Plinio Corrêa de Oliveira
Neste século da confusão, rogai por nós ó Mãe do Bom Conselho
“Catolicismo” Nº 208-209 – Abril-Maio de 1968 |
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A síntese da bela história da devoção a Nossa Senhora de Genazzano, que “Catolicismo” hoje apresenta, é esta:
Numa pequena localidade da Itália a graça faz germinar, em substituição a um velho culto pagão, uma terna devoção a Nossa Senhora sob o título do Bom Conselho. Séculos mais tarde, um reino valoroso se encontra em triste declínio. Declínio político e militar, por certo, mas também e principalmente declínio religioso. Os católicos albaneses oferecem ao Islã a resistência ineficaz de um povo tornado tíbio. Com isto, a vitória das hostes de Mafoma resulta inevitável. Dois homens fiéis à Virgem se sentem perplexos, e vão ao santuário nacional da Albânia, em Scútari, a fim de implorar à imagem dEla que ali se venera um bom conselho: o que fazer, permanecer na nação dominada pelos turcos, a fim de ali servir à Santíssima Virgem, ou deixar a pátria rumo a plagas em que possam viver sem grave perigo para a fé? O bom conselho implorado lhes foi concedido sob a forma mais estupenda e inesperada. A imagem deixa Scútari, e em pós dela partem os nossos dois albaneses. A confirmar a autenticidade e o acerto deste conselho, a sagrada Efígie baixa maravilhosamente no local de Genazzano onde se cultuava a Mãe do Bom Conselho. Daí para diante, a história da Madonna transladada de Scútari não foi senão uma sucessão de triunfos. Quer em Genazzano, quer em outras cidades onde reproduções do quadro albanês foram expostas à veneração dos fiéis, as graças de toda ordem se multiplicaram incontáveis. E entre elas o atendimento freqüente das pessoas que, desejosas de um bom conselho, acorrem à Virgem, implorando a graça de uma luz para sua perplexidade. Entre essas imagens, importa lembrar a que se encontra na cidade de São Paulo, na imponente Capela do Colégio São Luís, dos RR. PP. Jesuítas, pois o modo pelo qual chegou a nosso País – como se narra em outro local desta edição – é verdadeiramente digno de especial atenção. Antes de prosseguir convém salientar uma peculiaridade da devoção a Nossa Senhora de Genazzano. Não é possível, com efeito, tratar dEla sem pôr em realce uma de suas peculiaridades mais importantes. Muitas das pessoas que recorrem à Virgem diante da Imagem de Genazzano ou de réplicas desta, têm afirmado que o semblante da Senhora lhes “responde” às orações. Não que o faça falando ou movendo-se, o que constituiria manifesto milagre. Mas, sem nenhuma alteração propriamente miraculosa, algo do olhar e da expressão da Divina Mãe toma caráter particularmente vivo e impregnado de maternal alegria quando o fiel é atendido. E é à multiplicação deste favor que em boa parte se deve a expansão universal da devoção a Nossa Senhora do Bom Conselho de Genazzano.
Qual a atualidade desta devoção? Sem dúvida, em nossa época tão aflita e conturbada, incontáveis são as almas que precisam, a este ou aquele título, de um bom conselho. Nada de melhor podem elas fazer do que implorar o auxílio dAquela que a Santa Igreja, na Ladainha lauretana, invoca como Mater Boni Consilii. Entretanto, cumpre ponderar que um conselho é de tanto maior valia quanto maior for a importância do assunto sobre o qual versa. Por isto, supremamente importantes são para cada um os conselhos necessários para conhecer a respeito de si mesmo – dentro da tempestade de trevas do século XX – os desígnios de Nossa Senhora e os meios aptos para os realizar. Aqui está um primeiro título para se afirmar a particular atualidade da devoção a Nossa Senhora de Genazzano neste século que poderá passar para a História como o século da confusão. Todavia, se alargarmos nossos horizontes para além da esfera individual, e considerarmos numa perspectiva histórica a crise pela qual hoje passa a Igreja de Deus, não poderemos deixar de ponderar que ainda aqui a humanidade precisa como nunca de um bom conselho da Virgem das Virgens. Encontramo-nos no ápice de um processo histórico oriundo, na Idade Média, de uma explosão de orgulho e de sensualidade. Desta explosão nasceram nos séculos XV e XVI o Humanismo, a Renascença e a Pseudo-Reforma protestante. Os vagalhões produzidos por esses movimentos se projetaram da esfera filosófica, cultural e religiosa para a esfera