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       | Plinio Corrêa de Oliveira 
 Projeto
      de Constituição angustia o País 
 1987 |  | 
| Capítulo VIII – Comentários a temas esparsos tratados pelo
      Substitutivo Cabral 2Como já foi dito na Introdução à Parte IV, o
      presente livro não teve a intenção de conter um tratado comentando todo
      o Substitutivo Cabral 2. Se o tivesse, estaria no âmbito de
      analisar a totalidade dos seus dispositivos, um por um. A intenção do
      autor foi tão-só considerar os artigos especialmente relacionados com a
      posição ideológica da TFP. Embora adotando esse objetivo mais restrito, o
      trabalho está longe de ser curto. E o prazo de que foi possível dispor
      para fazê-lo foi o absolutamente indispensável para que chegasse a tempo
      ao conhecimento e à análise dos srs. Constituintes e da opinião pública. Na realidade, porém, distinção entre o que diz
      e o que não diz respeito às metas doutrinárias da TFP simplifica
      exageradamente a tarefa, porque há evidentemente matérias que a elas
      concernem apenas secundum quid. Não havendo tempo para tratar de modo cabal de
      todas elas, a TFP também não quis eximir-se inteiramente de qualquer
      pronunciamento. Razão pela qual agrupou no presente capítulo algumas
      dentre essas matérias, seguidas de comentários tão sintéticos quanto a
      natureza delas permitia. Entre tais matérias, ocupa lugar de especial
      importância a questão dos índios, porque afeta a soberania nacional e a
      evangelização dos silvícolas. Pelo que lhe foi consagrado todo o Capítulo
      anterior. Sobre as demais, o comentário se cinge a alguma rápida palavra
      destinada a que o leitor conheça, pelo menos em seus traços mais gerais,
      o pensamento da TFP acerca do conjunto do que seria um Brasil de amanhã
      modelado pelo Substitutivo Cabral 2. 1. Minguado o âmbito de ação
      das Forças ArmadasO Substitutivo trata, no art. 160, do papel a ser
      desempenhado pelas Forças Armadas: “As Forças Armadas, constituídas
      pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições
      nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na
      disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e
      destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes
      constitucionais e, por iniciativa destes, da lei e da ordem”. É digno de atenção que a convocação das Forças
      Armadas para a defesa “da lei e da ordem” não caiba
      exclusivamente ao Presidente da República, como ocorre para a “garantia
      dos poderes constitucionais”. Eventualmente haverá, pois,
      graves conjunturas internas com vistas às quais qualquer dos Poderes da
      República – portanto o Legislativo e o Judiciário também – poderá
      convocar as Forças Armadas. De si, tal atribuição não condiz com a
      natureza específica de nenhum desses Poderes. E é até incompatível com
      a estrutura tão amplamente colegiada do Legislativo. Pois normalmente
      essa convocação seria precedida, em tempos convulsos, de longos debates
      tendentes quiçá ao dramático, com intervenção de galerias etc. E quanto ao Judiciário, ficaria ele mal à
      vontade para tomar tal iniciativa, pois esta facilmente importaria em
      desencadear a repressão contra um setor criador de desordem. O que o
      Judiciário não poderia fazer sem julgar de algum modo como criminoso
      esse setor. E isto, baseado numa possivelmente discutível evidência dos
      fatos, e não nos dados apurados em um processo judiciário
      necessariamente circunspecto e lento. Pois graves perturbações internas
      exigem em geral convocação fulminantemente rápida das forças de
      repressão. Ademais, que sentido prático teria essa convocação,
      uma vez que, lançada esta, as forças convocadas estariam ipso facto
      sob o mando, não do Poder que as convocou, mas do Presidente da República?
      Pois, é de admitir-se que o Legislativo ou o Judiciário não fizesse
      essa convocação senão porque antes não a fizera o Chefe de Estado.
