18 de agosto de 1992

Entrevista para a "Folha da Tarde"

"Folha da Tarde" - Alô? Dr. Plinio?

PCO - Sim Sr. Boa tarde.

FT - Como vai o Sr.? Tudo bem?

PCO - E o Sr. está bom?

FT - Eu estou aqui na labuta, não é? Muito trabalho...

PCO - Não há quem não esteja na labuta.

FT - Ah?

PCO - Não há quem não esteja na labuta.

FT - Exato. Dr. Plinio, nós ficamos interessados em fazer uma reportagem aqui sobre essa campanha que a TFP está fazendo nas ruas contra a Reforma Agrária. É isso mesmo?

PCO - Reforma Agrária e a Reforma Urbana.

FT - Reforma Urbana.

PCO - São duas reformas.

FT - Qual é o motivo dessa campanha agora?

PCO - É que estão em andamento no Congresso Federal dois projetos de lei regulamentando disposições da Constituição sobre o assunto. Em princípio a Constituição estabelece que deve haver em certas condições uma Reforma Agrária e uma Reforma Urbana. Mas para que esses artigos constitucionais entrem em vigor, são necessárias leis ordinárias que regulamentem a aplicação dos dispositivos. Então, no Congresso, se fez a prepositura de regulamentações para esses dois assuntos, e como essa regulamentação se faz num sentido oposto ao desejado para o bem comum pela TFP, a TFP, então, lançou essa campanha.

FT - O Sr. já tem números a respeito de quantas assinaturas já tem a campanha? Quando a campanha começou?

PCO - A campanha começou ontem.

FT - Ontem.

PCO - É isso.

FT - Na terça-feira.

PCO - É isso, é isso, exatamente.

FT - Ela está acontecendo só na cidade de São Paulo?

PCO - Não, em vários lugares do Brasil ela começou ao mesmo tempo. São as cidades onde a TFP tem correspondentes, ou sócios, ou cooperadores. E a campanha se desencadeou ao mesmo tempo nos vários lugares.

FT - E qual é a expectativa de números de assinaturas nesse abaixo-assinado que vocês estão fazendo?

PCO - O abaixo-assinado vai indo muito bem, com uma acolhida popular que a nós mesmos nos causa uma surpresa agradável. Nós tínhamos certeza da boa acolhida popular, mas não pensávamos que fosse calorosa como está sendo.

No momento atual nós andamos já por perto de cem mil assinaturas.

FT - Cem mil?

PCO - É.

FT - Essa é a expectativa que estão tendo ou que já recolheu?

PCO - Já recolhida, já recolhida.

FT - Já foram recolhidas nesses dois dias cem mil?

PCO - É isso é.

FT - Com essa reação da população, qual é a expectativa que vocês estão tendo? Até quando vai durar essa campanha?

PCO - A campanha vai durar mais ou menos enquanto não houver segurança a respeito do que vai ser feito pelos Poderes federais.

Ontem mesmo, no dia do lançamento da campanha, ela já foi declarada pelo Senado Federal adiada no que diz respeito à Reforma Agrária. Quer dizer, o projeto de lei regulamentando os dispositivos federais sobre a Reforma Agrária, esse projeto de lei foi declarado fora da pauta dos trabalhos de todos os dias pelo Senado Federal. Hoje foi declarado o projeto de Reforma Urbana também remetido para daqui a seis meses. O que parece bastante interessante.

FT - O Sr. acredita isso a esse trabalho da TFP nesses dois dias?

PCO - Nada faz pensar em outra coisa, porque essas reformas foram tocadas muito lentamente, tanto pela Câmara quanto pelo Senado, e a imprensa quase não falou disso. A "Folha", por exemplo, quase não falou a respeito disso.

Agora, de repente houve um açodamento muito grande e esses projetos começaram a caminhar muito depressa. Na nosso abaixo-assinado nós pedimos ou o referendo ou o plebiscito para consultar o povo a respeito disso.

FT - Da votação desses dois...

PCO - Desses dois projetos de lei. E logo em seguida foi suspenso o andamento de um e de outro.

O Sr. vê que há razão para se atribuir, para se supor pelo menos com muitíssima probabilidade, que a razão é essa.

FT - E por que a TFP defende isso, que esses dois projetos sejam submetidos a uma consulta popular?

PCO - Porque os projetos alteram profundamente a estrutura da sociedade brasileira.

Para o Sr. ter uma idéia, no que diz respeito à Reforma Agrária, por exemplo, o seguinte:

Toda a propriedade em princípio pode ser desapropriada, mas fica especialmente sujeito à desapropriação a propriedade grande, média ou pequena que não corresponda a certos requisitos legais.

Um requisito já mostra ao Sr. qual é o espírito dessa propositura de nova legislação.

Na propriedade dita pequena os proprietários têm que trabalhar o campo juntamente com os seus filhos. Se um dos filhos não trabalha o campo, mas vai, por exemplo, morar na cidade, a terra fica sujeita à desapropriação.

O Sr. está vendo bem que isso é um absurdo. O pai não pode reter na casa o filho maior de idade, e não é justo que ele fique sujeito à desapropriação - e depois a uma desapropriação por um valor declaradamente inferior ao real, quer dizer, portanto, um confisco - porque um filho dele fez uso da liberdade que lhe dá a lei. Isso é mais ou menos como os servos da gleba medieval que não podiam afastar-se da terra na qual ele era trabalhador.

Isso é para dar ao Sr. um exemplo no que diz respeito à Reforma Agrária. Quanto à Reforma Urbana...

