Conferência na II Semana de Estudos de "Catolicismo"

1954

( Sem revisão do autor )

 

 

I Semana de Estudos de Catolicismo - 1953 - Dr. Plinio

Dr. Plinio discursando na I Semana de Estudos de "Catolicismo" - 1953

...essa revolta se transforma numa revolução quando há um conjunto de súditos que se levantam e quando o perigo de queda da autoridade é iminente, grave, de guerra civil e derramamento de sangue. Nós temos então uma revolução.

Eu sustento, nós sustentamos aqui, com a doutrina mantida e ensinada pelo Santo Padre Leão XIII, nas encíclicas Parvenu à la vingt cinquième année e Immortale Dei, nós sustentamos que o mundo ocidental se encontra numa grande Revolução com R maiúsculo, a qual começou no século XVI e que se vem prolongando até os nossos dias. Uma Revolução crescente, que atinge esferas da vida cada vez maiores, e que visa chegar até a Revolução total.

Eu recomendaria aos senhores que não saíssem de São Paulo sem adquirirem a encíclica... [ininteligível], que se encontra à venda nas Vozes de Petrópolis, com o título das encíclicas sobre a Igreja Católica nas coleções de Leão XIII. É um fascículo muito pequeno, eles vendem a preço extremamente econômico, são dois ou três cruzeiros, este fascículo é uma tradução muito boa, o que eu posso dizer com toda segurança porque a tradução foi feita por Da. Julinha Ablas que está aqui presente.

Vamos estudar a Revolução para vir a saber o que é o liberalismo e o que vem a ser o anti-liberalismo

Bem, nós devemos estudar as causas dessa Revolução, que é a Revolução liberal por excelência, para depois nós sabermos o que vem a ser a Contra-Revolução, nós sabermos o que é o liberalismo e o que vem a ser o anti-liberalismo.

Nós devemos estudar isto para nós compreendermos a fundo o liberalismo de que trata D. Sardá y Salvani em seu livro sobre esse assunto (El liberalismo es pecado).

Mas para eu me tornar mais compreensível, por uma questão de método de exposição, eu me desloco desse grande plano histórico que envolve a vida de nações inteiras, durante séculos, num processo cultural extremamente complexo, extremamente rico em misérias - se se pode dizer isto -, eu me desloco desse grande plano para me situar antes de tudo num plano individual.

Vamos antes ver o que é o espírito de revolta num indivíduo. Como é que nasce esse espírito de revolta, como é que ele evolui, e para que tende para depois nós compreendermos o que é o espírito de revolta visto em nações inteiras. E para nós compreendermos melhor ainda isto, eu vou estudar o seguinte problema: no que consiste a liberdade de um indivíduo. As duas noções: a liberdade bem entendida e a liberdade mal entendida. Noção católica e noção pagã de liberdade. Tudo isso no plano individual.

Mas para que minha exposição fique menos árida, em vez de me situar no terreno exclusivamente doutrinário, eu vou procurar me situar no terreno exemplificativo, de maneira tal que eu possa ser compreendido com menos tédio por aqueles que me ouvem.

Demonstração da sabedoria e da bondade da Lei Moral, instituída por Deus. O que a Igreja Católica chama "Moral"?

Moral é uma regra de procedimento que é dada por Deus, que tem direito de mandar em nós e tem poder de mandar em nós. Essa regra participa das qualidades de Deus. Deus é infinitamente sábio, Deus é infinitamente bom. As regras da moral participam dessas qualidades de Deus, elas são infinitamente sábias, elas são absolutamente boas.

Por que é que elas são sábias, e por que é que elas são boas? Vamos tomar um exemplo, uma regra: "não matarás".

Esta regra de moral, por que ela é sábia? Ela é sábia pelo seguinte: está na natureza minha e na natureza de um outro homem com que eu trato, que eu não tenho sobre ele uma tal superioridade que a vida dele dependa de mim. É uma coisa evidente. Eu posso ser mais inteligente do que um outro homem, eu posso ser mais culto do que um outro homem, eu posso ser mais poderoso, ser mais rico, etc.. Mas apesar de todas essas superioridades que eu posso ter sobre outro homem, ou que outro homem possa ter sobre mim - vamos tornar menos antipático o exemplo: apesar de todas as superioridades que outro homem possa ter sobre mim, vamos dizer, por exemplo, um homem cuja envergadura, não moral, mas envergadura intelectual, domina a dos seus contemporâneos: Winston Churchill - eu volto a dizer, não moral, apenas intelectual - Winston Churchill é um homem muito mais inteligente do que essas pálidas figuras de sombra que governam o mundo ocidental hoje em dia, uns Bidauetzinhos, uns Getulinhos e umas coisinhas. Bem, é natural. Mas essa superioridade não é tão grande que dê a Winston Churchill o direito de matar um outro homem. Eles têm a mesma natureza espiritual, feita para Deus. Um não pode matar o outro.

