"Folha de S. Paulo", 30 de junho de 1974

Casaroli: "incorporação no contexto"

A Sra. Eugenia Guzmán, cubana inteligente e dinâmica que reside em Miami, teve a gentileza de me enviar uma xerox da folha dominical "Vida Cristiana"(18-5-74), única publicação católica autorizada em Cuba.

O órgão inicia a publicação de uma mensagem de S. Santidade o Papa Paulo VI ao Episcopado cubano. Dela destaco o seguinte tópico: "Ao considerar com aquela esperança que não ficará confundida"(Rom. 5,5) o curso de vossa vida eclesial, queremos manifestar-vos nossa complacência pelo fato de que, em meio às profundas mudanças ocorridas em vossa sociedade, vos empenhais por imprimir um impulso de renovação cristã no seio de vossas comunidades, favorecendo o florescimento das vocações à vida consagrada, e uma maior coordenação do trabalho apostólico mediante uma melhor conjugação das diversas forças: sacerdotais, religiosas e leigas. Alegramo-nos por isso, e vos exortamos a perseverar no bom caminho empreendido, cuja meta é a edificação de uma Igreja madura, com um aprofundamento pessoal da fé dos cristãos que os capacite para superar todos os obstáculos e impregnar de caridade sua vida e atividade".

Este tópico dá o tonus da parte até aqui publicada do documento pontifício. Não me admira que, com tal tonus, a mensagem tenha sido publicada na integra, apesar da severíssima censura exercida por Fidel Castro. Pois em nada, absolutamente nada, perturba o tranqüilo domínio da ditadura policialesca e igualitária sobre a ilha.

Com efeito, lido o texto com toda a atenção verifica-se que ele contém implicitamente um convite à colaboração dos católicos com o regime comunista. O Santo Padre os aconselha a atuar na Cuba de Fidel e expressa esperanças indefinidas quanto ao resultado dessa atuação. Ele fala absolutamente como se a terrível opressão do regime comunista não existisse. E, pelo próprio fato de abstrair da presença do adversário no campo em que os católicos devem atuar, desestimulá-os para a luta.

* * *

O que o Sumo Pontífice apenas insinuou – aliás com tanta arte e tão de leve – Mons. Casaroli se encarregou de dizer de modo incisivo. No mesmo número de "Vida Cristiana" lê-se uma homilia pronunciada pelo Prelado na Catedral de Havana a 4 de abril. Nesta elogia a Igreja de Cuba por estar "vitalmente incorporada no atual contexto social cubano", ou seja, no regime comunista. E, ainda mais, por atuar "não como elemento de divisões daninhas, mas como benéfico fermento de fraternidade". Isto é, por não lutar contra o comunismo.

Não pesa então um terrível jugo sobre os católicos cubanos? De modo atenuado, Mons. Casaroli o reconhece quando diz que a Igreja de Cuba "carece de vários dos meios de apostolados que outras Igrejas possuem". Mas ele os induz a se acomodarem, ao afirmar que a Igreja de Cuba "não busca manifestações de triunfo, mas quer aprofundar as raízes de sua fé". Aceitem pois o jugo, que ainda assim tudo correrá bem.

Os católico que se "incorporem" comodamente ao contexto social comunista, limitando-se a "aprofundar as raízes de sua fé" em algum obscuro canto de Igreja ou de sacristia.

Será tudo isto mentira da "Vida Cristiana" pressionada pelo ditador? Se assim é, ficamos à espera de que o Sr. Federico Alessandrini desminta, em nome do Prelado, mais estas assertivas...