      Mas, se ele não a quis fazer, que alcance prático há em que outro Poder
      as convoque, e por assim dizer obrigue o Poder Executivo a tomar em mãos
      as rédeas das operações repressivas que ele julgasse contrária ao bem
      comum? [1] * * * Quanto à Segurança Pública, diz o Substitutivo
      Cabral 2: “Art. 162 – A Segurança Pública, dever do
      Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação
      da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através
      dos seguintes órgãos: “I – polícia federal; “II – polícias civis; “III – polícias militares e corpos de
      bombeiros militares”. O presente artigo exclui
      indiscutivelmente as Forças Armadas da tarefa de preservar ou
      restabelecer a ordem pública. De sorte que, mesmo em estado de grave
      convulsão interna para a qual sejam insuficientes os órgãos capitulados
      nos itens I a III, o Poder Público não poderá apelar à intervenção
      das Forças Armadas, as quais ficarão então assistindo de braços
      cruzados à derrocada do Brasil. Não cremos que tal dispositivo encontre aplausos
      em nossa opinião pública, a não ser em muito circunscritos setores que
      consideram com indiferença ou com simpatia a terrível hipótese. A propósito dos inconvenientes dos arts. 160 e
      162 do Substitutivo Cabral 2, é oportuno aduzir aqui as ponderações
      contidas na brochura Temas Constitucionais – Subsídios, divulgada pelo
      Centro de Comunicação Social do Exército: “É uma das mais arraigadas tradições do
      Direito Constitucional Brasileiro a dupla missão das Forcas Armadas
      contra o inimigo externo que ameace a soberania nacional ou a integridade
      de seu território, e contra aqueles que, no interior do país, perturbem
      gravemente a ordem ou afrontem os poderes constitucionais e o império da
      lei. “Alguns, entretanto, se insurgem contra
      o último  papel, esquecendo o
      fato de que as Forças Armadas, desde a nossa Independência, foram
      chamadas, constitucionalmente, a restabelecer a ordem e a lei, em graves
      momentos da vida nacional e, dessa forma, evitaram o caos político e
      social e até mesmo a desintegração do país. ... “Seria extremamente ilógico que um
      Estado, tendo à sua disposição um meio adequado e pronto para combater
      a ameaça vinda do exterior, deixasse de utilizá-lo, quando a ameaça se
      manifestasse no interior. “Devemos considerar, pragmaticamente,
      mesmo se a lei fundamental não previsse tal destinação, que
      dificilmente a sociedade aceitaria que as suas Forças Armadas se
      mantivessem impassíveis e inativas, em presença da desordem e do caos”
      (op. cit., 1987, pp. 4-5). 2. Reintegrados em seus postos
      os militares punidosAs Disposições Transitórias do Substitutivo
      Cabral 2, em seus arts. 6º e 7º, estatuem que: “Art. 6º - É concedida
      anistia a todos que, no período de 18 de setembro de 1946 até a data da
      promulgação desta Constituição, foram atingidos, em decorrência de
      motivação exclusivamente política, por atos de exceção,
      institucionais ou complementares e aos que foram abrangidos pelo
      Decreto-Legislativo no. 18, de 15 de dezembro de 1961, bem como os
      atingidos pelo Decreto-lei no. 864, de 12 de setembro de 1969, asseguradas
      as promoções na inatividade, ao cargo, emprego, posto ou graduação a
      que teriam direito se estivessem em serviço ativo, obedecidos os prazos
      de permanência em atividade previstos nas leis e regulamentos vigentes e
      respeitadas as características e peculiaridades próprias das carreiras
      dos servidores públicos civis e militares, observados os respectivos
      regimes jurídicos. “Parágrafo único – O
      disposto no ‘caput’ deste artigo somente gera efeitos financeiros a
      partir da promulgação da presente Constituição, vedada a remuneração
      de qualquer espécie de caráter retroativo. “Art. 7º - Os que foram, por
      motivos exclusivamente políticos, cassados ou tiveram seus direitos políticos
      suspensos a partir de 15 de julho de 1969 a 31 de dezembro de 1969, por
      ato do então Presidente da República, poderão requerer ao Supremo