Porém, se Winston Churchill não pode matar, por exemplo, Getúlio Vargas, Winston Churchill pode matar um frango e pode comer o frango. Por que não é um crime ele comer o frango, mas é crime ele matar Getúlio Vargas? A razão é muito simples. É que Getúlio Vargas é uma criatura igual a ele, feito para Deus. Está na natureza de Getúlio Vargas. Não está na natureza do frango ser igual a nenhum homem, nem a Winston Churchill, nem a nenhum de nós. Está na natureza dele que ele foi criado por Deus para nós. Logo matar o frango é coisa de acordo com a ordem natural. É um ato moral. Seria uma imoralidade, uma estupidez, eu ter fome, estar ali o frango, um frango que foi feito para mim e eu, que sou filho de Deus, padecer fome para poupar a vida de um frango. Seria uma estupidez, porque o frango existe para mim. Está na natureza dele, eu mato o frango, eu como o frango.

Um exemplo de até onde pode chegar a estupidez pseudo-humanitária

Eu me lembro de ter lido há dias atrás no "O Estado de S. Paulo" uma notícia muito curiosa que mostra a estupidez pseudo-humanitária até onde pode chegar.

Nos Estados Unidos (...) uma gaivota se emaranhou nos fios elétricos de alta tensão - que existe lá também em abundância - fios elétricos de alta tensão de uma linha qualquer. E então, um americano, tomado de sentimentos humanitários - chamemos isto assim – resolveu, com risco de sua vida, subir ao alto do poste - eu suponho que estivesse com luvas de borracha, porque do contrário não compreendo como ele possa ter feito a operação - ele subiu no alto do poste e tentou libertar a gaivota. Esta, justificadamente, cobriu a cara do americano de bicadas. O povo embaixo assistia ao fato emocionado. O sangue corria da cara do nosso americano em abundância. Afinal ele libertou a gaivota, que saiu voando, mas ficou com a cara coberta de sangue por causa do bicho. Com certeza esse homem, ao chegar em casa, mandou matar um frango e comeu-o. Ele fez uma ação que é desinteressada, sem dúvida nenhuma. Ele terá feito uma ação sábia? Aqui a questão é muito diferente.

Por que razão eu digo que o homicídio é um ato mau? Por que razão eu digo que o princípio de moral proibindo o homicídio é um princípio bom? Porque a ordem natural das coisas proíbe matar, a ordem natural das coisas mostra que uma natureza não dispõe da outra. A razão no fundo está no seguinte: a ordem natural foi feita por Deus, e o que Deus faz é bom. Deus criou uma natureza, e deu à natureza esta ordem. Quando nós andamos de acordo com a natureza, nós andamos de um modo bom. Então se pode dizer que nós somos moralizados. Quando nós andamos contra a ordem natural estabelecida por Deus, então nós andamos de um modo mal, então agimos contra a moral. Esta não é a noção inteira da moral, mas é um dos elementos mais importantes, que contém grande parte da moral. Basta eu acrescentar isto neste momento para eu prosseguir na minha exemplificação.

Por que eu digo, por exemplo, que matar é [um] mal, mas matar uma criança é pior? Porque isto está na natureza da criança. Se matar é [um] mal, extinguir uma vida que está no seu progresso, no seu desenvolvimento, é mal maior. Matar uma criança é [um] mal porque é uma covardia. Está na natureza do homem adulto que ele é forte e que a criança é fraca. Este abuso da fraqueza que está na natureza da criança, isto torna o crime pior.

Por que é que eu digo, por exemplo, que matar por um motivo de queixa justo é menos mau do que matar por motivo de queixa injusto? Eu preciso me esclarecer: embora eu possa ter um motivo de queixa de uma pessoa, este motivo de queixa não me autoriza a matá-la; não há motivo de queixa que autoriza alguém a matar outrem. Mas ao menos a queixa é justa, o crime é menos mau do que a queixa injusta.

Vamos dizer por exemplo: eu mato alguém porque esse alguém disse uma injúria, ou deu uma bofetada em minha mãe, na minha presença. Eu não tenho direito de matá-lo, é certo. Mas isto é muito menos mal do que eu matá-lo porque ele não quis dar o dinheiro dele numa estrada onde eu assaltei. É uma coisa evidente. Por quê? Porque está na ordem natural das coisas. Toda moral se baseia, na consideração da realidade natural. A minha razão vê o que a natureza manda fazer. E eu poderia, pela razão, deduzir que essas regras foram reveladas por Deus no Decálogo, e que eu sei, portanto, sem nenhuma dúvida, o que eu devo fazer.

O Conceito católico de liberdade é a possibilidade da alma de agir de acordo com aquilo que a razão determina

[Se eu sei] o que devo fazer, a minha vontade inclina-se naturalmente para fazê-lo. Se eu vejo que eu não devo matar uma criança para lhe roubar o dinheiro, por exemplo, minha vontade inclina-se naturalmente para não matar a criança. E eu digo que eu sou um homem livre, porque minha inteligência viu, minha vontade quis, e eu de fato não matei a criança. O que é a liberdade? A liberdade nesse caso - e é esse o sentido reto de liberdade -, a liberdade nesse caso é a possibilidade que tem a minha vontade de se determinar, de se resolver, de pôr os seus atos de acordo com a regra da razão. É isto que eu chamo "liberdade". É isto que a doutrina católica chama "liberdade".

