Plinio Corrêa de Oliveira

 

Sob o signo do Cruzeiro do Sul

 

 

 

 

 

 

 

Discurso pronunciado no dia 1° de setembro de 1932, nos microfones das Sociedades Rádio Educadora Paulista e Rádio Cruzeiro do Sul

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No belo brasão de armas com que acaba de ser dotado o Estado de São Paulo, figura, como sinal heráldico principal, a espada com que a Igreja costuma representar o Apóstolo São Paulo, o indomável evangelizador dos gentios.

É intenção da Igreja salientar assim o espírito combativo do grande Apóstolo.

Nosso Estado, no momento da luta, ao escolher seu brasão de armas, homenageia seu Patrono, ostentando-lhe a espada, como que a indicar que a sua energia combativa, posta sempre a serviço da causa de Deus, é o grande modelo em que se inspiram os heroísmos de que nosso Estado tem sido fecundo.

E foi desembainhando esta espada posta a serviço da causa da Pátria, da família, e da propriedade, que, no dia 9 de julho, o Estado de São Paulo se erguia como um só homem, para depor a ditadura chefiada pelo Dr. Getúlio Vargas.

Desde os primeiros instantes da luta, a maravilhosa unanimidade dos habitantes de Piratininga se revelava através de uma estreita colaboração, que se ia estabelecendo entre todos os fatores econômicos, políticos, sociais, intelectuais e espirituais do progresso paulista.

* A resistência tenaz dos paulistas, fator auspicioso

Hoje, 1° de setembro, depois de 51 dias de luta, a ditadura pode constatar sua impotência em sufocar a revolução nascida em São Paulo. Em todas as frentes, os comunicados oficiais anunciam o fracasso das ofensivas tentadas por nossos adversários. Suas investidas encontraram na resistência paulista uma barreira intransponível, contra a qual se arremessaram em vão os esforços da artilharia e os ardis maquiavélicos que, de há muito, o Direito prescreveu das guerras entre exércitos civilizados.

Ainda que outros fatos mais favoráveis não existissem, esta resistência tenaz dos paulistas já nos poderia sorrir como auspicioso prenúncio da vitória.

O Brasil, porém, acode todo ele pressuroso ao chamado de São Paulo. O Rio Grande do Sul se convulsiona. Agita-se o Rio de Janeiro. Irrompe um levante em Minas. Motins ensangüentam a Bahia. Por toda a parte, enfim, uma reação decidida mostra à evidência que a condenação do escol dos brasileiros cai severamente sobre a ditadura, abandonada por todos, e defendida apenas por um pequeno grupo de fiéis, que vão haurir no desespero toda a sua energia combativa.

Como a árvore, que faz estalar sua velha casca, um Brasil novo surge e se manifesta, que por toda a parte se revolta contra a rede de interventores que o Governo Provisório espalhou sobre nosso território.

A vitória se aproxima, portanto.

* Aproveitar a vitória

Não nos esqueçamos, porém, nas alegrias do triunfo, das preocupações inerentes à reorganização nacional. Napoleão Bonaparte afirmava que vencer é pouco; o importante é aproveitar o sucesso. Modificando ligeiramente a afirmação do grande general corso, poderíamos dizer que vencer é muito, mas de nada vale, se não for bem aproveitada a vitória.

Ora, a vitória não será bem aproveitada, enquanto não forem definitivamente removidos, até nas suas causas as mais remotas, os fatos que nos forçaram a apelar para o recurso extremo das armas.

* A raiz da crise é de ordem moral

Não nos iludamos sobre as causas profundas da tremenda crise que o Brasil atravessa, e que enche de angústias a mais tormentosa quadra de nossa História.

A crise do Brasil apresenta sintomas econômicos, sociais, políticos. Sua raiz, porém, é de ordem moral, e exclusivamente moral.

E se alguém ainda duvidasse da existência ou da profundidade do mal, dir-lhe-íamos que atendesse ao fato simplesmente inquietante de, em um País que tem quatro séculos de História honrada e cheia de brilho, aparecer subitamente uma ditadura cujos atos mereceriam figurar em operetas, e não em compêndios de História, que arvora a anarquia administrativa em sistema de governo, e a arte de despistar em arte de governar.

Qual o ponto de apoio desta ditadura? Como o sepulcro de Maomé, suspenso entre o Céu e a Terra, a ditadura nenhum apoio tem, quer de Deus, quer dos homens.

Quais os defensores desta ditadura? Um grupo reduzido de ditadores do ditador, a lhe impor determinações, a tutelar Estados, e dividir o Brasil em Interventorias e vice-reinados, como crianças que entre si dividem um lote de brinquedos!

É tal sua força convincente, tal o ardor com que fazem a apologia do estranho governo que apóiam, que conseguiram a adesão de diversos elementos de boa fé.

Excluídos, porém, estes elementos, que são um mero joguete nas mãos do "Club 3 de Outubro", temos o espetáculo inédito de um sindicato de políticos, a feitorizar a nação por um ano e meio, forçando finalmente a população a se levantar para impor um regime de ordem e de lei, contra o desejo - suprema ironia! - das autoridades que deveriam ser as defensoras natas da mesma ordem e da mesma lei!

