A CAVALARIA NÃO MORRE

 

 

CAPÍTULO III


Índice

A REAÇÃO

UMA CAVALARIA SEM CAVALOS

 

Lutar, é preciso

Devemos reagir, sob pena de sermos julgados um dia pela História, com a severidade com que esta julga hoje a indolência dos romanos vendo as legiões de bárbaros invadirem o Império...

 

Em nossos dias,

não basta mais a coragem

dos tempos de paz. Resta-nos escolher

 entre ser um herói ou um covarde.

 

Nossa época é de fogo e de lama. Quem não arde como o fogo, é abjeto como a lama.

 

Quem

ama,

detesta.

Quem

detesta, luta

(Provérbio espanhol)

 

Eu prefiro ser demolido por aquilo que não suporto, a suportar aquilo que quereria demolir.

Duro? É. Graças suficientes? Há. A obra é muito boa. Logo: coragem!

Hoje, mais do que nunca, a forma mais pesada de cruz é a espada (1).

Só são capazes de ternura, os homens capazes de extremos de combatividade.

Lutar é viver!

Voz de Cristo, voz misteriosa da Graça, Vós dizeis em nossos corações palavras de batalha e de vitória (2).

A combatividade é uma forma de amor.

O Céu, lugar de paz, foi o maior campo de batalha da História (3).

 

Deus ama o heroísmo!

A todos os seus amigos,

um dia ou outro, Ele

concede a graça

de serem heróis.

 

Uma Cavalaria sem cavalos e sem armas

A luta do espírito e as realizações do espírito são ainda mais intensas que as outras lutas.

 

Cavaleiro é o homem

que passa pelo caminho

terrível do sacrifício

por um fim superior.

 

Neste vale de lágrimas, a alegria é a véspera do dia da luta; a luta é a véspera do dia da glória.

Mas o dia da glória não teria glória se a luta não tivesse dores, não tivesse dificuldades, não tivesse tristezas.

A mais violenta, a mais absorvente de todas as ações, aquela que se opõe mais diretamente à preguiça, não é o trabalho, é a luta.

Rafael - o Papa São Leão Magno detém Átila e suas tropas às portas de Roma (detalhes). O poder espiritual suplanta a força das armas, a personalidade de um Santo leva de vencida a de um bárbaro pagão.

 Quando se fala em luta, no presente volume, deve-se entender a pugna incruenta e absolutamente legal que se trava em prol das boas idéias, através do poder dos argumentos e da força da personalidade. Como a que se vê nesta imagem

 

 

Lutar é

viver em intensidade.

O homem que não luta é um infeliz.

Quando não se luta ou não se

sofre, sobram algumas energias.

Isto provoca uma frustração que

é pior que o sofrimento.

 

"O homem do tanque" - Pequim 1989

1989, Pequim - Nos dias da mais terrível e famosa repressão comunista dos últimos tempos, um jovem, com sua ação de presença, consegue deter uma coluna de tanques prontos para matar. Bom exemplo do tipo de combatividade preconizado neste livro, que se baseia na força da alma e não das armas

Revolução tendencial, a nova guerra

A Contra-Revolução* não é nem pode ser um movimento nas nuvens, que combata fantasmas.

Ela tem de ser a Contra-Revolução* do século XX, feita

    -- contra a Revolução* como hoje em concreto esta existe e, pois, contra as paixões revolucionárias como hoje crepitam;

    -- contra as idéias revolucionárias* como hoje se formulam, os ambientes revolucionários* como hoje se apresentam, a arte e a cultura revolucionárias* como hoje são;

    -- contra as correntes e os homens que, em qualquer nível, são atualmente os fautores mais ativos da Revolução*.

[É preciso] antes de tudo, acentuar a preponderante importância que (...) cabe à Revolução* nas tendências.

Essas tendências desordenadas, que por sua própria natureza lutam por realizar-se, já não se conformando com toda uma ordem de coisas que lhes é contrária, começam por modificar as mentalidades, os modos de ser, as expressões artísticas e os costumes, sem desde logo tocar de modo direto —habitualmente, pelo menos — nas idéias.

 

Dessas camadas profundas, a crise passa

 para o terreno ideológico. Com efeito

— como Paul Bourget pôs em evidência em

sua célebre obra "Le Démon du Midi"—

"cumpre viver como se pensa, sob pena de, mais cedo

ou mais tarde, acabar por

pensar como se viveu"(4).

 

Assim, inspiradas pelo desregramento das tendências profundas, doutrinas novas eclodem.

Essa transformação das idéias estende-se, por sua vez, ao terreno dos fatos, onde passa a operar, por meios cruentos ou incruentos, a transformação das instituições, das leis e dos costumes.

A revolução cultural

A guerra psicológica pode ser muito sumariamente definida como um conjunto de operações psicológicas destinadas a atuar sobre o ânimo do adversário, de sorte a levá-lo à capitulação antes mesmo que qualquer operação o tenha derrotado pela força.