A linguagem comum aceita isto também. Vamos dizer, por exemplo, um homem são e um louco furioso: um homem são vê a criança, não a mata porque acha que não deve matá-la. Vem a criança e joga uma bolinha de papel no louco, e aquilo começa a espumar, ferver nele, o sangue circula, esta parte aqui se torna grossa, os seus olhos se injetam, e ele sente que não deve matar a criança, mas um turbilhão começa a se formar nele: "Mas afinal, essa criança... essa bola de papel!, etc.". Isto vai num crescendo até que o louco explode e mata a criança. Vamos supor que seja um louco-louco.

Eu posso dizer que eu, porque não matei a criança fui livre, e que ele não é livre, ele é escravo de sua loucura. Por que posso dizer isso com todo fundamento, com toda razão? Por um motivo simples: a minha liberdade consiste em ver a razão e segui-la. Como ele tem uma desorganização dentro do seu ser, ele ou não vê inteiramente, ou quando ele vê, ele não é capaz de seguir. E por isso eu digo que ele não é livre e que eu sou livre. Eu digo que ele não é culpado e que eu [seria] culpado. Eu sendo livre [seria] culpado, ele não sendo livre, não é culpado. Estes são os conceitos comuns.

A limitação da nossa liberdade vem do fato de que temos dentro de nós as raízes dos vícios capitais

Se eu considero, à luz deste conceito, os defeitos humanos, eu chego à seguinte conclusão: cada defeito humano é uma limitação de minha liberdade. Vamos tomar, por exemplo, os sete pecados capitais. A enumeração não é bonita, porque é a enumeração das sete coisas mais feias que há na Terra; nem a lepra, nem a Bienal, nem outra coisa qualquer tem a feiúra dos sete pecados capitais. Mas vamos enumerá-los: cólera, a preguiça, o orgulho, a inveja, a avareza, a luxúria, a gula. Os senhores conhecem do catecismo esta enumeração. Mas eu penso não ser desatencioso com nenhum dos senhores, nem desrespeitoso com Da. Julinha, nem irreverente com o Pe. Pestana e D. Pedro Henrique, dizendo que todos nós que estamos nesta sala, sem exceção de ninguém não precisamos ter do catecismo para aprender o ímpeto pelo menos de algumas dessas coisas. Por que? Porque nós fomos concebidos no pecado original, e toda esta Bienal existe dentro de nós. Nós temos o orgulho, a cólera, a avareza, a inveja, a preguiça, a gula, a luxúria. Nós temos isso dentro de nós, e então vem aqui a limitação da nossa liberdade.

Vamos dizer que chega aqui, por exemplo, uma pessoa superior a mim e com o direito de mandar em mim. Vamos dizer, por exemplo, o Pe. Pestana, que é sacerdote, e que, portanto, na Igreja Católica está constituído em autoridade. Pio X nos ensina que a Igreja Católica é uma sociedade de desiguais que uns foram feitos para governar, para ensinar, para santificar, e outros foram feitos para serem governados, para serem ensinados, para serem santificados. Ele portanto tem o direito de ensinar, que eu não tenho. Ora, eu estou aqui fazendo uma conferência para os senhores e naturalmente estou fazendo esta conferência porque julgo que estou dando a doutrina católica. Terminada a conferência, Pe. Pestana diz para mim:

- Dr. Plinio, o sr. errou em tal ponto - pode ser que isto se dê, o sr. tem toda liberdade - tal ponto da doutrina católica não é assim.

Vamos supor que eu fosse um indivíduo - eu sou, todo o mundo o é - com a tendência para o orgulho, minha inclinação natural seria inventar uma chicana e jogar em cima dele. E como eu sou advogado e ele não é, talvez eu não tivesse muita dificuldade em arranjar um trança-pé e empurrá-lo:

- Pe. Pestana, olhe, veja tal coisa assim, eu tenho mais três argumentos.

Eu tomaria pelo menos uma hora numa discussão, cansava, os senhores ficariam sem saber quem tinha razão, porque acabariam não prestando mais atenção - não quero dizer que a lógica dele não superasse a minha.

O que teria acontecia num caso desse? Eu teria cedido à tentação do orgulho. Eu teria sido um homem livre? Sim, porque eu pequei. Se eu pequei, fui livre. Mas a minha liberdade teve no seu orgulho uma limitação. Minha inteligência mostra que eu me devo submeter a ele. Minha vontade, naturalmente, correria para esta submissão em relação a ele. Mas eu tenho dentro de mim uma efervescência má que leva a não querer me sujeitar àquele a quem eu devo me sujeitar. Esta efervescência diminui a minha liberdade. É um empecilho à minha liberdade, não a suprime, mas diminui. Meu defeito diminui a minha liberdade.