      Tribunal Federal o reconhecimento de todos os direitos e vantagens
      interrompidos pelos atos punitivos, desde que comprovem ter sido os mesmos
      eivados de vício grave. “Parágrafo único – O
      Supremo Tribunal Federal diligenciará no sentido de que o reconhecimento
      previsto neste artigo se efetive no prazo de cento e vinte dias a contar
      da data do pedido do interessado”. O art. 6º das Disposições Transitórias
      pressupõe que todos os delitos praticados com “motivação
      exclusivamente política”, por elementos da esquerda – em geral de
      extrema-esquerda – na vigência do regime militar, foram inspirados por
      um nobre e desprendido patriotismo. E que os respectivos autores são
      autenticamente beneméritos da Pátria. Esta suposição explica que, em
      favor deles, se restabeleça o status quo anterior à ação
      delituosa de caráter político que tenham cometido. E, mais ainda, que
      sejam eles guindados à situação que normalmente ocupariam se tivessem
      servido constantemente o País, no período em que estiveram punidos. E tal seria a benemerência deles e de seus atos
      que o art. 6º os equipara, para todos esses efeitos, por
      exemplo aos militares que, disciplinados como convém à sua nobre condição,
      prestaram contínuos serviços para a manutenção da ordem e da lei. O que tal equiparação tem de disparatado ainda
      mais se acentua com a ambigüidade da expressão “motivação
      exclusivamente política”. Pois ela pode dar ao leitor menos
      versado  em assuntos jurídicos
      a impressão de que ficam excluídos dos benefícios dessa anistia todos
      os que, no exercício do crime político, cometeram ações que seriam
      nitidamente criminosas se fossem praticadas por motivos apolíticos, como
      matar, ferir, seqüestrar etc. Porém a realidade é outra. Por crime de “motivação exclusivamente política”
      se entende aquele que é político por sua meta e cujo agente não teve, a
      par da motivação política, também uma motivação delituosa de ordem
      pessoal. Seria o caso, por exemplo, de um assassinato cometido para o fim
      de eliminar um adversário político. Mas, igualmente, de proporcionar ao
      assassino que se locuplete com o dinheiro que, segundo era notório, a vítima
      traria consigo, no momento de ser abatida. Só esses criminosos é que
      seriam excluídos do benefícios da anistia. 3. Independência do Judiciário,
      profundamente comprometida em disposições do SubstitutivoCom referência à criação
      do “Conselho Nacional de Justiça”, preceituada pelo
      art. 144 do Substitutivo Cabral 2, há que dizer que ele constitui um dos
      dispositivos mais perigosos do Projeto: “Art. 144 – O Conselho Nacional de Justiça
      é o órgão de controle externo da atividade administrativa e do
      desempenho dos deveres funcionais do Poder Judiciário e do Ministério Público. “Parágrafo único – Lei complementar
      definirá a organização e funcionamento do Conselho Nacional de Justiça,
      em cuja composição haverá membros indicados pelo Congresso Nacional,
      Poder Judiciário, Ministério Público e Conselho Federal da Ordem dos
      Advogados do Brasil”. O Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo,
      pela unanimidade de seu Plenário, decidiu enviar ao Presidente da
      Constituinte, Deputado Ulysses Guimarães, ofício que, analisando com
      segurança e brilho, dispositivos do Projeto anterior (Cabral 1)
      sobre o mesmo assunto pôs em relevo quanto eles continham de errado e de
      perigoso. Tal análise vem a propósito recordá-la aqui, no que diz
      respeito aos artigos 144 e 110 do Substitutivo Cabral 2, de análogo
      teor. Reza o ofício subscrito pelo desembargador Marcos Nogueira Garcez,
      Presidente do alto órgão, e datado de 11 de setembro de 1987. “O Tribunal de Justiça de São Paulo, por unânime
      deliberação de seu Plenário, manifesta profunda apreensão com o
      primeiro substitutivo apresentado pelo Ilustre Relator da Comissão de
      Sistematização da Assembléia Nacional Constituinte, nobre Deputado José
      Bernardo Cabral, no concernente à autonomia do Judiciário. Aspira a
