A CAVALARIA NÃO MORRE

 

 

CAPÍTULO IV

DA INOCÊNCIA NASCE A CAVALARIA

Qual o membrudo e bárbaro gigante,

Do Rei Saul, com causa, tão temido,

Vendo o pastor inerme estar diante,

Só de pedras e esforço apercebido,

Com palavras soberbas, o arrogante,

Despreza o fraco moço mal vestido,

Que, rodeando a funda, o desengana

Quanto mais pode a Fé que a força humana,

Destarte o mouro pérfido despreza

O poder dos cristãos, e não entende

Que está ajudado da alta fortaleza

A quem o Inferno horrífico se rende.

 

Camões, Os Lusíadas

Canto Terceiro, 111-112


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A rainha e o menino

Desfile em carruagem da Rainha Elizabeth II - ca. 1970

Foto da rainha Elisabeth II da Inglaterra, nos anos 70

Ouve-se ao longe um tropel de cavalos. Repentinamente, como numa aparição, surge a rainha, com seu nobre aparato, seu charme distinto, seu apelo histórico.

A cena é maravilhosa e absolutamente mítica. O menino, eletrizado, se ergue, e nesse momento a máquina fotográfica o colhe. Mas ele não está pensando nas fotos.

Um arrepio de emoção o percorre; a "visão" maravilhosa ocupa todos os seus espaços interiores. Ele já não pensa em si; sua alma mergulha noutra esfera, numa esfera maravilhosa, de um mundo ideal, nobre, sublime.

Um mundo real, mais real do que o volátil mundo meramente concreto. Mas de uma realidade que só os admirativos, só as almas com alma, enxergam. O menino viveu.

"A alma maravilhável é uma alma maravilhosa, capaz de fazer maravilhas", diz o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira (O Universo é uma Catedral, p. 135).

Da admiração nasce o guerreiro autêntico. Plinio Corrêa de Oliveira explica como, nas próximas linhas..


 

Detalhe - Menino AdmirativoLa Grande MademoiselleNão sei se conhecem a descrição que Madame de Sevigné fez de um vestido da Grande Mademoiselle. Feito de tecido de ouro, bordado e rebordado de ouro e ainda ornado com certo ouro...o mais divino vestido que jamais se viu no mundo (1). A mentalidade do menino desta foto se descreve assim.

No Mercado de Roma, vendo escravos ingleses, o Papa São Leão Magno exclamou: "Non sunt angli, sed angeli" (2). Esse menino é um anjo. E numa civilização modelada por esse menino, caberiam canções de criança de uma candura incomparável, que ele vai cantar até quando for grande. Com uma velhice florida como a de Carlos Magno.

Este menino é a matéria prima [do novo Roland] (3).

O elemento essencial do brilho da personalidade desse menino é uma capacidade — se eu pudesse me exprimir assim — de ver tudo em dourado (4).

Ele veria todas as coisas banhadas de uma espécie de luz, consistente no máximo de nobreza e máximo de esplendor que a palavra ouro aqui significa.

 

É uma certa forma de nobreza,

uma forma de esplendor que o ouro,

enquanto cor suprema, representa

 mais do que todas as outras.

 

Culminâncias douradas

Este dourado, que é a cor na qual ele vê tudo (5), não é a idéia de que tudo deve ser dourado, mas de que as culminâncias de todas as coisas devem ser douradas.

Quer dizer, tudo deve chegar a um tal grau de nobreza, que atinja a respectiva culminância dourada.

Nesta culminância do dourado, as coisas recebem uma plenitude que se comunica, por sua vez, aos diversos graus inferiores.

Lealdade, coerência, lógica

Essa posição de alma [do menino de ouro] teria como corolário a necessidade de uma grande lealdade e de uma grande coerência. Pois só a lealdade é tão clara que sustenta a luz que há em seu espírito.

Grande lealdade, grande coerência e, portanto, lógica. Isso marcaria o modo de ele governar, tratar com as pessoas, administrar, economizar, rezar, de ele se haver com Deus e de agir em tudo.

Ele seria uma espécie de campeão da manutenção da lealdade, da reciprocidade, da correção, anexa com a limpeza em todas as formas. Em conseqüência, casa limpa, palácio limpo, ruas limpas, pureza, costumes limpos, tudo visto à luz da lealdade, da lógica, que é a rosácea por onde entra a luz áurea em todas as coisas.

Seu pensamento seria muito impregnado da idéia de justiça, mas não de uma justiça egoísta e resmunguenta. A justiça do generoso, a que gosta de dar, de atribuir, até de fazer mais do que deve.

Magnânimo, acha que a maior das misericórdias não é fazer favores, é conferir direitos.

 

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NOTAS AO CAPÍTULO IV

1. "Traje de ouro sobre ouro, rebordado de ouro e, por cima, ornado de um ouro mesclado com certo ouro, que resulta no mais divino tecido já imaginado: foram as fadas que fizeram em segredo esta peça" (De uma carta de Madame de Sévigné a Madame de Grignan, citada de memória pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira).

2. A tradução do latim para o português não apresenta o jogo de palavras que se pode notar no original: "Não são ingleses (anglos), mas anjos".

3. Algum leitor poderá estranhar que um menino imberbe possa ser considerado a matéria-prima de um guerreiro. Mas para o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira o fundamento da combatividade é a admiração. "Sem entusiasmo não existe heroísmo", costumava ele dizer. E sem admiração não existe entusiasmo.

4. Assim como São Gregório Magno viu figuras ideais nos escravos ingleses de Roma (ver nota acima), o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira idealiza a figura do menino, desdobrando os aspectos de sua personalidade consonantes com a atitude de suma admiração registrada pela fotografia. É o que fará mais adiante com a figura do beduíno.

5. As cores podem simbolizar estados de espírito. Assim, na linguagem corrente, costuma-se dizer que alguém vê tudo em preto, que as perspectivas são róseas, etc. O ouro aqui é a expressão de uma qualidade moral.