FT - Dr. Plinio, me diga uma coisa. A TFP discorda desse projeto que está tramitando no Congresso, mas qual é a posição da TFP sobre a Reforma Agrária?

PCO - Há dois modos de entender a palavra "reforma agrária", ou as palavras "reforma agrária".

Uma seria uma adaptação da estrutura rural a determinadas necessidades da economia nacional, portanto, do bem comum, necessidades também dos proprietários e necessidades dos trabalhadores manuais. Em princípio, isto pode ser uma coisa boa uma vez que se verifique que essa reforma é necessária. Mas essa reforma deve respeitar os princípios da propriedade individual e da livre iniciativa, que são princípios básicos da Civilização Cristã.

Ora, acontece que esses dois projetos, mas estamos falando no momento do da Reforma Agrária, ele viola esses princípios em vários pontos, que são indicados no nosso abaixo-assinado. Sendo contrários à propriedade privada e à iniciativa individual, esses projetos são contrários ipso facto à doutrina social da Igreja. Portanto, nós nos opomos a que eles sejam aplicados. Opomo-nos por via legal, pedindo um plebiscito.

FT - E qual é o projeto de Reforma Agrária que a TFP defende?

PCO - Nós achamos o seguinte: a TFP sustenta que a Reforma Agrária no Brasil não tem razão de ser, porque a quantidade de terra existente supera de muito a quantidade da população. De maneira que a terra ociosa, as tais terras devolutas pertencentes ao Estado, são muito grandes; e o Estado se quiser fazer reforma, comece por dar estas terras aos particulares em condições em que os particulares possam ocupá-las e serem donos dela. O Estado em vez de fazer isto confisca as terras pertencentes a particulares.

Como é que ele que tem terras em excesso, confisca terras pertencentes a particulares?

Ora, é bem de um confisco agrário que se trata, porque o que a lei de Reforma Agrária diz é que a terra deve ser desapropriada por um valor que a gente vê que não corresponde ao valor da compra e venda, mas um valor estipulado pelo Poder Público. E que assim mesmo é pago apenas em vinte anos com títulos da dívida agrária, que têm um valor muito menor do que o valor nominal.

O Sr. está vendo que é uma depredação.

FT - E a Reforma Urbana?

PCO - Eu vou-lhe dizer só uma coisa a respeito da Reforma Urbana.

Todos os imóveis urbanos, construídos ou não construídos, uma vez aprovada a Reforma Urbana nos termos em que ela está sendo proposta, estes [imóveis] passam a ficar na dependência do Poder Público no que diz respeito na sua compra e venda. Em outros termos: se o Sr. tem uma casa e quer vendê-la, o Sr. deve comparecer ao Poder Público declarando por quanto quer vendê-la, e se o Poder Público se interessar em comparar ele tem preferência.

Pode acontecer perfeitamente, por exemplo, que o Sr. tenha uma casa e faz parte do seu imóvel uma parte do terreno em que o Sr. quer que uma filha construa a casa. A moça casou-se, o Sr. então vende ao genro por um preço camarada o terreno e ele constrói uma casa lá. É a coisa mais justa que pode haver no mundo.

Por essa lei não, é preciso consultar o Poder Público e se o Poder Público quiser ele tem preferência sobre sua filha para comprar a terra em que ela vai ser sua vizinha.

É um verdadeiro absurdo. Mas o absurdo vai mais longe.

Se o Sr. tem uma casa, vai vender e encontra um comprador, o Sr. deve comparecer diante do Poder Público e dizer: "Eu tenho tal comprador e o comprador oferece tanto. Eu me disponho a vender por tanto. Aqui está o comprador e ele quer também comprar." Aí o Poder Público vai verificar se o preço pelo qual o Sr. vai vender e pelo qual o Sr. encontrou um comprador é um preço real. Porque pode ser que a Prefeitura ache que o preço é menor, e nesse caso ela tem o direito de comprar pelo preço fixado por ela e não pelo preço que o Sr. encontrou no mercado livre.

FT - É a intervenção total do Estado, não é?

PCO - É uma violação do direito de propriedade.

FT - Dr. Plinio, mais um dado que eu queria saber do Sr. Qual o número de quadros que a TFP tem hoje em São Paulo?

PCO - De quadros? De pessoas?

FT - É, de militantes, de pessoas que atuam na TFP hoje.

PCO - A TFP tem no Estado de São Paulo mais ou menos mil pessoas.

FT - E aqui na capital?

PCO - Aqui no presente eu não tenho bem os dados para dizer ao Sr., mas eu sei que no Estado de São Paulo é mais ou menos mil pessoas.

FT - Toda a Sociedade agora esses dias está empenhada nesse abaixo-assinado?

PCO - A Sociedade toda está empenhada. Mas a sociedade não existe só no Estado de São Paulo, existe no Brasil inteiro.

FT - Dr. Plinio, o seu nome completo é Plinio Corrêa de Oliveira?

PCO - Sim Sr.

FT - Qual é a sua idade?

PCO - Oitenta e três.

FT - Oitenta e três?

PCO - Sim Sr.

FT - Dr. Plinio, quer acrescentar mais alguma coisa para a gente?

PCO - Não, não tenho nada, mas estou à sua disposição para responder ao que queira.

FT - Ah, tudo bem. Dr. Plinio, então deixa eu lhe agradecer aí pela sua gentileza de prestar essas informações para nós.

PCO - É muito amável os Srs. quererem publicar esses dados e espero da "Folha" uma publicação inteiramente objetiva.

FT - Ah, tudo bem. Ok, Dr. Plinio, um abraço...

PCO - Igualmente.

FT - ... e boa tarde para o Sr.

PCO - Passe bem, igualmente. Até logo.