      comunhão dos brasileiros a uma Justiça efetiva e eficaz, apenas compatível
      com o poder estatal dotado de condições de independência que assegurem
      a sua absoluta imparcialidade. Não é esse o contorno delineado no
      referido substitutivo, ao abrigar interferências comprometedoras da
      higidez de uma das expressões da soberania nacional. Em dois pontos a
      superposição se torna inadmissível: I. A Seção X do Capítulo IV
      contempla os denominados Conselhos Nacional e Estaduais de Justiça,
      incumbidos do controle externo do Judiciário. A concepção de organismo
      interferente em tais funções repugna à consciência jurídica
      brasileira, por abrigar possibilidade de subordinação da independência
      do juiz a ditames outros que não os da lei. Essa demasia sequer foi
      objeto de cogitação pelos defensores do arbítrio. II. Em outro
      preceito, o do artigo 136 do substitutivo, acolhe-se a intervenção
      externa para incluir nos Tribunais integrantes do quinto constitucional
      que ao próprio Judiciário compete selecionar, bastante a limitação já
      prevista no texto do Projeto. Deposita o Poder Judiciário de São Paulo
      em Vossa Excelência a confiança de que o jurista e fiador da democracia
      brasileira se tornou merecedor, para a supressão dos artigos 136, 172 e
      173 do substitutivo, retornando o texto constitucional à salutar tradição
      garantidora da autonomia até hoje resguardada. Permitindo que órgãos e
      entidades interfiram direta ou indiretamente na estrutura e funcionamento
      da Justiça, restará um Poder Judiciário vulnerado em sua independência,
      com previsíveis reflexos no aprimoramento da vida democrática
      brasileira. O Tribunal de Justiça de São Paulo manifesta a sua confiança
      na sabedoria da Augusta Assembléia Nacional Constituinte e reitera a
      Vossa Excelência as expressões da mais elevada consideração e apreço.
      A) Marcos Nogueira Garcez, Presidente” (Diário Oficial/ Estado de São
      Paulo / Poder Judiciário / Caderno 1, de 16-9-87). Cumpre também transcrever a alertada recomendação
      da Associação Paulista dos Magistrados, publicada no Órgão Oficial do
      Poder Judiciário de São Paulo: “A Associação Paulista dos
      Magistrados recomenda a todos os Juizes que consignem um ato de protesto
      contra os artigos 144 e parágrafo único e 110 e parágrafo único do
      Substitutivo apresentado na Constituinte. Impõe-se o ato de desagrado dos
      Magistrados Paulistas em relação à composição do Quinto
      Constitucional e da criação de órgão externo de controle do Poder
      Judiciário. A manifestação deverá constar da ata de audiência e
      comunicada ao Presidente da Assembléia Nacional Constituinte”(Diário
      Oficial / Estado de São Paulo / Poder Judiciário / Caderno 1, de
      23-9-87). 4. Extinção da enfiteuse em
      áreas urbanasSobre a enfiteuse, reza o Substitutivo Cabral 2,
      no art. 49 das Disposições Transitórias: “Fica extinto o instituto da enfiteuse em imóveis
      urbanos sendo facultada, aos foreiros a remissão dos imóveis existentes,
      mediante aquisição do domínio direto, na conformidade do que dispuserem
      os respectivos contratos. “§ 1º - Aplica-se
      subsidiariamente o que dispõe a legislação especial dos imóveis da União,
      quando não existir cláusula contratual. § 2º - Os direitos dos atuais
      ocupantes inscritos ficam assegurados pela aplicação de outra modalidade
      de contrato. § 3º - A enfiteuse continuará
      sendo aplicada aos terrenos da marinha e seus acrescidos, situados na
      faixa de segurança de cem metros de largura, a partir da orla marítima. § 4º - Extinta a enfiteuse, o
      antigo titular do domínio direto deverá, no prazo de noventa dias, sob
      pena de responsabilidade, confiar à guarda do registro de imóveis
      competente toda a documentação a ela relativa”. Não há motivo para que se
      extinga compulsoriamente a enfiteuse, que constitui um ato jurídico
      perfeito e acabado, cujo ônus pesa tão levemente sobre os foreiros. O
      art. 49, que é obviamente elemento integrante de uma Reforma Urbana,
