"Folha de S. Paulo", 5 de maio de 1974

Sim, compreendo o deputado

Segundo divulgou na semana passada um matutino desta capital, o Sr. Humberto Medrano, ex-vice-diretor do periódico "Prensa Libre", de Havana, entregou à Comissão Interamericana dos Direitos do Homem um relatório sobre os maus tratos infligidos aos presos políticos em Cuba. "O regime de Fidel Castro – informa o relatório – assassina e tortura os prisioneiros políticos, não lhes fornece alimentação adequada nem cuidados médicos, e os sujeita a doutrinamento político e a trabalhos forçados. Assim, muitos deles atingiram estados críticos de depressão e se suicidaram. O líder estudantil Pedro Boitel morreu em conseqüência das torturas que sofreu na prisão de Castelo do Príncipe, em Havana. A freira Aida R. Pérez, incriminada de trabalhar para a Central Intelligence Agency, morreu à mingua de recursos médicos para a doença cardíaca da qual sofria", etc.

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Willy Brandt severamente criticado no Parlamento da Alemanha Ocidental por haver utilizado, durante mais de um ano, um secretário que era ao mesmo tempo espião a soldo do governo comunista da Alemanha Oriental

Chocado com o fato, um deputado da oposição chegou a pedir a renúncia do primeiro-ministro.

Compreendo o gesto do parlamentar, não só porque o fato em si é inconcebível, como também porque as razões alegadas por Brandt ainda mais agravam a posição deste.

Com efeito, asseverou o chefe do governo alemão, que há um ano sabia estar a soldo dos comunistas o seu secretário. Manteve-o entretanto no cargo para auxiliar as investigações do serviço de contra-espionagem. Ademais – alegou – o espião era seu secretário para as relações com o partido governamental, isto é, o Social Democrático. E neste campo sua nocividade não era grande.

Parece-me que a longuíssima contemporização de Brandt só se explicaria – e a duras penas – caso o secretário-espião estivesse ligado a toda uma rede de espionagem, a ser lentamente detectada em todas as suas ramificações. Ora, não parece que tal se tenha dado, pois os jornais nada disseram sobre tal rede.

Quanto à inocuidade do cargo de espião, é das mais discutíveis. – Qual o governo que não se interessaria em conhecer bem as relações do primeiro-ministro de outro país com o partido político que o sustenta? Quantos dados sobre a estabilidade ou a instabilidade do gabinete daí se podem retirar! Ademais, quantas oportunidades suas funções davam ao secretário-espião para ouvir conversas de outros secretários de Brandt, prepostos à propulsão de setores apresentando interesse maior para a Alemanha Oriental?

Quanta ingenuidade de Brandt nessa resposta... É característico da psicologia de não poucos homens de esquerda terem todas as ingenuidades quando tratam com comunistas, e todas as desconfianças quando tratam com anticomunistas. Explica-se: "onde está teu tesouro, aí está teu coração"(Mat. 6,21). Analogamente se poderia dizer: "onde está tua ingenuidade, está aí tua predileção".

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Aliás, o próprio Brandt teve, durante os debates travados no Parlamento sobre o secretário-espião, uma frase reveladora de sua mentalidade esquerdista. Disse que o episódio lhe deixava uma "profunda desilusão do ponto de vista humano".

O grande inimigo de qualquer governo que toma a sério suas funções é, hoje em dia, o bloco de países comunistas. Tratando com os dirigentes deste, tem Brandt mostrado uma candura desconcertante, da qual o comunismo tem auferido contínuas vantagens. Agora vem-lhe a lambada, que é a paga sistemática dos comunistas a quantos neles confiam. Brandt verifica que os chefes comunistas, por ele imaginados cheios de boa fé, haviam tido a vilania de introduzir um traidor junto a ele. Vem-lhe então uma "profunda desilusão".

Confessando tal desilusão, o chefe do governo alemão confessou, ipso facto, sua total ignorância de um dos traços morais mais salientes do seu adversário: a falsidade. – Não se reconhece Brandt, por isso mesmo, incapaz de governar?

Sim, compreendo o deputado que requereu sua destituição...