Inveja: eu vejo entrar um amigo, vamos dizer meu companheiro de escritório, Dr. Paulo Barros de Ulhoa Cintra, que tirou uma loteria de 5.000 contos, coisa que eu lhe desejo de todo coração. A loteria pela qual eu acho que ele fez bem em não se habilitar, uma loteria do IV Centenário - eu ouvi [dizer] qualquer coisa assim. Bem admitamos que haja uma loteria do IV Centenário, que você tenha comprado o bilhete, etc.... [Ele entra] aqui e diz:

- Plinio, ganhei uma loteria de 5.000 contos.

O primeiro movimento:

- 5.000 contos!!! -- Como ele me é muito próximo, eu me sinto de algum modo envolvido no esplendor dos 5.000 contos.

Primeiro movimento: alegria!

Segundo movimento: "Mas não são meus!"

É forçoso: não são meus, são dele. E isto vem no momento em que ele por generosidade diz:

- Você sabe, eu vou fazer para você um presente de dez contos.

É uma gentileza dele.

Mas eu: "Como? Só dez? Se ele tem 5.000! E desses 5.000 nada é meu, tudo é dele... e eu dos 5.000 só tenho dez".

Ainda estou no terreno do legítimo:

"Pena que eu também não tirei uma loteria de 5.000. Mas é claro, ninguém tira duas loterias de 5.000 mil contos. Dois sócios de escritório, cada um com 5.000? Isto não acontece".

Até aqui é legítimo. Daí em diante começa a inveja:

"Se pelo menos ele também não tivesse... não posso suportar essa alegria, da qual não tenho parte!"

À tarde ele chega com um objeto bonito. Custou dez contos. Conta que ele comprou uma casa, um automóvel e que vai para a Europa. Depois volta-se para mim e diz:

- Plinio, você gostou de seu presente?

E eu digo:

- Paulo, é um encanto seu presente. Muito obrigado!

Evidentemente, eu não preciso concluir...

Eu não sei se devo tomar o tempo dos senhores dando exemplificações. Eu não sei se devo falar a respeito da avareza. Da luxúria, esta, basta abrir uma revista, basta olhar por uma janela, basta nem sei, meu Deus, basta não estar dormindo para que os exemplos da luxúria nos entrem pelas portas dos sentidos de todos os modos, e quando a gente está dormindo, ainda são os sonhos que perseguem.

A gula. Confeitaria outro dia, Confeitaria Fasano, vitrine acesa com gás néon, véspera de Natal com os festões, uma garrafa triunfal escrito em baixo: "Conhaque Napoléon" dominando no meio da vitrine, no esplendor da vitrine. Do lado de fora um moleque sujo, com o nariz colado na vitrine, babando com tudo aquilo. Veio o garçon e disse:

- Menino, você está sujando a vitrine.

Ele foi embora se arrastando. Esse menino, naturalmente, estava morto de vontade de comer e provavelmente também de beber. Se a gente dissesse a ele:

- Menino, isto é seu! Aqui está o... , ali estão os suspiros, ali estão os sorvetes, mais ali estão os sanduíches, as empadas e a maionese - maionese acho que ele não deve gostar muito -, lá adiante os biscoitos.

Esse menino comeria muito mais do que o razoável. Eu receio bem que sendo um moleque de São Paulo, ele também beberia muito mais do que o razoável. Aonde é que esse menino iria ter? Esse menino teria a sua liberdade diminuída pela gula. Sua inteligência lhe mostrava: come-se só até tal quantidade; bebe-se só até tal proporção, mas o desregramento interior diminuiu a sua liberdade.

Conclusão mais formidavelmente anti-liberal que existe sobre a Terra: a lei que me proíbe fazer o mal protege a minha liberdade

Quando eu chego a esta conclusão, chego à conclusão que é muito inesperada para os liberais. Olhem que tudo isto que eu estou dizendo aos senhores é tão claro, e tão límpido - não quero dizer que esteja dito com clareza, nem com limpidez - mas eu quero dizer que em si mesmo é claro e límpido. Tudo isto que estou dizendo aos senhores é tão claro e é tão límpido, que até talvez os senhores estejam espantados de eu estar desenvolvendo o assunto com tanto luxo de pormenores uma coisa que qualquer conselheiro Acácio na esquina sabe perfeitamente.

Mas eu estou desenvolvendo com esse luxo de pormenores porque é sobre estas evidências que eu quero assentar a conclusão mais formidavelmente anti-liberal que existe sobre a Terra. E é a conclusão seguinte: eu sou livre na medida em que eu ajo de acordo com minha razão e minha vontade; e, de outro lado, na medida em que meus instintos me dominam, eu não estou sendo livre. Conseqüência: a lei que me proíbe de fazer o mal, que me tira as ocasiões de fazer o mal, protege a minha liberdade.

