"Folha de S. Paulo", 23 de junho de 1974

Novidades de além-fronteiras

Segundo me parece, o atual terrorismo argentino não pode ser identificado ao de tipo castrista, que se alastrou há anos atrás, como uma erisipela, na América do Sul.

Por certo, militam hoje comunistas no Terror argentino. Não consta, entretanto, que sejam a maioria. E se é verdade que a causa comunista pode auferir polpudas vantagens com a presente ofensiva terrorista na nação platina, tais vantagens não serão contudo do gênero das que lhe teria trazido, há anos atrás, a vitória do Terror de estilo cubano. Este último visava diretamente empoleirar fideizinhos na chefia das várias nações americanas e nelas efetuar revoluções sangrentas como a de Cuba. O plano fracassou. Pelo contrário, o atual terrorismo argentino tem objetivos mais subtis e inteligentes. Ele visa criar uma situação pré-comunista, que só depois evoluirá para o comunismo declarado.

Não creio que essa manobra venha a ser uma repetição da "revolução na liberdade" de Allende. Pois também ela fracassou. Deve tratar-se de algo de novo.

Como será esse "algo de novo"? – Não sei. Mas fixando os olhos no que ocorre fora de nossas fronteiras talvez algo se possa vislumbrar.

No governo da Argentina está Perón. Isto é, um ditador. Ora, a esquerda católica daquele país, no tempo de Lanusse tão infensa às ditaduras, arranjou jeito de se pôr em relações perfeitamente cordiais com o atual regime platino. Com o intuito, é claro, de tirar proveito da situação: ou seja, para modelar algum ditatorialismo demo-cristão.

Será isto? – Parece...

* * *

Astuta como sempre, a Democracia Cristã também no Chile, pelo que se vê, vai delineando igual manobra. Ei-la que faz ali um duplo jogo. Uma de suas alas continua antiditatorial, para conservar suas bases revolucionárias. A outra ala parece que – com uma desenvoltura insuperável – se senta nos degraus do trono ocupado pela Junta, e procura manusear, em proveito próprio, a popularidade, o sabre e a polícia em que se funda o novo regime.

Li há dias que o demo-cristão de esquerda Radomiro Tomic, censurou correligionários seus que participam do governo da Junta Militar. Segundo ele, são demo-cristãos um ministro, quatro subsecretários e uns tantos diretores gerais. Tomic acusa de contraditória a posição desses democratas antidemocráticos. Isto não impede que uns e outros continuem, lado a lado, no mesmo poleiro pedecista.

Não é desconcertante? A Democracia Cristã levou o Chile ao comunismo, e mal sobe um governo anticomunista, lá está a DC risonha, aboletada em prestigiosos cargos políticos e administrativos. Registrando o fato, não tenho a menor intenção de dar a público uma crítica à Junta chilena, digna de fervorosa simpatia por muitos lados. Não sei o que a terá induzido a aceitar essa desconcertante manobra da DC. – Ingenuidade? Inexperiência política? Alguma necessidade tática de bastidores? – Prefiro manter-me numa atitude de simpatia e expectativa amiga.

Registro, isto sim, a velhacaria da Democracia Cristã. Há anos atrás, apresentava-se ela exacerbadamente democrática, a ponto que, segundo certos observadores, o elemento "demo" do seu rótulo devorava o elemento "cristão".

E eis que hoje a Democracia Cristã, já tão pouco cristã, mostra uma espantosa virtualidade antidemocrática.

O que resta do velho e surrado rótulo?

A democracia cristã é visceralmente "Kerenskyana", e "Kerenskeia" onde quer que se encontre, ao lado de intelectuais, como de banqueiros, como de militares, ou outrens quaisquer. Podendo passar a mão no sabre do ditador, na pena do escritor, no cheque do "sapo", ou no microfone do locutor, ela sempre faz uma só e única coisa: "kerenskiar", ou seja, abrir as vias para o comunismo.

Vejamos como essa nova forma de "kerenskiar" vai evoluir....