Maio de 1968 - Paris

Ela assegura ao atacante

as vantagens da vitória,

sem os esforços, os custos

e os riscos da guerra.

 

Não se pense, aliás, que a guerra psicológica exclui inteiramente o emprego da força. Pois a intimidação do adversário faz parte de tal guerra, e certas operações de força ("invasões de terras", sabotagens, atentados, seqüestros, motins, etc.) podem intimidar e levar à capitulação a classe social que se queira derrubar.

 

A guerra psicológica visa a psique toda do homem,

 isto é, "trabalha-o" nas várias potências de

 sua alma, e em todas as fibras de sua mentalidade.

 

Maio de 1968 - Paris

Paris, 1968 - As pedras da revolução cultural colocam em xeque as instituições, o Estado e a força policial.

Como uma modalidade de guerra psicológica revolucionária, a partir da rebelião estudantil da Sorbonne, em maio de 1968, numerosos autores socialistas e marxistas em geral passaram a reconhecer a necessidade de uma forma de revolução prévia às transformações políticas e sócio-econômicas, que operasse na vida cotidiana, nos costumes, nas mentalidades, nos modos de ser, de sentir e de viver. É a chamada "revolução cultural".

O referido conceito de "revolução cultural" abarca, com impressionante analogia, o mesmo campo já designado por Revolução e Contra-Revolução, em 1959, como próprio da

Revolução* nas tendências (5).

A chave da Contra-Revolução* tendencial não consiste tanto em entrar nas tendências más, e dirigir contra elas uma guerrilha, quanto em conhecer as tendências boas, estimulá-las e favorecê-las.

A Revolução cultural é uma verdadeira guerra de conquista — psicológica, sim, mas total — visando o homem todo, e todos os homens em todos os países.

Um novo Aquiles, um novo Roland

A Antiguidade toda viveu do mito de Aquiles, uma figura imaginária. A Idade Média viveu em função da figura ideal do cavaleiro, que se personificava em Roland.

Agora, trata-se de explicitar o novo Roland. Isto é mais obra de arte do que erigir uma catedral.

O Roland ideal seria a soma do cavaleiro da Idade Média com o que veio depois.

O pulchrum* de um ideal se reflete na alma de quem por ele luta. Em todos os momentos de sua vida, Santa Joana d’Arc irradiava luz. Mesmo no momento trágico em que as chamas da fogueira começaram a lamber o lenho onde estava amarrada, ela luzia mais que as próprias chamas. Para a piedade deformada, o princípio moral é estudado no compêndio, mas não tem símbolo. Não há um Aquiles, os santos não são os Rolands da Lei de Deus. E nem é necessário.

O melhor símbolo das convicções de um homem é o próprio homem.

Audacioso até ao incrível, quando for a hora da audácia, — prudente até ao inimaginável, quando for a hora da prudência, — bom até ao inexcogitável, quando for a hora do perdão, — severo até o espantoso, quando for a hora do castigo, — confiante a ponto de desarmar os outros de tão confiante, quando se trata de confiar nAquela que merece uma confiança inteira, e em relação à qual até Deus, cujo olhar sonda os rins e os corações dos homens, teve um comprazimento tão irrestrito que chegou ao ponto de nEla se encarnar para habitar entre nós, — esse deve ser o novo cavaleiro.

 

Como será o novo

Roland, o Cavaleiro

sem cavalos do Terceiro

Milênio? — Para responder,

nos próximos capítulos se

percorrerá uma pequena galeria

de tipos guerreiros de

diversas eras e culturas,

começando por analisar

as relações entre

Inocência e Heroísmo

 

 

Tópico seguinte

Índice geral

Retornar à BIOGRAFIA


NOTAS AO TERCEIRO CAPÍTULO

1. Com efeito, a espada tem uma forma que lembra a cruz. E, muitas vezes, é preciso ter mais generosidade para encarar a luta do que, por exemplo, para aceitar passivamente uma doença.

2. Paráfrase do trecho inicial de O Livro da Confiança, do Pe. Thomas de Saint-Laurent, muito apreciado pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira: "Voz de Cristo, voz misteriosa da graça que ressoais no silêncio dos corações, Vós murmurais no fundo das nossas consciências palavras de doçura e de paz".

3. Há aqui uma referência ao "magno prélio" travado entre os anjos bons e os demônios (Apoc., cap. XII). Segundo a doutrina católica, após a criação dos anjos, Deus os submeteu a uma prova. Em conseqüência, parte muito significativa deles se rebelou, tendo sido escorraçada do céu por São Miguel, o "arqui-estrategista", secundado pela maioria dos anjos, que permaneceu fiel.

4. Paul Bourget, Le Démon de Midi, Librairie Plon, Paris, 1914, vol. II, p. 375.

5. Ver, pouco acima, o tópico "Revolução tendencial, a nova guerra".