Assim, por exemplo, se há uma lei que proíbe as revistas imorais, esta lei protege a minha liberdade, ela faz com que a minha liberdade não seja desvirtuada, corrompida, deformada, pelo rugir dos meus instintos animais, que a revista imoral vai desencadear. Se há uma lei que obriga a fechar os botequins no domingo, à hora da missa, para todo o mundo ir para a missa - na Europa há uns países onde ainda existe esta lei - protege a liberdade dos bêbados porque a inteligência diz a eles que eles devem ir à Igreja, a vontade quer ir para a Igreja, mas lá não há a cachaça, mas sim as variantes locais da cachaça e essas variantes arrastam o homem e impedem-no de ir à Igreja. Eu, fechando o botequim, eu não diminuo a liberdade desse homem, aumento-a. É com a lei que o homem se torna livre.

Eu dou o exemplo extremo e me torno mais claro do que tudo: o toxicômano [com a] injeção morfina, [os] sonhos. Chega a hora de tomar o tóxico: a sensibilidade desregrada está pedindo, está pedindo, está pedindo a morfina. Mas a vontade quase escrava ainda sussurra a ele: "Não tome morfina". Eu pergunto: qual é a lei que protege a liberdade dele? A lei que diz: "Você pode tomar morfina"? "O comércio de tóxico [é] livre"?, ou a lei que diz: "Você não pode tomar morfina porque o comércio de tóxicos está fechado".

É a lei que proíbe a ele tomar morfina que protege a liberdade. A lei, pelo contrário, que não lhe proíbe tomar morfina, esta lei, de fato, trai, abandona, desserve a liberdade dele.

De onde, dentro do conceito do bom senso, que é o conceito católico, pois anima humana naturaliter christiana - a alma humana é naturalmente cristã - dentro do conceito católico nós chegamos à seguinte conclusão: a lei severa, enérgica, que proíbe o mal e que de todos os modos favorece o bem, é a verdadeira lei liberal, no sentido bom da palavra, porque ela favorece a liberdade. Pelo contrário, a lei que deixa todo o mundo fazer o que quer é uma lei anti-liberal porque ela favorece a escravização da vontade humana pelas paixões humanas. É essa a realidade da coisa.

No conceito pagão, a liberdade consiste no direito do homem de agir como entende, em qualquer direção

Este é o conceito católico. Qual o conceito pagão a respeito de liberdade? É um conceito diverso. O conceito pagão de liberdade nós poderíamos tomar como ele circula por aí, numa definição que nós encontramos naquilo que é o credo do século atual - ao menos para a Europa - e que é o dicionário Larousse, o espírito do tempo posto em pequenos artigos, em pequenas pílulas alfabetizadas à disposição de todo o mundo.

Quando alguém quiser saber o que todo o mundo de certa cultura, o que o espírito de carneiro, sem independência própria, pensa a respeito das coisas, procura o Larousse: lá está. O conselheiro Acácio do século XX é o Larousse. Quando nós vamos procurar no Larousse o conceito de liberdade, encontramos um conceito completamente diferente, que é o seguinte:

"A liberdade é um direito que o homem possui por sua natureza própria." Concordo. Mas direito de fazer o quê? De agir em qualquer direção, sem um constrangimento externo. Está completamente deslocado o conceito. É uma noção inteiramente diversa. Vou exemplificar: o bêbado. Ele quer ser livre. No que consiste a liberdade dele? Segundo Larousse, não é no domínio da vontade sobre as paixões. É no direito de se embriagar à vontade, porque é um direito de agir como entende, em qualquer direção, portanto, também na direção de beber sem que ninguém impeça. Isso é o que é liberdade. E então nós temos esse conceito chulo, comum de liberalismo. Qual é esse conceito chulo comum de liberalismo? "Liberdade é isso! Eu não tenho amolação, não tenho breque, não tenho freio, estou solto".

Livre para eles quer dizer solto. E solto, no fundo, quer dizer: desembestado. Eu estou solto. Quero comer demais? Como. Quero beber demais? Bebo. Quero roubar? Roubo. Quero ler coisas imorais? Leio. E se depois eu quero fazer todas as coisas que as leituras imorais escrevem, eu faço. Eu estou desembestado. Esse conceito pagão quer dizer o contrário do nosso conceito. Quer dizer o seguinte: "As paixões humanas em seu desregramento são lícitas. Não devem se contrariadas. A gente deve permitir a todo o mundo de fazer aquilo que é gostoso; e tudo aquilo que proíbe o que é gostoso é anti-liberal". Então os senhores têm o conceito de anti-liberal que a vulgaridade de nosso ambiente multiplica por aí.

Exemplos aplicados ao conceito pagão de liberdade

Eu sou professor. Vem um aluno e me pergunta:

- Professor, é permitido fumar?

Eu sei que para o fumante é gostoso fumar e que é penoso não fumar. No tempo em que eu fumava, chegava a levantar durante a sessão de cinema, para ir fumar um pouco fora e voltar, embora fosse sessão corrida, de tal maneira estava habituado a fumar. Por isso eu considero muito penoso assistir às aulas sem fumar.

