente entre os comunistas descontentes. E seria tão forte, que mesmo nos setores governamentais e nas esferas dirigentes do PCUS estaria ele determinando uma ou outra profunda mudança de orientação. Todas estas notícias se situam no campo político. E em política é preciso saber desconfiar. Assim, cabe a pergunta: até que ponto é autêntico esse conjunto de constas? Qual a verdadeira força desse “aggiornamento” no marxismo? Crepita ele contra as intenções dos supremos dirigentes do Partido e do governo? Ou pode ser comparado a uma mecha de fogo cuja graduação, dependente inteiramente dos desígnios do Cremlin, se acha agora em ponto algum tanto alto, só para facilitar um jogo internacional deste? Sim, um jogo gigantesco. Considerados os efeitos que têm produzido no Ocidente essas versões difundidas por todas as esferas filo-soviéticas, e acolhidas benevolamente em desavisados ambientes não comunistas, vê-se que a União Soviética alcançou com elas em breve tempo resultados superiores às expectativas mais otimistas. Se não fosse, por exemplo, a crença numa profunda “evolução” interna na Rússia, de Gaulle não teria desenvolvido uma política exterior que importou em criar um sensível mal-estar no Ocidente e acarretou uma diminuição de eficácia da NATO. Se dividir é a condição preliminar para imperar, é o caso de dizer que os rumores de um degelo ideológico na URSS alcançaram para esta última um precioso resultado. Pois lançaram uma não pequena medida de confusão e divisão na opinião pública de aquém da cortina de ferro e de bambu. Estas considerações são bastantes para que não se entreguem a um otimismo irrefletido, precipitado e possivelmente suicida os elementos responsáveis do mundo livre. E para que não baseiem toda a sua conduta em versões mal controladas, a respeito de fatos aliás instáveis por sua própria natureza. Mas, dir-se-á, esta atitude de vigilância não põe em risco a paz? A paz é certamente um bem inestimável. Não há sacrifício lícito que não se deva fazer em prol dela. Um destes sacrifícios consiste em manter diante das potências comunistas uma vigilância penetrante e calma. Tal vigilância fica a meio termo entre os dois extremos que comprometem a paz: a agressividade e a indolência. Ora, tal vigilância, é preciso recomendá-la mais do que nunca, no que concerne a um eventual degelo na Rússia. E se desse degelo se deve desconfiar, também cumpre não confiar na consistência do espalhafatoso antagonismo entre Moscou e Pequim. Pois, como vimos, o degelo ideológico dos soviéticos seria o fator mais ponderável do antagonismo sino-russo. Causa por isto alguma surpresa que certos círculos de responsabilidade em diversos países tenham continuado a deitar toda a confiança no dissídio China-Rússia, depois de haverem presenciado a colaboração política das duas potências em favor do Egito contra Israel. E que continuem a crer sem sombra de dúvida nas intenções pacíficas dos atuais dirigentes soviéticos, apesar de haverem sido noticiados nos últimos dias quatro fatos bem próprios a despertar as mais fundadas apreensões: 1 – as despesas militares da Rússia para o próximo ano terão um aumento de 3 trilhões e oitocentos bilhões de cruzeiros velhos, atingindo um total de 50 trilhões de cruzeiros velhos; 2 – o poder defensivo antimíssil da URSS está sendo consideravelmente acrescido; 3 – a URSS está passando, em matéria de mísseis, de uma posição meramente defensiva, para uma posição ofensiva, e equipa submarinos capazes de bombardear com esses engenhos qualquer litoral da Europa, América ou outro continente; 4 – uma poderosa esquadra de guerra soviética se introduziu no Mediterrâneo, e pode a todo momento atacar qualquer nação do sul da Europa. É fácil de ver quanto importa, à vista de tais fatos, não dar crédito fácil à autenticidade, à consistência e à durabilidade do “aggiornamento” russo e do correlato dissídio entre Moscou e Pequim. Uma das mais trágicas injustiças da História: as nações cativas Um balanço dos reflexos do fenômeno comunista no mundo contemporâneo não poderia deixar de incluir uma referência dorida a uma das maiores injustiças de toda a história da humanidade. Enquanto um vento de anticolonialismo sopra pela África e pela Ásia, e uma sensibilidade anticolonialista por vezes exacerbada se indigna com qualquer vestígio de colonialismo em qualquer parte do mundo, uma oprobriosa campanha de silêncio procura fazer esquecer que o colonialismo mais reprovável mantém cravadas as suas garras em numerosos povos dignos, por vários títulos, de sorte bem diversa. Com efeito, a dominação vermelha, alcançada pelo maquiavelismo e baseada na força, conserva sujeitos a um jugo injusto e a um regime social e econômico desumano, antinatural e nefasto, povos na maior parte ilustres por seu papel na cristandade, pelo valor de sua cultura, de sua arte e de seu progresso técnico. Mencionemo-los um a um pois, já que cada um tem um título a nosso respeito: albaneses, alemães, armênios, bielo-russos, búlgaros, chineses, coreanos, croatas, cubanos, eslovenos, eslovacos, estonianos, georgianos, húngaros, letões, lituanos, macedônios, mongóis, poloneses, romenos, russos, sérvios, tchecos, tibetanos, ucranianos