Plinio Corrêa de Oliveira
“Sr. Presidente da TFP.
“Quem lhe escreve não é um comunista – muito pelo contrário, é, e se honra de ser um centrista. Um admirador da tradição, um entusiasta da instituição da família, um cidadão convicto de que, com as devidas reservas, o direito de propriedade ainda tem uma importante missão a realizar no Brasil.
“Entretanto, não sou admirador da entidade que v. sa. fundou e chefia. Porque, a meu ver, ela cai num erro análogo ao do comunismo. Se o comunismo é um extremo a TFP é outro. E todo extremismo é mau.
“Porque não sou extremista, tenho, em face do comunismo, uma posição bem diversa da que toma a TFP. Acho que é preciso nos mostrarmos pelo menos tão sensíveis ao que ele tem de bom, quanto ao que tem de mau. Entendo que ele mais deve ser combatido com cordialidade e concessões do que com polêmicas ou com medidas de repressão. Pois a reação categórica não faz senão exacerbar os extremistas, enquanto as concessões os aplacam e lhes extinguem o dinamismo.
“Se amamos a tradição, em lugar de dizer que a Rússia de hoje é, em tudo, violentamente o contrário da de ontem – e o é mesmo – elogiemos o senso da tradição de que os soviéticos dão mostras na excelente organização de seus opulentos museus. Se amamos a família, digamos bem alto que essa instituição também existe nos países comunistas. E se queremos que estes não destruam a família brasileira, não façamos um drama diante da implantação do divórcio, que tornará o instituto da família menos rebarbativo para o gosto dos comunistas. Analogamente, se queremos amortecer a investida comunista contra a propriedade privada, aprovemos as reformas de base que a TFP tacha de “socialistas e confiscatórias”: não vê v. sa. que, uma vez “reformada”, a propriedade dos imóveis e das empresas despertaria muito menos ódio entre os comunistas?
“O resultado de toda esta política de concessões tão bem condensada na fórmula lapidar: “ceder para não perder” seria que, diante de um comunismo distendido e semi-satisfeito, as medidas de repressão, tão antipáticas e perigosas, se tornariam supérfluas. E nisto estaria a suprema vitória da tática que preconizo.
“Afinal, se a TFP quer defender a tradição, a família e a propriedade contra o leão que ameaça devorá-las, por que não concorda em aplacar o leão?
“Porisso, confesso-lhe que, a meu ver, a medida mais certa para se salvar a tradição, a família e a propriedade não consiste em lutar contra o comunismo, mas – perdoe-me a franqueza – em fechar a TFP”.
Penso que este texto resume, com fidelidade, o pensamento da mais astuciosa, e, ao mesmo tempo, da mais perigosa das esquerdas: a que se disfarça em centro. E por isto julgo interessante responder aqui aos principais pontos do manhoso arrazoado. Faço-o, também, na forma de uma carta.
* * *
“Sr. X.
“Quem realmente é cultor da tradição, reconhece nela um elemento indispensável da vida de um país. Digo, bem exatamente “da vida”. A tradição é um legado do passado, que se articula com o presente para dar significado e rumo ao futuro. A pretensa tradição soviética, como v. sa. a descreve (e tenho reservas a este respeito), trancada em museus e sem nenhuma relação com a vida, não é tradição. Quando os museus lembram um passado que o presente rejeita e odeia, são meros necrotérios da História.
“Quem está persuadido de que a família é condição básica do desenvolvimento não pode concordar em que ela seja substituída pelo concubinato. Ora, o que é o casamento, segundo a doutrina comunista, senão um concubinato que se faz e desfaz com meia dúzia (?) de formalidades, tão sumárias quanto as circunstâncias permitem? Será, ademais, que devemos aceitar o divórcio, só porque os comunistas vêem na solubilidade do vínculo conjugal um passo para o seu bem-amado “ideal” concubinatário?
“Quem está convicto de que a propriedade é um direito sagrado, indissociável da liberdade e do trabalho honrado, pode supor que esse direito seja mutilado sem que sejam implicitamente mutiladas a liberdade e o trabalho?
“Além disso, ou a propriedade é um direito, que toca ao homem pela própria natureza espiritual e livre dele, ou não é. Se é um direito, será justo, será honesto mutilar esse direito, com prejuízo para milhões de pessoas, só porque os comunistas implicam com ele?
“Se v. sa. acha que não é um direito, por que, de uma vez, já não se afirma comunista?
“Passemos a outro ponto. V. sa. entende que a repressão anima todos os extremismos, e por isto freme ao ver reprimido o comunismo. Mas, ao mesmo tempo, deseja o fechamento da TFP, e não teme, com isto, um incremento do ardor e do número de nossos militantes. Isto é lógico? Em relação a nós, v. sa. acha que uma extinção pura e simples resolve tudo… O “ceder para não perder” vale então só para a esquerda, e, para a direita, o que vale é “esmagar para não perder”?
“Por fim, é verdade que tudo quanto se opõe inteiramente a um mal extremo é, por sua vez, extremamente mau? Então, os bombeiros, que querem extinguir um incêndio, são tão odiosos e tão de se temer quanto o próprio incêndio? Ou uma campanha, que visa a supressão total do analfabetismo, é tão má quanto o próprio analfabetismo?
“Não, esta formulação de que o contrário de um mal extremo é outro mal extremo, não passa de um jogo de palavras. Assim, por exemplo, o contrário de uma mentira não é outra mentira oposta, mas a verdade.
“Por isto, o verdadeiro contrário do comunismo não é o extremo oposto, isto é, o nazismo, em última análise também ele dirigista, socialista e totalitário. O verdadeiro contrário do comunismo é o princípio de subsidiariedade, que os Papas tão bem definiram, e que muito sumariamente se exprime assim:
– a cada pessoa toca o direito e o dever de fazer por si tudo quanto pode, e a família a deve auxiliar no que ela não pode alcançar por si;
– a cada família toca o direito e o dever de fazer por si tudo quanto pode, e o município a deve auxiliar no que ela não pode alcançar por si;
– análoga coisa se deve afirmar quanto às relações do município com a província. E desta com o país.
“Mais ainda. Quando uma destas entidades se mostra menos suficiente, na sua esfera própria, do que naturalmente deveria ser, a entidade de ordem superior deve ajudá-la não só a sobreviver, mas a recuperar o seu nível normal de suficiência.
“Isto, sim, é o contrário dos extremos nazista e comunista. E é isto o que a TFP aceita, afirma e proclama. Se isto é extremismo, então 2 mais 2 não é mais igual a 4…”