      participa, sob esse ponto de vista, da brutalidade de todo o movimento
      reformista atualmente em curso. Mas pelo menos este artigo conserva o direito do
      titular do domínio direto, à indenização contratada. De outro lado, continua vigente a enfiteuse em imóveis
      rurais. 5. A censura: um dirigismo
      doutrinário “neutro”, mas despóticoTambém sobre a censura dispõe o Substitutivo
      Cabral 2: “Art. 249 – É assegurada aos meios de
      comunicação ampla liberdade, nos termos da lei. § 1º - É vedada toda censura
      de natureza política e ideológica. A lei criará os instrumentos
      necessários para defender a pessoa: “I – da exibição e
      veiculação de programas e mensagens comerciais, do rádio e da televisão,
      que utilizem temas ou imagens que atentem contra a moral, os bons
      costumes, e incitem à violência. “II – da propaganda comercial de bens
      e serviços que possam ser nocivos à saúde. ... “Art. 250 – As emissoras de rádio e
      televisão promoverão o desenvolvimento integral da pessoa e da
      sociedade, observados os seguintes princípios:
      ...” As emissoras de rádio e televisão são titulares
      de uma concessão estatal para seu funcionamento (art. 252). Tem nexo com
      isto o fato de que o Poder Público as possa investir de uma missão com
      vistas ao bem comum, ou seja, “o desenvolvimento integral da
      pessoa e da sociedade”. À primeira vista, nada mais louvável. Contudo,
      da leitura atenta do texto surgem perguntas, e destas, por sua vez, se
      depreende uma objeção. As perguntas: 1ª ) Em que consiste precisamente,
      segundo o Substitutivo, “o desenvolvimento integral da pessoa e da
      sociedade?” 2ª ) A quem toca o poder de definir,
      em nosso Estado doutrinariamente neutro, o que caracteriza uma e outra
      coisa? 3ª ) A quem compete julgar se, em uma
      dada emissão de rádio ou de TV, não se promoveu tal desenvolvimento,
      mas pelo contrário foi ele prejudicado? 4ª ) Que pena cabe aplicar à emissora
      que transgrida assim a norma do art. 250? O silêncio do Substitutivo a tal respeito, traz sérias
      conseqüências. Pois é incontestável que ele caminha para a formação
      de um órgão inquisitorial, encarregado de dispor sobre essas matérias,
      com base em leis claramente normativas do pensamento humano, em assunto tão
      amplo e tão fundamental como seja “o desenvolvimento integral da
      pessoa e da sociedade”.  E, assim, soa contraditório o art. 249, segundo o
      qual “é assegurada aos meios de comunicação ampla liberdade”.
      Mas esta liberdade “ampla” sofre uma restrição: ela se
      exercerá “nos termos da lei”. De uma lei
      arbitrariamente traçada pelo Poder Legislativo, sem base exata, nem de
      ordem doutrinária, nem religiosa, pois a tal se opõe a neutralidade do
      Estado. A censura assim estabelecida não se pode
      confundir, portanto, com a censura moral de inspiração religiosa,
      ardentemente pedida em vários países pela opinião católica. Com efeito, a Moral cristã não resulta do arbítrio
      de nenhum poder humano, mas de Mandamentos que têm o próprio Deus por
      Autor, e por intérprete e mestra a Santa Igreja Católica, cujo
      ensinamento a tal respeito se firma em vinte séculos de fidelidade e coerência
      para com os preceitos de Deus no Antigo e no Novo Testamento. Ademais, a Moral cristã dispõe do consenso quase
      unânime do povo brasileiro. Mas à censura com tal base se opõe o liberalismo
      do Substitutivo. Tal não o impede de adotar em seguida um dirigismo
      doutrinário contraditoriamente “neutro” e na realidade despótico. Analisando mais a fundo o art. 249, as contradições
      se multiplicam, pois a proibição estabelecida em seu § 1º não
      toma em consideração que “o desenvolvimento integral da pessoa e
      da sociedade”, preceituado pelo art. 250, envolve vários
      aspectos “de natureza política e ideológica”. Merece entretanto franco aplauso a proibição de
      programas e de publicidade “que utilizem temas ou imagens que
      atentem contra a moral, os bons costumes, e incitem à violência”.