Agora, eu estou vendo diante de mim um aluno que pede licença para fumar. Eu estou compreendendo, naturalmente, que se o aluno gostaria de fumar, porque ele está sentido o que eu sentia quando era fumante. Conceito meu de liberdade: "Você sabe que em aula não se fuma, porque não é respeitoso, nem é correto, sua inteligência lhe mostra isto, a sua vontade no fundo quereria aderir isto. Mas seu desregramento está levando você a fumar fora de hora. Eu vou proteger a sua liberdade:

- Não senhor! - é a minha resposta -, não só não se pode fumar, a sua pergunta é tão extravagante que lhe é até proibido de perguntar se o senhor pode fumar".

Ele senta-se logo e começa um comentário com um colega: "Como esse professor é anti-liberal!"

Uma criança vê, por exemplo, uma outra criança ir à uma matinée, onde vão passar fitas suspeitas. Ela vê o artista, os anúncios e títulos, dos tais assim que deixam as crianças acesas, e pelos seus lados piores naturalmente, porque [se] avisar que vai haver uma aula de catecismo, não deixa uma criança assim. Vem a criança e diz para a mãe ou para o pai:

- Papai, mamãe, vão passar hoje a fita "O bandido atroz", ou "A dona assassinada", todos os meus colegas vão assistir, todos as meninas vão, já formaram um grupo interessantíssimo, encontramo-nos na porta do cinema e entramos juntos. Vamos ver essa fita. É uma coisa deliciosa.

A mãe:

- Não pode ir.

No nosso conceito: mãe liberal. Protegeu a liberdade de suas crianças. No conceito deles: "Tirana, carrasca. A criança achava gostoso ir, coitadinha! Não pode ir, porque a mãe não quis."

O chefe de Estado liberal, segundo nosso conceito, manda fechar (...) todas as heterodoxias de todos os naipes, que pululam pelo Brasil. Culto só em casa particular. Propaganda anti-católica, proibida. Só se imprime, só se difundem coisas católicas. Num conceito nosso de liberdade: "Deus não nega a sua graça a ninguém, o homem católico sabe que a Igreja Católica é verdadeira; sua liberdade, porém, é solicitada, enfraquecida pelos instintos que o levam a apostatar. Proteger a liberdade dele é eliminar a propaganda (anticatólica) etc."

(...) Não sei se os senhores estão percebendo onde é que pega o carro no fundo. É que nós, com o nosso conceito de liberdade, queremos levar o homem a fazer o bem, a obedecer à lei, a ter um freio. Eles, com o conceito deles de liberdade, querem favorecer só o que é agradável, só o que é delicioso, só aquilo que lisonjeia a imaginação e os sentidos. Neste ponto é que está o marco divisor entre a Revolução e a Contra-Revolução.

Eu tomo agora a Igreja Católica. Eu passo a exemplificar a coisa em termos muito terra a terra para um ponto um pouquinho mais elevado. A Igreja Católica a respeito de Deus Ela me manda crer nas seguinte coisas:

a) Deus existe. É a nossa primeira afirmação.

b) Deus é pessoal e transcendente. Nós vamos examinar um pouco melhor essas fórmulas depois.

c) Deus foi quem fez a Revelação. Vamos dizer assim, Deus revelante.

d) Deus se encarnou na natureza humana de Nosso Senhor Jesus Cristo. Então nós temos Deus Encarnado.

e) Deus fundou a Igreja Católica.

f) Depois nós temos, por fim, a Igreja: Deus instituiu o Papa para presidir a Igreja Católica.

São alguns pontos essenciais de nossa fé.

Agora suponham que eu seja um homem extremamente orgulhoso, com todo o meu orgulho desencadeado. Não gosto de ver ninguém acima de mim, eu não gosto de admitir uma superioridade, eu não gosto de admitir uma autoridade. A idéia simples de que alguém é mais do que eu me atormenta.

Eu vi uma vez uma profissão de fé assim, muito interessante num barbeiro - gosto muito de ouvir as conversas de barbeiro e companhia porque ali é que se vê na sua ingenuidade primitiva, na sua celula mater, as manifestações de certas mentalidades. Então dizia um homem: "Eu - ele achava que era muito bonito - sou assim: não me julgo superior a ninguém, mas eu não considero ninguém superior a mim. Nem Deus".

Ele é doido de orgulhoso. Ele é tão orgulhoso que ele detesta a superioridade, até quando ele é superior. O que ele quer é que ninguém mande em ninguém, porque qualquer autoridade, ainda quando exercida por ele, o atormenta.

Um homem assim, vamos dizer, ele pode ser levado ao ateísmo [o mais] completo, a negar a existência de Deus. Aborrece-lhe a idéia de que haja um Deus. Esse Deus vai lhe pedir contas, vai pedir satisfações, desagradável, ele não quer. Então, tudo quanto é argumento contra a existência de Deus, ele acha bem sacado, bem achado: "Olhe lá, é verdade. Isto é verdade, também aquilo é verdade". Ele acaba caindo no ateísmo.

Se ele é um homem que não chegou até o extremo do ateísmo, ele negará não que Deus existe, mas o outro ponto: Deus pessoal e transcendente. "Deus existir, existe. Mas o que é Deus? Deus é humanidade, Deus é natureza, Deus não é uma pessoa. Todos nós somos Deus. Deus é um princípio que existe por aí, do qual eu faço parte".