e vietnamitas. Esse gênero de dominação tem todas as agravantes. Representa a sujeição do cristão ao ateu, do homem probo ao regime ímprobo, do homem civilizado à barbárie marxista. Importa na sujeição de povos estuantes de vitalidade e de possibilidades de progresso, a uma tirania onímoda, que os paralisa e que os asfixia, e em cujas garras se debatem em vão, sujeitos como estão a déspotas que não têm recuado diante de práticas genocidas, de perseguições religiosas e raciais, e de deportações em massa, – muito semelhantes, note-se, às do nazismo. Não é só o crime que constitui uma vergonha, mas também a indiferença ante ele, a placidez do espectador que, sentindo-se a coberto do risco, não quer assumir o duro ônus da defesa da vítima. Desta vergonha participam no mundo livre consideráveis setores de egoístas, quando não de simpatizantes do agressor. Não somos destes, e não queremos ser daqueles. A Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade não pode deixar que transcorra o ominoso cinqüentenário da revolução bolchevista, sem que – em meio a tantos silêncios deploráveis – levante contra esse colonialismo sua voz, a qual vai alcançando sempre maior ressonância na América Latina como em diversos ambientes da Europa e da América do Norte. Esse protesto vai acompanhado de uma expressão de profunda solidariedade com o sofrimento de todos os povos de além da cortina de ferro e da cortina de bambu, e de uma saudação fraterna aos refugiados de tantas nações mártires legitimamente saudosos da pátria em que deixaram o melhor do seu coração. Pelo Brasil O infortúnio do próximo nos leva a erguer ao Altíssimo nossa ação de graças pelo fato de ter nosso País escapado ao gravíssimo perigo comunista, de que o libertou o benemérito movimento de 31 de março. O comunismo continua a ser um perigo no Brasil. Mas importa saber com precisão no que consiste a força deste perigo. No auge da crise janguista, bem claro se tornou em que setores sociais mais intensa – ou melhor diríamos mais agressiva – é a fermentação vermelha. Com efeito, enquanto as camadas populares de tal maneira faziam ouvidos moucos à demagogia, que chegou a se queixar delas o Presidente em discurso proferido na antevéspera de sua queda, era em certos círculos (aliás minoritários) da burguesia que o janguismo tinha seu verdadeiro dispositivo de base: a “inteligenzia” comunista ou comunistizante, o esquerdismo demo-cristão e as “terceiras-forças” de todo naipe. Nestes ambientes é que o comunismo também poderá encontrar a todo momento os adeptos fanáticos, os cúmplices e os inocentes-úteis com que tentar alguma aventura no Brasil. Aventura tanto mais aliciante quanto constitui a única perspectiva de vitória para quem, como os agentes de Moscou e de Pequim, fracassou no intento de inocular nas massas a sua doutrina; para quem – como os déspotas soviéticos ou chineses – ao espírito aventureiro, servido pela violência e pelo maquiavelismo, deve vários de seus êxitos mais espetaculares. Sintomático do fato de que a percentualidade de um esquerdismo agressivo, ou até por vezes de um prurido comunista indisfarçável, é maior em certos círculos burgueses do que nas massas, é o que ocorre com os abnegados militantes da Tradição, Família e Propriedade que oferecem à venda em logradouros públicos obras anticomunistas. Nos bairros habitados pelas camadas mais modestas, inclusive o operariado, são recebidos com urbanidade e simpatia tão gerais, que é raro serem alvo de algum protesto. Nos bairros preferidos pelas camadas mais elevadas, pelo contrário, se bem que a atitude da grande maioria seja também cortês, simpática e não raro até entusiástica – são sensivelmente mais freqüentes os protestos de sentido esquerdista e mesmo comunista. Destes protestos, vários vêm de donos de carros que diminuem a marcha para lançar brados esquerdistas aos nossos militantes, e logo a seguir corajosamente disparam, a toda a velocidade. Assim procedem, por exemplo, alguns tantos ocupantes de automóveis de alto preço… A Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade está bem certa de que, não só pela presença pessoal como em espírito, serão incontáveis os brasileiros que se associarão no dia 5 às Missas que, em doze unidades da Federação, ela fará celebrar na intenção de que, vencidos os indeslindáveis e vigorosos dispositivos de difusão comunista, dissipada a simpatia, a ingenuidade e a displicência que diante do comunismo em certos círculos existe, a Terra de Santa Cruz nunca deixe de ser um País de civilização cristã, fiel ao seu passado e cada vez mais próspero e poderoso ao longo do seu porvir. São Paulo, 1º de novembro de 1967 O CONSELHO NACIONAL Plinio Corrêa de Oliveira Presidente Fernando Furquim de Almeida Vice-Presidente Eduardo de Barros Brotero – 1.º Secretário Caio Vidigal Xavier da Silveira 2.º Secretário (Seguem-se as assinaturas dos demais membros do Conselho). |
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