      Embora pareça por demais vago o que esse dispositivo entende por “imagens
      que atentem contra a moral”, e que “incitem à violência”. Os inconvenientes desse cunho vago saltam aos
      olhos, pois em relação a cada programa ou imagem autorizada pela censura
      vem, indissoluvelmente ligado, o conceito de que o Poder Público lhe
      endossa a moralidade. Ora, no Brasil, como em quase todo o Ocidente
      contemporâneo, o Estado é leigo e, como tal, não professa oficialmente
      a Moral ensinada pela Igreja Católica, nem por qualquer outra igreja. A moral leiga procura basear-se em razões de
      ordem estritamente natural. E os preceitos desta, precisamente porque não
      têm por Autor Deus, mas os homens, não participa da imutabilidade de
      Deus, mas da mísera mutabilidade dos homens.  Dessa forma, não basta dizer que essa
      mutabilidade se fará sentir por modificações operadas de geração em
      geração, mas em geral se fará sentir entre filósofo e filósofo, sociólogo
      e sociólogo, chefe de família e chefe de família, em uma mesma geração.
      É o que mostra a experiência corrente. Assim, a moral reinante se identificará forçosamente
      à moral professada pelo Chefe de Estado, ou, conforme o caso, pelo
      legislador ou pelo Juiz. Ela mudará de censor de espetáculos a censor de
      espetáculos, no mesmo País, Estado ou Município. A censura, que teria toda sua razão de ser a
      partir da imutável Moral da Igreja – e que perderia muito de sua
      consistência e nobre rigidez, se baseada na moral já sujeita a discussões
      internas, freqüentes em outras igrejas – perde quase toda sua utilidade
      no Estado leigo contemporâneo. Pois, no Brasil recém-laicizado da
      primeira fase republicana (1889-1930), a sociedade, também ela já muito
      impregnada de laicismo, ainda conservava, por via consuetudinária, a
      Moral católica bimilenar. Mas, em nossos dias, em que o relativismo moral
      tomou quase inteiramente conta da sociedade, a tradição cristã
      bimilenar está em vias de esvair-se. Quando a primeira Constituição republicana
      (1891) falava em ordem pública e bons costumes, todo mundo entendia por
      “bons costumes” os que correspondiam ao cumprimento dos preceitos da
      Moral cristã. Embora laica, a expressão tinha consistência, como há
      pouco se disse. Hoje... 6. A imprecisão de conceitos
      do SubstitutivoÀ vaguidade apontada no tópico anterior se deve
      acrescentar a indefinição de conceitos que, por vezes, se nota daqui e
      dali entre as disposições do Substitutivo Cabral 2. Sirvam de amostra os exemplos que seguem: O § 39 do art. 5º estabelece que “todos
      podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público,
      sem necessidade de autorização, somente cabendo pré-aviso à
      autoridade quando a reunião possa prejudicar o fluxo normal de
      pessoas ou veículos”. Este parágrafo dispensa “autorização”
      e “prévio aviso à autoridade”, quanto às reuniões
      “em locais abertos ao público”, desde que não prejudiquem o
      “fluxo normal de pessoas ou veículos”. Mas o dispositivo não
      define o que é “reunir-se”. Assim, dependeria de autorização
      prévia a reunião de diretores de uma empresa ou de um partido político,
      por ser realizada costumeiramente em salas de reunião inacessíveis ao público?