Vejam a consolação: "Deus existe, mas eu também sou Deus. Eu sou um pedacinho de Deus".

Tão bom como tão bom, já é um arranjo. Não é a solução completa, mas já é um arranjo.

Mas se o homem não é tão audacioso, ele não nega que existe um Deus pessoal e transcendente, mas ele pelo menos nega a revelação. Nega a Bíblia. Porque a Bíblia, para o orgulhoso, é uma coisa pavorosa. Ele lê aqueles ensinamentos, algumas coisas ele não concorda, ele, fazer esse ato de humildade: "Eu estou errado porque minha inteligência é sujeita a erro, e ali está a verdade, esse livro é que diz a verdade", isto é duro para o orgulhoso. O orgulhoso é turrão, é obstinado. Resultado: nega pelo menos a Revelação.

Outra coisa dura: nega também a Encarnação. "Jesus Cristo ali na cruz, está bem, mas afinal de contas o que eu vejo nEle é um homem, não vejo outra coisa nEle a não ser um homem. Este, em quem eu não vejo senão uma natureza humana igual à minha - porque nEle eu não vejo outra coisa - eu, ajoelhar-me diante dEle e dizer: 'Meu Deus?' Por que isto? Afinal de contas, tão bom como tão bom, homem como homem, adorá-lO eu? Eu já me adoro a mim! Para que adorar a Ele? Eu não".

Ele pode mesmo admitir a Encarnação, se teve uma formação cristã muito profunda, mas tropeça pelo menos num outro ponto: a Igreja Católica. "Essa história de Papa, de padre, de bispo que ensina, que governa... e eu, ali com uma canga no pescoço: faz isso, faço. Faz aquilo, faço...

"Nossa Senhora foi definida isenta do pecado original, não me deram satisfações... Pio XII agora definiu a Assunção. Ele perguntou a mim o que é que eu estou achando disto? Não. Ele nunca me viu. Ele não sabe que eu existo. De Roma, uma revelação: 'Todo o mundo tem que crer que Nossa Senhora subiu ao Céu com corpo'. Por quê? Porque ele acha. Decretou! Eu? Eu aceitar uma coisa dessa assim? Com a minha lucidez, com a integridade de minha personalidade, com a amplidão dos meus recursos individuais, eu aceitar uma coisa dessa? Não, isso não.

Jesus Cristo existiu sim, está bom, encarnou-Se, foi Deus, vá lá, até isso eu entendo. Mas eu engolir negócio de dogma, feito por um outro? Por que é que eu sou um homem tão inteligente, independente? - Essa inteligência, qualquer maltrapilho da rua pensa a mesma coisa. Porque todo o mundo se julga inteligentíssimo.

"Se ao menos se fossem os bispos que se reúnem, discutem num concílio, há um certo estudo, eu posso acompanhar, eu formo minha opinião. Vá lá. Mas a coisa mais dura é esta: existe um Papa. E ele sozinho, da cabeça dele e pela cabeça dele, decide: 'tal coisa é dogma'. Plinio Corrêa de Oliveira, depressa, faça seu ato de fé, porque está decidido por ele. Não houve uma discussão, não houve nada. Ele resolveu. Seu Plinio, o sr. tem que andar na linha, ou é anátema. Ah, mas que negócio é esse!"

A Revolução, nas suas várias etapas, foi cerceando a liberdade segundo o conceito católico: repetição do "non serviam"

Os senhores estão vendo que isto é um céu aberto para nós para toda a alma fiel, que quer governar sua independência, e que pratica a humildade. Mas isto é para o homem orgulhoso como uma espécie de cercadura de arame farpado, em que ele se arranha de todos os lados. Aqui os senhores têm um primeiro elemento da história da Revolução.

Diz Leão XIII, na Encíclica Imortale Dei, o seguinte:

"Houve tempo em que a filosofia do Evangelho governava os Estados. Nessa época, a influência da sabedoria cristã e sua divina virtude, penetravam as leis - Dr. Bruno citou ontem este trecho -, as instituições, os costumes dos povos de todas as categorias e em todas as relações da sociedade civil. Então, naquele tempo a sociedade instituída por Jesus Cristo, solidamente estabelecida no grau de dignidade que lhe é devida, era por toda parte florescente, graças ao favor dos príncipes, e à proteção legítima dos magistrados.

"Então, o sacerdócio e o império estavam ligados entre si por uma feliz concórdia e por uma amistosa permuta de bons ofícios. Organizada por esta forma a sociedade civil deu frutos superiores a toda expectativa, cuja memória subiste e subsistirá consignada como ela está inumeráveis documentos, que nem os artifícios do adversário poderá corromper ou obscurecer".

Eu não quero me estender demais, mas vêem por aí, o elogio que Leão XIII faz da Idade Média. Não é um elogio feito por nós, é um elogio feito por um dos Papas de maior reputação de inteligência e saber que a Igreja tenha tido.