* É vão reconstruir sem sanar a causa do mal

Este fato gravíssimo nos força à reflexão. E, por menos que reflitamos, vemos claramente que é na moralidade fraca de certos elementos que reside a causa de tantas desgraças.

E, enquanto não for sanada a causa de tal debilidade moral, estará aberta a porta a novas lutas, que condenarão o Brasil ao suplício tantálico (1) de ver fugir-lhe dos lábios ressequidos a paz e a ordem que tanto almeja, logo que esta se aproxime por momentos de sua boca sedenta.

Eternamente a construir revoluções e a destruir, desencantado e desiludido, a obra que levantara, o Brasil consumirá nesta tarefa ingrata o melhor de seu tempo, em lugar de caminhar decididamente para a alta missão que lhe reserva a Providência.

Não constitui argumento alegar que é pequeno o número de elementos nefastos que provocaram e agora defendem a lamentável situação atual que só conseguimos remover com o recurso às armas. O micróbio se vale justamente de sua pequenez, para iludir a atenção dos incautos, e vitimar em pouco tempo os mais robustos organismos.

Agora que São Paulo - arrastando consigo todo o Brasil - enche páginas e páginas de glória, que legará ao futuro, é imprescindível que cogitemos seriamente das providências necessárias para a definitiva pacificação do Brasil.

* Nova Constituição conforme às tradições do País

A grandeza do heroísmo com que lutam nossos soldados, a beleza da abnegação com que aflui às arcas do Tesouro o que de mais precioso continham as economias dos pobres e os cofres dos ricos, o edificante exemplo de solidariedade cívica que damos hoje ao mundo inteiro, tudo isto precisa ser resguardado dos perigos que virão depois da vitória.

É imprescindível que, quanto antes, se dote o Brasil de uma Constituição realmente conforme as tradições espirituais e históricas do País. É imprescindível que novas leis venham pôr cobro a abusos que já se tornam velhos.

* De que valem as leis, se a moralidade não lhes assegurar o cumprimento?

Mas de que valerão as melhores leis e a mais perfeita Constituição, se uma profunda moralidade não lhes assegurar o cumprimento?

Do que vale o voto se não é dado pelo eleitor com sinceridade, e aceito pelo candidato com reta intenção?

Do que serve um Congresso, se nele não se cuida dos interesses do Brasil, mas dos de uma facção?

De que nos serve o mais bem municiado dos exércitos, se se desvia da ética militar, e se arvora em tutor ou feitor do País?

Do que vale um perfeito aparelhamento escolar, se por seu intermédio se ensina a História do Egito ou a composição do sistema solar, mas se omite intencionalmente o estudo dos deveres para com Deus, a Pátria e a família?

Todo o seu aparelhamento administrativo, que deveria ser para a Nação como o maquinismo que conduz o navio ao porto, não será outra coisa senão um fardo pesadíssimo e impossível de sustentar, se não for por toda a parte disseminada a seiva de uma profunda moralidade.

* Onde buscar a moralidade?

E esta moralidade nova, o Brasil não deverá buscá-la nos ensinamentos amorais de um Lênin, ou nas fantasias mais ou menos sedutoras de algum filósofo contemporâneo.

Folheie o Brasil as páginas de sua própria História. Indague de Anchieta qual o fundamento de sua admirável abnegação apostólica; pergunte a Vieira qual a chama que acendeu em prol das mais nobres causas o talento de sua inexcedível eloqüência; pergunte a Amador Bueno qual o princípio em virtude do qual se julgava obrigado a guardar fidelidade a seu Rei; interrogue o Duque de Caxias sobre o segredo que tornou gloriosa a sua espada no Paraguai; investigue as razões que levaram a Princesa Isabel a abolir o cativeiro, com o sacrifício do próprio trono. E todos, a uma voz, apontarão para nosso céu estrelado, mostrando o Cruzeiro do Sul, símbolo bendito da Redenção, que a Providência desenhou em nosso firmamento.


NOTAS

Nota do Autor, escrita à máquina, no começo da primeira página:

"Foi o primeiro discurso a tratar dos assuntos relativos à organização a ser dada ao Brasil depois da vitória da revolução de 1932. Por este motivo, a censura, querendo evitar explorações políticas, permitiu que eu pronunciasse o discurso, mas impediu sua divulgação pelos jornais.

A própria autorização de pronunciar o discurso só me foi dada atendendo às finalidades católicas e extrapartidárias do que eu dizia. Do contrário, todo o discurso teria sido cortado.

Até o dia 1º de setembro, ninguém falara, por determinação superior oriunda de combinação da frente única, em reorganização do Brasil."

(1) Nota do Site: Relativo a Tântalo, personagem lendário que teria roubado o manjar dos deuses para dá-lo a conhecer aos homens, e que recebeu o castigo de estar perto da água sem a conseguir tomar, pois esta se afastava quando ele tentava bebê-la; e de estar sob as árvores, sem lhe conseguir comer os frutos, por elas encolherem os ramos.

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