      Ou uma reunião de acionistas ou uma prévia de um partido político, a
      ser realizada explicavelmente em local também inacessível ao público? Ou o Substitutivo quereria ter dito aqui, como
      casa melhor com o sentido da frase, “em locais públicos”, em
      vez de “abertos ao público”?  O § 40 do mesmo artigo estatui: “É plena
      a liberdade de associação, exceto a de caráter
      paramilitar, não sendo exigida autorização estatal para a sua fundação,
      vedada a interferência do Estado em seu funcionamento”. Que se entende por uma associação “de
      caráter paramilitar?” Por exemplo, as que praticam artes
      marciais, embora sem armamentos, se incluem por isso na condição de
      paramilitares? Seria paramilitar um clube de atiradores? Parece supérfluo, ademais, reafirmar o óbvio,
      pois se “é plena a liberdade de associação”, é
      evidente que “não será exigida autorização estatal”
      para a fundação de associações... * * * O art. 5º, § 31, afirma que “todos
      têm direito a receber informações verdadeiras, de interesse particular,
      coletivo ou geral, dos órgãos públicos e dos órgãos
      privados com função social de relevância pública, ressalvados
      apenas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade
      e do Estado”. Entretanto, o dispositivo não define o que sejam
      “órgãos privados com função social de relevância pública”
      dos quais “todos têm direito a receber informações verdadeiras [sic]
      de interesse particular, coletivo ou geral”. Um exemplo ajudará a entender a inconveniência
      dessa indefinição. Considere-se a Light and Power de São Paulo,
      quando ainda exclusivamente particular. Ela se enquadraria perfeitamente
      bem no que parece estar contido no conceito emitido, pois tinha uma “função
      social de relevância pública”. Por esse novo dispositivo é de
      se perguntar se não teria ela que montar um departamento de informações
      capacitado a atender o interesse de todos aqueles que “têm o
      direito de receber informações verdadeiras”, mesmo quando se
      tratasse de um possível concorrente comercial... A isso obrigaria a Lei! 
      Tanto mais quanto o Substitutivo Cabral 2, fundamentalmente
      estatista, não cuida de preservar o legítimo interesse dos mencionados
      “órgãos privados com função social de relevância pública”.
      Ainda que a própria função social torne de utilidade pública a proteção
      dos interesses de uma entidade privada do gênero da que foi a Light. A que abusos não pode levar um texto ambíguo
      desses, posto em mãos de mal-intencionados? * * * O art. 5º, § 43 dispõe que “as entidades
      associativas, quando expressamente autorizadas, na forma de seu
      estatuto ou seu instrumento constitutivo, têm legitimidade para
      representar seus filiados em juízo ou fora dele”.  O conceito de “entidade associativa”,
      contudo, é nebuloso. Pois, uma vez que existe uma “entidade”, existe
      uma pessoa jurídica. E a pessoa jurídica, quando não constitui fundação,
      constitui necessariamente associação. Tal seria, também, que essas “entidades
      associativas”, “quando expressamente autorizadas”,
      não possuíssem “legitimidade para representar seus filiados em
      juízo ou fora dele”. Assim, qual a razão de ser deste parágrafo? [1] Compare-se a título informativo, o art. 160 do Substitutivo Cabral 2 , com os arts. 90 e 91 da Constituição vigente: “Art.
          90 – As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército
          e pela Aeronáutica, são instituições nacionais, permanentes e
          regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a
          autoridade suprema do Presidente da República e dentro dos limites da
          lei. “Art.
          91 – As Forças Armadas, essenciais à execução da política de
          segurança nacional, destinam-se à defesa da Pátria e à garantia
          dos poderes constituídos, da lei e da ordem. “Parágrafo único – Cabe ao Presidente da República a direção da política da guerra e a escolha dos Comandantes-Chefes”. | ||