Quando começou a revolta, o mundo inteiro aceitava isso, todo orbe cristão concordava com todas estas verdades: a humildade existia. Quando é que esta revolta começou? Começou de baixo para cima. Começou por negar a supremacia do Papa sobre todos os fiéis. Essa revolta começou por Miguel Cerulário, patriarca de Constantinopla de 1043 a 1058. O que é que Cerulário e os autores do cisma do Oriente afirmavam? Tudo: "Existe a Igreja infalível, a encarnação, a revelação, a transcendência, a [Providência]", menos isso: o governo pleno do Papa sobre a Igreja Católica. Tivemos, portanto, uma primeira negação que afastou da Santa Igreja os orientais, os russos, os bizantinos.

Depois nós tivemos uma segunda negação no século XVI, não só não se aceitou o Papa, mas negou-se a própria infalibilidade da Igreja Católica. A revolta então tornou-se mais profunda, e nós tivemos o protestantismo, que levou na sua caudal, levou no seu turbilhão a Suécia, a Noruega, a Dinamarca, boa parte da Holanda, boa parte da França, boa parte da Suíça, a Inglaterra, a Escócia. Na Europa Central, parte da Hungria, parte da Tchecoslováquia, um pouco também da Iugoslávia, daquela zona, etc.

Mas a negação não parou nisso. O orgulho, subindo de ponto, tornou-se cada vez mais audacioso, e do protestantismo, das entranhas doentes e más do protestantismo, nasceu um filho mais doente e pior, mais monstruoso. No século XVIII começou a aparecer o deísmo, Voltaire e seus sequazes. Eles não negavam que Deus existe, nem negavam que Deus é pessoal; mas eles afirmavam que Jesus Cristo não foi Deus, que não revelou coisa alguma, que toda religião cristã é falsa, mas existe apenas um Deus pessoal.

Geração de monstros. Cada filho pior do que seu pai. No século XIX, com o cientificismo, com o materialismo, apareceu isto que nós vemos hoje: o ateísmo, disfarçado às vezes em panteísmo, disfarçado às vezes num naturalismo vago, mas de um modo ou de outro, se não é o ateísmo, é quase completamente o ateísmo.

É uma maré montante de orgulho, uma maré montante de revolta, que não quer ter ninguém acima de si, que não quer ser dominada por ninguém, e que [brada] contra Deus, durante séculos e séculos, com uma energia sempre crescente, uma expressão, uma interjeição que já foi lançada no Céu pelos anjos rebeldes: "Non serviam! Eu não servirei! Não servirei e eu recusarei a toda religião católica, porque ela me coíbe no meu orgulho, Ela me coíbe na minha revolta".

O mesmo processo revolucionário aplicado à posição do Estado face à Igreja: limitação da verdadeira liberdade

Isto que nós poderíamos dizer em relação à posição do homem perante a fé, nós poderíamos dizer também da posição do Estado perante a Igreja. A posição do Estado perante Igreja é esta: o mais elementar dos deveres do Estado para com a Igreja é dar à Igreja a liberdade de funcionar e de existir. Ele age um pouco melhor quando reconhece que a Igreja é uma sociedade independente, que não tem obrigação de obediência ao Estado em nada. Quer dizer, uma sociedade soberana é a única Igreja verdadeira e que as outras são falsas.

E ele age na perfeição quando ele vai mais longe e ele reconhece na Igreja um poder na sua própria esfera governamental, na medida em que esta possa afetar a salvação das almas. Quer dizer, as leis feitas pelo Estado são nulas quando elas são contrárias à doutrina da Igreja. Certos tratadistas muito ortodoxos sustentam que quando um Estado faz uma lei contra a doutrina da Igreja, não só o Papa tem o direito de declarar a lei nula - isso todos aceitam - mas o Papa pode até fazer uma lei para aquele país substituindo a lei errada do Estado. Aí está a plenitude dos direitos da Igreja dentro da sociedade civil.

O que é que aconteceu? O mesmo processo de revolta do homem contra Deus deu-se do Estado contra a Igreja. No século XV, os legistas negaram esse direito do Papa de legislar para os Países, de interferir na legislação dos países. Depois nos séculos XVII e XVIII, tivemos a Igreja livre no Estado livre. É o mínimo possível, é o que temos no Brasil. O Estado faz à Igreja o grande favor de não a constranger, de dar a Ela a liberdade que tem a sociedade de colecionadores de selos, de colecionadores de borboletas, a sociedade dos calistas, dos pedicuros, das manicuras, dos tocadores de guitarra e de viola, têm a mesma liberdade que a Igreja Católica, e nós nos extasiamos: "Quanta liberdade! Nós temos tanta liberdade quanto qualquer mequetrefe que faz uma sociedade de vendedores de pinga. Queremos coisa melhor? Nós somos perfeitamente livres!"

Mas até essa liberdade acaba destruída e acaba destruída de que maneira? Pelo comunismo, ou pelo totalitarismo nazista - que é a mesma coisa: "Está a Igreja escrava e abolida. O Estado manda na Igreja".

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