política e social, ocasionando, no século XVIII, a Revolução Francesa ímpia e igualitária. Esta por sua vez se desdobrou ao longo do século XIX em movimentos de índole atéia, laicista e revolucionária, que culminaram na eclosão do comunismo, revolução social e econômica que por sua vez ameaça tragar o mundo inteiro. No vértice deste processo, a alternativa se impõe: ou sucumbimos ao comunismo como outrora a Albânia ao islamismo, ou renunciamos inteiramente ao orgulho e à sensualidade, extirpando-lhes todos os efeitos quer na vida religiosa, quer na vida temporal, efeitos estes dos quais o comunismo não é senão a conseqüência supremamente lógica e supremamente maligna. Mas a rejeição efetiva e completa de um imenso pecado supõe uma imensa contrição. E uma imensa contrição supõe uma imensa apetência da perfeição na virtude contra a qual se pecou. Assim, a opção para o mundo moderno é entre um porvir tenebroso, feito das últimas capitulações ante os extremos do erro e do mal, e o abraçar entusiástico da plenitude da verdade e do bem. Como mover a humanidade – de tal maneira atolada no processo histórico que a vem impelindo há tantos séculos – a empreender a trajetória do filho pródigo rumo à casa paterna? Sem um possante auxílio da graça, a falar no interior de incontáveis almas, isto não se pode conseguir. Esse bom conselho a ser proferido no íntimo de cada coração para a salvação da humanidade, que melhor modo há de obtê-lo senão implorando à Mãe do Bom Conselho para que, por uma graça nova, converta o bárbaro super-civilizado do século XX? Só assim poderá este, à maneira do bárbaro sub-civilizado do século V, “queimar o que adorou e adorar o que queimou”. E só assim poderá ter origem uma nova e ainda mais esplendorosa era de fé. Esse é o bom conselho por excelência que os devotos de Maria devem pedir para si e para todos os homens nos dias que correm. Parecerá talvez excessivo, a alguns leitores, que afirmemos ser este o século mais confuso da História. No entanto, entre as múltiplas provas que a asserção comporta, é mister sobrelevar uma, a qual por si só justifica nossa afirmação. Com efeito, seria difícil contestar que em algum tempo a confusão tenha sido maior nos meios católicos, do que no nosso. Por certo, houve épocas em que a Igreja pareceu afetada por uma confusão mais grave. Assim, as crises ao longo das quais os antipapas dilaceravam o Corpo Místico de Cristo, ou a luta das Investiduras que cindiu durante muito tempo o Ocidente cristão, lançando o Sacro Império contra o Papado. Mas essas crises, ou eram mais de rivalidades pessoais que de princípios, ou punham em jogo apenas alguns princípios, se bem que básicos, da doutrina católica. Presentemente, pelo contrário, não há erro, por mais crasso e rotundo, que não procure revestir-se de uma roupagem mais ou menos nova para obter livre trânsito nos ambientes católicos. Pode-se dizer que assistimos em nosso próprio meio ao desfile de todos os erros, faceiramente disfarçados com pele de ovelha, a solicitar a adesão de católicos incautos, superficiais, ou pouco amorosos de nossa Fé. E, ante essas manobras quantas concessões, quanta falsa prudência, quanto criminoso namoriscar com a heterodoxia! Nesta atmosfera, que já sugeriu a Paulo VI algumas graves advertências, a confusão é tão grande, que em não poucos círculos os católicos zelosos da ortodoxia são mal vistos e suspeitos, enquanto a turbamulta das vítimas dos erros embuçados se porta com a desenvoltura de quem fosse dono da casa! Traçado este quadro, pensamos com afeto e com apreensão nas muitas almas modestas a quem as circunstâncias da vida não permitem maiores estudos religiosos. Quão necessário lhes é o bom conselho de Nossa Senhora, para vencer a confusão! A Igreja pode dizer de Si, analogicamente, as palavras de Nosso Senhor: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo.14,6). Se nos ambientes católicos sopra a confusão, é inevitável que esta se estenda por todos os outros domínios da existência. E na Igreja não pode haver confusão pior do que a dos princípios. É natural, pois, que afirmemos ser nosso século o século da confusão, e que de nossos lábios se evole para a Mãe de Deus uma súplica: Nossa Senhora do Bom Conselho, rogai por nós, e ajudai-nos a permanecer fiéis ao Caminho, à Verdade e à Vida, em meio a tanto extravio, a tanto embuste e a tanta morte. |